
Brú na Bóinne («Estendendo-se sobre o Boyne») é uma zona localizada sobre um monte com vista para o rio Boyne, no condado de Meath, na Irlanda. Esta área é composta por vários sítios arqueológicos pré-históricos, entre os quais um cemitério que contém cerca de quarenta jazigos de passagem. Um jazigo de passagem é um túmulo, geralmente datado no período Neolítico (4000 a. C. – 2000 a. C.), onde a câmara funerária é alcançada através de uma passagem baixa. Os locais mais bem conhecidos e impressionantes do complexo de Brú na Bóinne são os jazigos de passagem de Newgrange, Knowth e Dowth, dos quais Newgrange é talvez o melhor.
Um dos maiores monumentos pré-históricos do mundo, o enorme túmulo neolítico de Newgrange (Si An Bhru em irlandês, que significa talvez morada de fadas), foi construído há provavelmente cerca de cinco mil e cem anos, o que faz dele seiscentos anos mais antigo do que a Grande Pirâmide de Gizé, no Egipto, e mil anos mais antigo do que os trilitos de Stonehenge. Tem uma forma quase circular, um diâmetro com cerca de oitenta metros e cobre uma área com mais de quatro mil metros quadrados. O monte onde se encontra o monumento foi construído a partir de camadas de pequenas pedras e turfa e está rodeado por noventa e sete pedras grandes, conhecidas como kerbstones, algumas das quais estão elaboradamente ornamentadas com arte megalítica. Sobre as kerbstones está uma alta parede de quartzo branco. A grande laje que agora está encostada à parede no exterior da passagem foi originalmente utilizada para selar a passagem quando a construção do túmulo foi concluída. A passagem de dezanove metros, que se estende ao longo de um terço do comprimento do monte, está forrada com lajes de pedra rugosas e leva até uma câmara em forma de cruz com um magnífico e íngreme telhado com seis metros apoiado em modilhões. Os recantos da câmara cruciforme estão decorados com espirais e contêm três maciças bacias de pedra, duas esculpidas em calcário e uma em granito, que os arqueólogos pensam ter outrora contido restos humanos cremados.
Só em 1699, quando o monte de Newgrange estava a ser utilizado como fonte de pequenas pedras para a construção de uma estrada próxima, é que o túmulo de Newgrange foi redescoberto. Uma das primeiras pessoas a entrar no túmulo, e que o descreveu como uma caverna, foi um antiquário galês, que também era curador do Museu Ashmolean em Oxford, chamado Edward Lhuyd (1660–1709). Ele fez o primeiro estudo de Newgrange, que consistia em desenhos e descrições que foram publicados em 1726 por Thomas Molyneux. Em 1909, George Coffey, curador das Antiguidades Irlandesas no Museu Nacional em Dublin, catalogou vários túmulos megalíticos incluindo Newgrange, que publicou em 1912 como «New Grange e Outros Túmulos da Irlanda». Contudo, foi apenas em 1962 que tiveram início as primeiras grandes escavações no local, sob a supervisão do Prof. Michael J. O’Kelly do Departamento de Arqueologia da Universidade de Cork. Durante um programa de escavação que durou entre 1962 e 1975, o enorme túmulo foi sujeito a extensas obras de restauro, entre as quais a reconstrução da fachada, supostamente original, de quartzo branco a partir de pedras encontradas no local. Este restauro foi alvo de críticas e foi considerado como uma interpretação que uma pessoa do Século XX fez do que pensava ter sido o aspecto do edifício em cerca de 3200 a. C.
Calcula-se que o túmulo de Newgrange contenha cerca de duzentas mil toneladas de material e trezentos trabalhadores teriam demorado no mínimo entre vinte e trinta anos a construí-lo. Foram utilizadas pedras arredondadas do rio Boyne, mas as pedras brancas de quartzo usadas na fachada são provenientes das montanhas Wicklow, a oitenta quilómetros de distância, e foram trazidas provavelmente de barco pelo rio Boyne. As grandes lajes de pedra, que fazem parte das paredes e do tecto da passagem, foram provavelmente transportadas sobre troncos a partir de uma pedreira a catorze quilómetros de distância. Este grande investimento em tempo e trabalho é indicador de um povo socialmente avançado e bem organizado, bem como uma Sociedade de soberbos artesãos.
