É obviamente errado realizar um ensaio em que se ministra um placebo a metade dos doentes, quando existe uma opção disponível que se sabe ser eficaz, porque estamos a privar activamente metade dos nossos doentes de tratamento para a sua doença. Lembre-se, não se trata de voluntários saudáveis, que emprestam os corpos a troco de uma recompensa financeira: estes são doentes autênticos, muitas vezes com problemas médicos graves, à espera de um tratamento e que se expõem a alguns incómodos (e esperemos que a nada mais sério do que isso) para que o estado dos conhecimentos médicos progrida, beneficiando futuramente outras pessoas que sofrem.
Além disso, os doentes que participam num ensaio com placebo em vez de um tratamento eficaz disponível estão a sofrer uma ferroada dupla. Com toda a probabilidade. O ensaio em que estão a participar não está a tentar responder a uma pergunta clinicamente significativa, pertinente para a prática médica, porque os médicos e os doentes não estão interessados num novo medicamento que seja melhor que nada, excepto como assunto da Ciência mais abstracta e irrelevante. Estamos é interessados na questão prática de saber se é melhor do que a melhor opção terapêutica disponível, e, quando um medicamento é aprovado, esperamos, no mínimo dos mínimos, ver ensaios que respondam a essa questão.

Não é o que nos dão. Um artigo de 2011 analisou as provas que apoiavam cada um dos 197 novos Medicamentos aprovados pela FDA entre 2000 e 2010, no momento da sua aprovação só 70% apresentavam dados comprovativos de que eram melhores que outros tratamentos (e isto depois de ignorarmos Medicamentos para situações em que não havia tratamento disponível). Um terço não dispunha de provas que os comparassem com o melhor tratamento disponível, ainda que essa seja a única questão que importa aos doentes.
Como vimos, a Declaração de Helsínquia é bastante clara no que toca aos doentes não serem expostos a males desnecessários em ensaios. Começou por ser clara quanto ao uso dos placebos numa alteração de 2000, que diz que o recurso a eles só é aceitável quando por razões metodológicas convincentes e cientificamente sólidas, [o placebo] é necessário para determinar a eficácia ou segurança de uma intervenção e os doentes a quem for ministrado… não forem sujeitos a quaisquer riscos de danos graves e irreversíveis.
Deve ter-se um cuidado extremo em evitar o abuso desta opção. É interessante referir que esta alteração assinalou o início do processo de distanciamento da FDA relativamente à Declaração de Helsínquia enquanto principal fonte das suas directivas reguladoras, sobretudo para ensaios realizados fora dos Estados Unidos.
Este mesmo problema perverso de comparadores inadequados também existe na União Europeia. Para conseguirmos uma autorização de introdução no mercado para o nosso medicamento, a EMA não exige que provemos que ele é melhor que o melhor tratamento disponível, ainda que esse último seja utilizado universalmente: só temos de provar que é melhor que nada. Um estudo de 2007 descobriu que só metade dos Fármacos aprovados entre 1999 e 2005 tinha sido estudada em comparação com outros tratamentos existentes no momento em que foi autorizada a sua comercialização (e, vergonhosamente, só um terço desses ensaios foi publicado e tomado acessível a médicos e doentes).
Muitos investigadores defenderam que este problema de “Melhor do que quê?” devia ser exposto tão proeminentemente quanto possível, de preferência no folheto que os doentes recebem com a embalagem, pois é a única parte do processo de marketing e de comunicações sobre o qual os reguladores podem exercer um controlo claro e inequívoco.
Um artigo recente sugeriu um fraseado claro e simples: “Embora se tenha comprovado que este medicamento baixa a tensão arterial mais eficazmente que o placebo, não ficou provado que é mais eficaz que outros membros da mesma classe de Fármacos.” A sugestão foi ignorada.
Fonte: LIVRO: «Farmacêuticas da Treta» de Ben Goldacre