O Estado e a Política Atlantes

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Governantes da Atlântida
Governantes da Atlântida

No relato de Platão temos uma descrição muito completa do tipo de governo que vigorava na Atlântida. É-nos dito, em primeiro lugar, que cada um dos doze reis da Atlântida era soberano absoluto na sua própria ilha, mas, no que dizia respeito ao governo, estavam quase totalmente limitados à mera execução dos regulamentos dos antigos governantes atlantes, gravadas na coluna de oricalco do templo de Poseidon. Isto faz lembrar as leis dos Medos e Persas, que, como podemos recordar do «Livro dos Reis», eram imutáveis e invariavelmente fixas, mas não é de todo invulgar descobrir que, numa fase inicial da Sociedade, as instituições legais de um povo são consideradas inalteráveis, e naturalmente que isto indica que, uma vez que se entendia que tinham vindo dos deuses, era considerado ímpio alterá-las.

Qualquer coisa que se pareça com uma condição fixa da lei torna impossível a um estado avançar de modo significativo, Politica ou economicamente, e devia ser este o caso na Atlântida. Mas parece provável que, com o decorrer do tempo, dificilmente se conseguiria manter uma uniformidade entre as doze ilhas-províncias e o continente principal. Sem dúvida que estariam suficientemente perto para que fosse improvável uma diferença notável, mas parece possível que uma das razões para os reis se reunirem de seis em seis anos no templo de Poseidon fosse refrescar as suas memórias do código inscrito no pilar de oricalco.

Poseidon
Poseidon

No entanto, a razão principal para esta conferência devia ser a consideração dos assuntos gerais do Império Atlante, e o facto de ocorrer apenas a intervalos tão longos mostra conclusivamente que a distância entre as várias ilhas de que era composto o núcleo do império não podia ser muito grande. Embora, por outro lado, se possa argumentar que este longo intervalo entre as conferências pressupunha uma distância bastante considerável entre os vários grupos do arquipélago.

Observamos também, a partir do relato de Platão, que o governo da Atlântida estava intimamente ligado à sua Religião, que devia ser de carácter sacerdotal, e que os reis agiam também como padres ou hierofantes. No entanto, o seu parlamento era praticamente o templo de Poseidon e, uma vez que as leis lhes tinham sido entregues já prontas, encontravam-se na feliz posição de não precisarem de as debater nas ocasiões em que se reuniam. A sua constituição parece, num aspecto em particular, ter inspirado a dos Estados Unidos da América, pois sabemos que os vários estados não podiam pegar em armas uns contra os outros.

A liderança militar, tal como a primazia sacerdotal, estava investida nos filhos de Atlas. O governo do país parece ter sido de base feudal e, na verdade, é de assinalar que foi precisamente nos países primeiro colonizados pela Atlântida que, mais tarde, nasceu a ideia de governo feudal. O país estava dividido em cantões ou províncias, cada um com cerca de trinta quilómetros quadrados, e cada um provido de um contingente armado. A parte agrícola da terra fornecia, no total, cerca de sessenta mil soldados, mas o terreno montanhoso do interior, segundo nos é dito, fornecia uma quantidade inumerável de guerreiros. Como já vimos, a proporção de guerreiros que cada cantão tinha de fornecer incluía condutores de carruagens, soldados de cavalaria, de infantaria, arqueiros, lançadores de pedras e marinheiros, e menciona-se especificamente que esta mobilização era conseguida apenas na ilha central, uma vez que as outras partes do império tinham uma Economia militar separada.

Guerreiros atlantes
Guerreiros atlantes

A administração destas hostes parece, pelas evidências que temos ao nosso dispor, não ter sido isenta de ansiedade para os governantes da Atlântida, especialmente quando começou a manifestar-se o período de agitação. O leitor recordará a passagem das Tríades Galesas que refere quase indubitavelmente uma memória de rebelião na Atlântida. “Não resgatarei as multidões com escudos. Eles não sabem em que dia o golpe será dado […] não conhecem o boi malhado com a grossa fita.” Isto, como dissemos, é obviamente o lamento de um líder fortemente ofendido com a atitude irreligiosa dos soldados plebeus em relação ao boi ou touro sagrado. Parece referir-se ao período da história atlante em que o povo se terá cansado de dar ouvidos ao clero, e estava possivelmente a manifestar a sua impaciência perante um ritual opressivo e um serviço militar igualmente opressivo. É possível que, nesta altura, a casta governante da Atlântida, como as castas governantes têm feito noutros lados, procurasse afastar a atenção do povo dos problemas internos propondo-lhes um grande esquema de conquista no exterior, uma campanha através da qual poderiam conquistar a região europeia adjacente e adquirir propriedades até para os mais humildes.