Os túmulos de Newgrange, Knowth e Dowth são justamente famosos devido à sua riqueza em arte megalítica (4500 a. C. – 1500 a. C.). De facto, só Knowth contém um quarto de toda a arte megalítica conhecida na Europa. Em Newgrange, várias das pedras no interior do monumento estão decoradas com padrões em espiral e marcas circulares, bem como algumas das kerbstones. Muitas destas pedras estão esculpidas no lado que está escondido, como se para evitar que alguém as visse. Mas a mais espectacular peça de arte megalítica encontra-se na soberba laje à entrada do túmulo. Esta pedra inclinada está profusamente decorada com motivos em losango e um dos poucos exemplos conhecidos de uma tripla espiral, estando os outros dois no interior do monumento. Tais motivos podem encontrar-se em pedras de outros túmulos na ilha de Man e na ilha de Anglesey, no Norte de Gales. Apesar de estes motivos serem utilizados posteriormente na arte céltica, não sabemos o que representam, podendo talvez ser registos de observações astronómicas e cosmológicas.
À volta do monte de Newgrange encontra-se um anel de doze pedras erectas que têm até dois metros e meio de altura. Originalmente teriam existido cerca de trinta e cinco destas pedras, mas foram removidas ou destruídas ao longo do tempo. Representando a fase final de construção do sítio, o círculo foi erigido por volta de 2000 a. C., muito depois de o grande túmulo ter deixado de ser utilizado, apesar de a sua presença demonstrar que essa área detinha alguma importância para a população local, talvez com ligações à astronomia ou ao culto dos antepassados.
Newgrange é talvez o mais famoso devido a um fenómeno espectacular que ocorre no local todos os anos, durante alguns dias, por volta de 21 ou 22 de Dezembro. A entrada para o túmulo de Newgrange consiste num umbral composto por duas pedras erectas e um lintel horizontal. Acima do umbral encontra-se uma abertura conhecida como caixa do telhado ou caixa de luz. Todos os anos, pouco depois das nove horas (na manhã do solstício de Inverno, o dia mais curto do ano) o Sol inicia a sua ascensão para lá do vale do Boyne sobre um monte conhecido localmente como montanha Vermelha (provavelmente devido à cor do nascer do Sol neste dia). O Sol acabado de nascer envia então um raio de luz através da abertura do túmulo, que penetra a passagem e ilumina a câmara central na parte posterior. Depois de dezassete minutos o raio de luz esmorece e a câmara cai de novo na penumbra.
Este evento espectacular só foi redescoberto em 1967 pelo Prof. Michael J. O’Kelly, apesar de ser anteriormente referido no folclore local. Newgrange é um dos apenas três lugares que se conhecem com tais caixas de luz, sendo as outras duas Cairn G, no cemitério megalítico de Carrowkeel, no condado de Sligo, na Irlanda, e o túmulo em Bryn Celli Ddu em Anglesey, no Norte de Gales. Pode haver um possível quarto, num túmulo com câmaras em Crantit, na ilha de Orkney, na Escócia, descoberto em 1998 mas ainda não confirmado. No entanto, Newgrange é de longe o mais complexo e mais bem construído destes sítios e revela de uma maneira espectacular o conhecimento altamente desenvolvido que os habitantes neolíticos da região possuíam de topografia e de Astronomia. Também demonstra que, para um povo que alinha o seu monumento com o solstício de Inverno, o Sol deveria ter constituído uma parte importante das suas crenças religiosas.
