“Lápis Azul” tornou-se o símbolo da censura no Estado Novo. Os censores do Estado Novo, utilizavam um lápis de cor azul em qualquer texto, imagem ou desenho a publicar na imprensa, definindo o que eram notícias verdadeiras e notícias falsas. [1]
No dia 8 de Maio de 2021, foi promulgada pelo presidente da República a “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” [2] que estabelece um novo direito de “protecção contra a desinformação”. O que isto significa, na verdade é que institucionaliza e legaliza a censura – através de uma Entidade Reguladora e não de tribunais -, de pessoas singulares ou colectivas que “produzam, reproduzam ou difundam” narrativas consideradas pelo Estado como “desinformação”. Juntamente com esta medida, o Estado irá “apoiar a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social” e “incentivar a atribuição de selos de qualidade” à imprensa considerada “fidedigna”.
O artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital” [3] vem no seguimento do Plano Europeu de Acção contra a Desinformação, e introduz na lei portuguesa uma definição oficial de “desinformação” (que não existia anteriormente):
“Considera-se desinformação toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada, apresentada e divulgada para obter vantagens económicas ou para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, aos processos de elaboração de políticas públicas e a bens públicos.”, ponto 2 do artigo 6º da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital“. [2]
Lendo-se nas entrelinhas, será o Estado (aquele que é o maior disseminador de notícias falsas), através dos seus meios de comunicação ideológicos (vulgo, Comunicação Social), a ditar o que é verdade e o que é mentira.
A Carta tem sido alvo de inúmeras críticas, mas também é motivo de exultação para alguns.
A maioria dos Órgãos de Comunicação Social, sobretudo devido às grandes alterações estruturais que se verificam no acesso à informação, tem sofrido duros revezes financeiros. O canal televisivo português SIC, por exemplo, encontra-se em falência técnica. [5]
A posição de fragilidade da Comunicação Social, deixa-a vulnerável às ingerências do Estado, que “adquiriu” publicidade por 15 milhões de euros em 2020. [6] O que é certo é que, por influência directa ou não, a Comunicação Social tornou-se dócil, abdicando do seu dever de inquiridor imparcial de factos.
Através da acção de Fact–Checkers (em Portugal o Polígrafo e o Observador), temos tido um pequeno exemplo do que nos espera: um regime que impõe e estabelece o que é verdade, conforme lhe é conveniente, silenciando e punindo o contraditório.
A actividade de Fact–Checking, pelo menos no formato com que tem sido desenvolvido e ainda menos como se promulgou que será, não tem lugar numa sociedade democrática e de direito, da mesma forma que não pode haver controlo da imprensa por parte do Estado.
Temos vindo a observar sucessivos exemplos de como já não vivemos plenamente num Estado de Direito.
No passado dia 5 de Junho, a RTP, no primeiro episódio do “Programa Cautelar“, fez propaganda pela nova “Lei da Censura” com a ajuda do deputado socialista José Magalhães, o músico Carlão e o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. [4]
Filomena Cautela aparece ajoelhada aos pés de Marcelo Rebelo de Sousa, e aconchegada no regaço de José Magalhães.
Simbolicamente, é-nos dito tudo o que precisamos de saber: a imprensa a subjugar-se aos pés do Poder Político.
Outro símbolo é manifestado explicitamente através do posicionamento da apresentadora (que representa o povo), numa postura infantil, a buscar o consolo e a proteção das figuras representativas do Estado.
O conteúdo da peça está preenchido por aquilo que abjectamente tem sido servido ao povo português: o treino (e não educação, de “educare“, que significa “trazer para fora o que já existe em si”) da obediência e conformidade.
José Magalhães, deputado do Partido Socialista (PS) e criador da “Carta de Direitos Humanos na Era Digital“, afirmou no passado dia 1 de Junho de 2021 ao jornal Expresso o seguinte: “Não somos um bando de fascistas. Só queremos estimular os cidadãos a não engolir petas”. Geralmente, quando o foco da comunicação reside no esforço em negar algo, é precisamente isso que se é (e logo os políticos, esses indivíduos cuja volição nunca é a busca de mais poder, “nunca” proferindo quaisquer “petas” para o obter). [7]
O programa foi ofensivo e infantilizador. Tratou os portugueses como seres obtusos, desprovidos de capacidade de pensar e que, como tal, necessitam de alguém que o faça por eles. É a ideia de um Estado Paternalista, como qualquer Estado ditatorial ao longo da história.
Haja alguém que ainda não esteja preocupado com o que se está a desenvolver?
Criaram-se condições para o advento de um novo Lápis Azul.
Há quem diga que a história é cíclica…
Fonte:
[3] «Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital», Diário da República. 17 de Maio de 2021
[4] «Programa Cautelar», RTP.pt. 12 de Junho de 2021
[5] «Grupo Impresa em falência técnica», Sol.sapo.pt. 29 de Maio de 2021