Não há dúvida de que os atlantes também eram ameaçados pelas comunidades vizinhas. As amazonas, por exemplo, podem ter sido uma tribo numerosa, não de mulheres, mas sim de um povo sob o domínio de uma líder do sexo feminino ou que utilizasse também mulheres como soldados. Diodoro deixou registado que teriam atacado as comunidades atlantes com um grande exército, chegando mesmo a subjugá-las, e que as górgonas, outro povo vizinho, oprimiu os atlantes de modo semelhante. Indubitavelmente por estarem rodeados de inimigos bárbaros, os atlantes viam-se forçados a estar num constante estado de vigilância armada, e isto, mais do que qualquer outra coisa, contribuiria para a agitação popular e para a desintegração do Estado.

O que lemos em Platão e noutros autores relativamente ao Estado e à Política da Atlântida tem pouco ou nenhum reflexo em qualquer forma de governo mediterrânico, conforme nos são descritos pelos escritores clássicos da antiguidade. Temos de recordar que o nosso conhecimento clássico das coisas atlantes é retirado de uma fonte egípcia e, no relato do sacerdote de Saís, conforme nos é transmitido por Platão, não se pode dizer que encontremos muito que possa levar-nos a pensar que ele foi moldado por ideias egípcias. É verdade que as várias províncias da Atlântida podem reflectir os nomes do Antigo Egipto, e a economia militar da Atlântida ostenta sem dúvida uma ligeira semelhança com a do país do Nilo, mas, por outro lado, o faraó era supremo no Egipto e uma conferência de reis como a mencionada no relato de Platão nunca teria sido possível num Estado cujo monarca era considerado uma divindade, e cujos governadores provinciais, embora investidos de um elevado grau de poder, nunca teriam a presunção de se colocar numa posição sequer remotamente equiparável à do monarca reinante. E isto, segundo me parece, é talvez uma das mais fortes justificações da realidade do relato atlante, da sua probabilidade básica, o facto de encontrarmos nele condições que não vigoravam de modo algum em nenhum dos Estados contemporâneos de Platão, africanos, asiáticos ou europeus, à excepção talvez de algumas semelhanças menores.

Encontramos, contudo, nos países onde o poder atlante instalou as suas primeiras bases, um estado de coisas muito mais semelhante ao reflectido pelo relato de Platão. Na Grã-Bretanha e na Irlanda da antiguidade, por exemplo, encontramos um governo como aquele sobre o qual podemos ler no registo platónico. Em ambas as ilhas britânicas e na Gália, se nos basearmos nos mais antigos registos históricos, encontramos a grande maioria dos habitantes sob o governo severo de uma aristocracia que os encarava praticamente como escravos, vemos o país dividido em cantões semelhantes, governados por reis mesquinhos, e um sistema de serviço militar no qual os soldados de infantaria, condutores e fundeiros eram recrutados precisamente da mesma forma que na Atlântida. Sabemos também que as leis destes povos eram consideradas de procedência divina, que eram inalteráveis e que todas as considerações de Estado eram ditadas pelo clero através de métodos divinatórios. César, no seu sexto livro, diz: “Há apenas dois graus de homens na Gália que detêm algum poder na administração das questões públicas — os druidas e a nobreza —, pois os comuns não são considerados mais do que servos e nunca são admitidos nos seus debates.” Os druidas, continua ele, têm a seu cargo todas as coisas divinas, os sacrifícios públicos e privados, mediante a interpretação da sua Religião. O modo como os druidas se reuniam faz também recordar a conferência realizada no templo de Poseidon, pois, uma vez por ano, havia um encontro geral num local consagrado no meio da Gália, onde todos os que tinham controvérsias para decidir acorriam para se submeter ao seu julgamento. Um estado de coisas semelhante vigorava em Espanha. Na verdade, toda a área entre a Península Ibérica e Orkney foi, no seu período histórico mais antigo, governada por um sistema tão semelhante ao reflectido no relato de Platão que se poderia considerar um seu modelo. As repúblicas livres da Grécia, por outro lado, não reflectem de modo algum este estado de coisas, e, se o Egipto o faz, em certa medida, será provavelmente porque também assimilou muito da cultura atlante.

Fonte: LIVRO: «A História da Atlântida» de Lewis Spence

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