Deputados Miguel Freitas e Abel Baptista: Conflito de Interesses em período pré-eleitoral

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Deputado Miguel Freitas
Deputado Miguel Freitas

Na XII Legislatura em curso, o deputado Miguel Freitas é membro efectivo e coordenador do grupo parlamentar do PS na Comissão de Agricultura e Mar (CAM), além de ser membro suplente da CAOTPL. Na XI Legislatura, entre 25 de Outubro de 2009 e 19 de Junho de 2011, integrou a Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas (CADRP) e foi membro suplente da CAEIE, no âmbito da qual exerceu, contudo, as funções de coordenador do Grupo de Trabalho – Desenvolvimento Regional (GT-DR).

Entre os dias 23 de Março e 9 de Junho de 2011Miguel Freitas acumulou o mandato de deputado com a actividade de sócio-gerente da empresa Arquipélagos de Conhecimento, dedicada a estudos no domínio do desenvolvimento regional e rural e na área da intervenção social. Do registo de interesses do deputado não consta qualquer participação social em empresas, mas quando questionado sobre a natureza da ligação que manteve com a Arquipélagos de Conhecimento, o próprio Miguel Freitas revelou que deteve uma quota durante o período em que foi sócio-gerente.

“O valor com que entrei foi exactamente o valor pelo qual vendi a minha posição na empresa poucos meses depois. […] Fui sócio da Arquipélagos de Conhecimento durante um período de incerteza da minha vida em que houve a queda do Governo anterior, a dissolução da Assembleia da República e um processo eleitoral, onde acabei por ser de novo candidato a deputado”, recordou.

Em contacto posterior, inquirimos Miguel Freitas sobre a quota que deteve na empresa. Correspondia a que percentagem do capital social?

“16,66%”, especificou. Ou seja, acima do limiar de 10% estipulado no artigo 21.° do Estatuto dos Deputados.

No dia 28 de Abril de 2011, a Arquipélagos de Conhecimento firmou um contrato por ajuste directo com a Direcção Regional dos Assuntos Comunitários da Agricultura (DRACA), visando a “aquisição de serviços para realização do relatório anual do ano 2010 do Programa de Desenvolvimento Rural da Região Autónoma dos Açores”, no valor de 19.950,00 euros e prazo de execução de 22 dias.

Na data em que o contrato foi celebrado, Miguel Freitas era sócio-gerente da empresa e detinha uma participação de 16,66% do respectivo capital social, ao mesmo tempo que exercia o mandato de deputado, apesar da dissolução da AR, formalizada no dia 7 de Abril de 2011. “A dissolução da AR não implica a cessação total de funções do Parlamento, visto que o mandato dos deputados subsiste até à primeira reunião da nova composição da AR, na sequência das eleições legislativas.”

Questionado sobre um potencial conflito de interesses, Miguel Freitas respondeu por escrito no dia 14 de Março de 2013, em três pontos:

“1) Não tive nenhuma participação nem na celebração do contrato, nem na elaboração do Relatório de Execução Anual do Programa de Desenvolvimento Rural dos Açores, relativo a 2010. Nesta altura o Parlamento estava com trabalhos suspensos e eu estava empenhado no processo eleitoral do PS no Algarve;

2) Solicitei a renúncia da gerência com uma carta de 9 de Junho de 2011. Na constituição da empresa todos os sócios eram gerentes, sendo a forma de obrigar a empresa a assinatura de apenas dois gerentes. Todos estes elementos estão averbados na certidão permanente da empresa;

3) Fiz a cedência da minha quota a 29 de Julho de 2011, tendo sido sócio da empresa durante quatro meses (constituição da empresa a 25 de Março de 2011). Esta minha breve passagem pela sociedade não me trouxe nenhum proveito pessoal, já que vendi a minha quota exatamente no valor (750 euros) com que entrei para a sociedade. Não tenho relações com a empresa.”

Para depois concluir: “Do Estatuto dos Deputados a actividade e a participação em empresas que desenvolvem trabalho de “Elaboração de Estudos e Consultoria Técnica” não está vedada aos deputados. Não houve, portanto, nenhum impedimento, incompatibilidade ou conflito de interesses, ou seja, nenhuma violação da lei.”

O contrato em causa tinha como objecto a realização do relatório anual de 2010 referente ao Programa de Desenvolvimento Rural da Região Autónoma dos Açores (PRORURAL). O PRORURAL enquadra-se no período de programação 2007-2013 da Política da União Europeia de desenvolvimento rural, sendo comparticipado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER).