Um aspecto importante do monumento de Newgrange – e que tem sido muito disputado – é a sua função principal. As escavações no interior das câmaras revelaram relativamente poucos achados arqueológicos, provavelmente porque a maior parte já tinha sido removida durante os séculos em que o monumento permaneceu aberto (de 1699 até ser examinado por O’Kelly, em 1962). Entre os achados estavam dois corpos enterrados e pelo menos três corpos cremados, que foram encontrados perto das enormes bacias de pedra que parecem ter sido usadas para receber os ossos dos mortos. Tendo em conta a remoção de muito do material e o facto de que todos os ossos humanos recuperados serem pequenos fragmentos, dificultando a identificação clara de enterros individuais, deve ter havido muito mais do que apenas cinco pessoas originalmente sepultadas nas câmaras. Os achados arqueológicos no interior do monumento não foram espectaculares, apesar de terem sido encontrados alguns objectos de ouro, entre os quais dois colares, uma corrente e dois anéis. Outros achados incluem uma grande pedra fálica, alguns pendentes e contas, um cinzel de osso e vários alfinetes de ouro. A falta de achados de cerâmica em Newgrange é típica em túmulos como este, que parecem ter sido locais reservados para certos tipos de actividades e um número extremamente limitado de pessoas. Contudo, nem todos concordam que Newgrange tenha alguma vez funcionado como um túmulo. No seu livro de 2004, «Newgrange -Temple to Life», o autor sul-africano Chris O’Callaghan argumenta contra a ideia de que Newgrange fosse um túmulo. Ele afirma que não existem provas de enterros humanos intencionais em Newgrange e acredita que os fragmentos de osso encontrados nas escavações foram para lá levados por animais, muito depois de o monumento ter deixado de ser utilizado. A teoria de O’Callaghan é que o monumento foi construído para celebrar a união do Deus-Sol com a Mãe-Terra, um símbolo da própria força da vida. A caixa de luz, ou janela solar, teria permitido ao Deus-Sol penetrar a passagem do monte (que representa a Mãe-Terra) e alcançar as profundezas da câmara (que simboliza o útero). Esta teoria é suportada em parte pelo alinhamento do local com o solstício de Inverno e talvez pelo pilar fálico e bolas de giz encontrados na câmara, que representavam possivelmente os órgãos sexuais masculinos. Contudo, Newgrange não precisa de ser limitado a uma função. E, como foi já apontado, a pequena quantidade de ossos humanos descoberta no local não parece ser representativa do total de enterros neolíticos decorridos nas suas câmaras, pois grandes quantidades devem ter sido de lá retiradas, provavelmente por animais ou por pessoas em busca de relíquias. Newgrange tem muitas ligações com a mitologia irlandesa e foi conhecido como um sidhe, ou monte das fadas, mesmo no Século XX. Várias personagens ilustres da mitologia irlandesa são relacionadas com o monumento, entre as quais os Tuatha Dé Danann, os antigos governantes mitológicos da Irlanda, AengusOg, o seu dono tradicional, e o herói Cúchulainn. Foram avançadas várias interpretações mitológicas de Newgrange. Numa delas o monumento funcionava como uma casa dos mortos, sendo a passagem e as câmaras mantidas secas para o conforto dos espíritos que o habitavam, e a caixa do telhado era aberta e fechada para deixar os espíritos entrar e sair das suas sepulturas. Também se pensou tratar-se da residência do grande deus Dagda, e em épocas específicas do ano eram feitas oferendas valiosas a esses deuses. Existem provas arqueológicas de oferendas em Newgrange muito depois de ter deixado de funcionar como túmulo e observatório. Vários objectos romanos, como moedas de ouro, pendentes e broches – alguns como novos – foram encontrados no monumento. Tendo em consideração que os Romanos nunca invadiram a Irlanda, muitas destas oferendas devem ter sido feitas por visitantes romanos ou britânico-romanos vindos da Grã-Bretanha, talvez fossem antigos peregrinos venerando um monumento religioso que já tinha três mil anos.
Em 1993, devido à sua vasta importância histórica e cultural, Newgrange e os túmulos próximos de Knowth e Dowth foram declarados Património Mundial pela UNESCO. Newgrange atrai agora mais de duzentos mil visitantes por ano e todos fazem visitas guiadas ao Centro de Visitantes de Brú na Bóinne, visto que já não há acesso directo ao sítio. Qualquer pessoa que deseje fazer uma visita por volta de 21 de Dezembro para testemunhar o magnífico solstício de Inverno pode ter de esperar muito tempo. Em 2005 houve cerca de vinte e sete mil candidatos para entrarem no túmulo nessa época do ano. Assim, a admissão na câmara funerária de Newgrange é feita por sorteio para os que pretendem presenciar o solstício de Inverno. Para esse fim é necessário preencher um formulário de candidatura, disponível na recepção do Centro de Visitantes de Brú na Bóinne, e no início de Outubro são sorteados cinquenta nomes, dez por cada manhã em que o túmulo é iluminado. São então atribuídos dois lugares a cada um dos afortunados cujos nomes foram premiados. Só podemos imaginar como é que os povos do Neolítico escolhiam os espectadores do solstício de Inverno neste sítio magnífico.