Por sua vez, o FEADER co-financia em aproximadamente 3,5 mil milhões de euros o Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER), um instrumento estratégico e financeiro de apoio ao desenvolvimento rural, para o período 2007-2013, aprovado pela Comissão Europeia, envolvendo uma despesa pública de mais de 4,4 mil milhões de euros.

Miguel Freitas foi coordenador de Agricultura e Pescas na Representação Portuguesa junto da União Europeia (REPER) entre 14 de Outubro de 2006 e 14 de Outubro de 2009. Mais, na actividade parlamentar de Miguel Freitas no âmbito da CADRP e do GT-DR contam-se diversas iniciativas relacionadas com o PRODER. No dia 22 de Junho de 2010, data da Audição Parlamentar n.° 17-CADRP-XI, por exemplo, o deputado e os restantes membros da comissão reuniram-se com a gestora do PRODERMaria Gabriela Ventura, e a presidente do IFAPAna Paulino.

No dia 13 de Abril de 2012 foi acordado um novo ajuste directo à Arquipélagos de Conhecimento, novamente pela DRACA, no valor de 28.425,00 euros, para a “realização de dois estudos”. No dia 7 de Maio de 2012 surgiu mais um ajuste directo no portal Base, adjudicado pela Secretaria Regional da Economia à Arquipélagos de Conhecimento, no valor de 7700,00 euros, referente a um “contrato de prestação de serviços para a elaboração do Relatório do Programa POSEI”.

Deputado Miguel Freitas
Deputado Miguel Freitas

O deputado Abel Baptista é secretário da Mesa da AR e coordenador do grupo parlamentar do CDS-PP no âmbito da CAM. Aliás, exerce as funções de vice-presidente da CAM e integra três grupos de trabalho: Bolsa de TerrasÁrvores com Interesse Histórico e Biomassa. Tudo isto ao mesmo tempo que é presidente do Conselho Fiscal da Coopalima – Cooperativa Agrícola do Vale do Lima (desde 20 de Dezembro de 2008), presidente da Assembleia Geral da APACRA -Associação Portuguesa dos Criadores de Bovinos da Raça Minhota (desde 1 de Junho de 2011), presidente da Assembleia Municipal de Ponte de Lima (desde 30 de Outubro de 2009) e membro da Assembleia Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Minho – Lima, ou CIM Alto Minho (desde 22 de Dezembro de 2008).

Ora, a Coopalima tem dois contratos por ajuste directo registados no portal Base: o primeiro, a 29 de Dezembro de 2008, foi adjudicado pela Comunidade Urbana Valimar (Valimar ComUrb), para a “aquisição de raça canina”, por 5181,54 euros; o segundo, a 31 de Janeiro de 2011, foi adjudicado pela CIM Alto Minho, visando o “fornecimento de ração animal para o canil intermunicipal”. Em ambos os contratos, Abel Baptista tem ligações cruzadas entre as entidades adjudicantes e a adjudicatária, isto é, cargos na Valimar ComUrbCIM Alto Minho e Coopalima em simultâneo.

Mais, no segundo semestre de 2011, a Coopalima recebeu um subsídio do IFAP no valor de 32.163,38 euros. O IFAP está sob a alçada do Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (MAMAOT), cuja actividade é fiscalizada pela CAM, da qual Abel Baptista é vice-presidente. Também a APACRA, outro dos cargos paralelos de Abel Baptista, recebeu subsídios do IFAP enquanto Baptista é deputado e vice-presidente da CAM: no segundo semestre de 2011 recebeu um apoio de 67.376,02 euros; no primeiro semestre de 2012 recebeu outro apoio de 57.145,32 euros.

Confrontado com estes dados, o deputado respondeu por escrito no dia 12 de Março de 2013: “Como bem conhece o meu registo de interesses, pode verificar que NÃO exerço nenhuma actividade executiva em nenhuma associação, empresa ou cooperativa do sector privado, bem como NÃO exerço nenhuma função executiva pública, NÃO tenho qualquer intervenção nas diferentes funções que exerço que possam prejudicar ou beneficiar as instituições onde as pratico. Na sua investigação poderá verificar que em caso algum há qualquer tratamento de privilégio, assim como eu NÃO participei em nenhuma decisão directa ou indirecta em contratos ou decisões sobre os diferentes contratos.”

Fonte: LIVRO: «Os Privilegiados» de Gustavo Sampaio

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