O falso incidente do Golfo de Tonkin: como se fabricou a Guerra do Vietname

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Incidente do Golfo de Tonkin
Incidente do Golfo de Tonkin

O chamado “Incidente do Golfo de Tonkin” foi o pretexto no qual se baseou o governo de Lyndon B. Johnson para atacar o Vietname, numa guerra não declarada que se arrastou durante mais de uma década, matando mais de 2 milhões de vietnamitas, 50 mil americanos, centenas de milhares de cambojanos e laocianos e provocando, de forma deliberada, a destruição e contaminação química de milhões de hectares de bosque virgem e campo de cultivo. As consequências de tal desastre ainda são palpáveis actualmente, de várias formas.

Mar da China. Agosto de 1964. O destroyerMaddox“, um navio de vigilância electrónica localiza-se perto das águas territoriais do Vietname do Norte. Naquele dia, 4 de Agosto, a Casa Branca e o Pentágono divulgam o anúncio do incidente na imprensa. Torpedeiros norte-vietnamitas atacaram o destroyer Maddox sem aviso, que responde aos ataques, no entanto, sem sucesso.

Conscientes do «Efeito Pearl Harbor», o suposto ataque sem aviso prévio, desencadeou a clássica onda de propaganda prévia que o governo precisava para preparar o caminho para o público, com o objectivo de desembarcar os primeiros Marines no Vietname, nas semanas posteriores. Em 7 de Agosto, o Congresso dos EUA aprovou a “Resolução do Golfo de Tonkin“, autorizando o presidente a “tomar todas as medidas necessárias para evitar novas agressões. Utilizou-se novamente um falso pretexto de agressão para justificar uma guerra.

O The New York Times foi muito claro. Um dos títulos da sua primeira edição sobre o tema afirmava: “O presidente Lyndon Johnson mandou navios de guerra contra-atacar certas infraestruturas no Vietname do Norte, devido a novos ataques contra navios norte-americanos no Golfo de Tonkin“.

Anos após o evento, um piloto reformado da Força Aérea afirmou: “Pude ver tudo muito claramente e a verdade é que os nossos navios só dispararam para o ar, para navios fantasmas. Era tudo o que havia: água negra e fogo americano.” [1]

Gene Poteat era um analista da CIA, que foi designado para investigar os relatórios de radar obtidos a partir dos dias dos supostos ataques. Segundo Poteat, o material analisado não permite chegar a uma conclusão sobre a autoria dos supostos ataques ou se estes realmente ocorreram. Em Abril de 1999, o jornal inglês The Guardian declara que obteve relatórios de radar daqueles dias de 1964 através de contactos privados.

“Vários meses mais tarde, fontes não oficiais ajudaram-me a obter a informação meteorológica e de radar sobre o que viram realmente os operadores de radar naquela noite. Percebi que, talvez não tenha havido qualquer torpedeiro, simplesmente porque o tempo estava atroz. Quanto aos sinais registados pelo radar, percebi que não haviam navios em formação, o que seria de esperar se estivessem a lançar um ataque naquela zona. A conclusão a que cheguei era que, de modo algum seria possível os destroyers constituírem um alvo. Além disso, os ecos de sonar são inválidos neste tipo de condições meteorológicas.” [2]

Entre o material obtido por Poteat, havia um telegrama enviado pelo comandante do Maddox em 4 de Agosto, no qual se punha seriamente em causa o lançamento de torpedos: “É possível que em muitos dos relatórios se tenha considerado os efeitos anormais das condições meteorológicas sobre o radar e o excesso de zelo dos encarregados do sonar, incapazes de uma observação visual do Maddox. Sugere-se uma avaliação minuciosa antes de empreender qualquer acção.” [3]

Golfo de Tonkin
“Maddox”

Para Poteat, não há duvidas que existia um plano pré-determinado, uma história preparada: “É bastante óbvio que o presidente e McNamara já tinham decidido o que iriam fazer. Queriam ir para a guerra. Fiquei chocado quando li o jornal no dia seguinte e pude ficar a saber que os ataques aéreos já tinham começado. Na minha opinião, não há mal nenhum em confirmarem-se os dados antes de agir. Teria sido fácil determinar, de forma segura, se se tinha tratado realmente de um ataque, e podia-se tê-lo feito com alguma celeridade.” [4]

Um dos oficiais de comunicação do destroyer Maddox, John Bayley, também expressou dúvidas sobre o incidente. Não acreditava que tivessem estado sob fogo vietnamita: “Vi os diários de bordo, que afirmavam que estiveram 43 torpedos na água. Mas não vi qualquer prova de um ataque.” [5]

Mais recentemente, em Abril de 1999, a Biblioteca LBJ (Lyndon B. Johnson) tornou públicas as transcrições telefónicas entre Lyndon Johnson e o Secretário de Defesa Robert McNamara, que veio deixar bem claro que Johnson e o seu governo enganaram o Congresso, ocultando as operações secretas que foram realizadas com a intenção de provocar um ataque que nunca chegou a acontecer, mas que invariavelmente levou à guerra, uma guerra que tinha sido decidida há muito tempo.

E o que dizer do discurso de Albert Gore (ex-vice-presidente dos EUA), em 16 de Janeiro de 2006, na reunião da American Constitution Society e da Liberty Coalition? No discurso, Gore chamou à atenção para o clima de medo e mentiras que a administração Bush semeava, dizendo: “Por exemplo, chegou ao meu conhecimento recentemente, através de Documentos recentemente tornados públicos, depois de quase 40 anos, que a resolução do Golfo de Tonkin, que autorizou a trágica Guerra do Vietname, foi de facto, baseada em informações falsas.” [6]

Gore fez alusão a um relatório secreto da Agência de Segurança Nacional (NSA, segundo a sigla em inglês), que foi tornado público e que concluía: “Naquela noite, não houve qualquer ataque.” [7]

Para o Vietname, não houve Tribunal de Nuremberga e quiçá Jimmy Carter, o grande defensor dos direitos humanos, tivesse razão quando disse “Bem, a destruição foi mútua”. [8]

Após o colapso da União Soviética, Robert McNamara admitiu numa entrevista que toda a operação do Golfo de Tonkin foi encenada, tendo em vista obter o tão desejado pretexto para a invasão do Vietname. McNamara reconhece que a sua “… impressão de terem sido atacados naquele dia estava errada. O ataque nunca ocorreu.” [9]

NOTAS:

[1, 2, 3, 4, 5] «Golfo de Tonkin: o ataque que nunca ocorreu. Foi utilizado um misterioso incidente para que os EUA pudessem entrar em guerra com o Vietname». Peter Lennon. The Guardian.

[6] «Albert Gore denuncia o totalitarismo el totalitarismo que se cierne sobre Estados Unidos».

[7] NSA: «Não ocorreu nenhum ataque» [no Golfo de Tonkin]». (10 de Janeiro de 2008Boletim Democracy Now!

[8] Jimmy Carter, em 1977, presionado pelos jornalistas sobre se os EUA tinham alguma obrigação moral de ajudar a reconstruir o Vietname. William Blum. O Estado agressor.

[9] Documentário «The New American Century» [«O Novo Século Americano»] (2007) – Cronologia oficial dos acontecimentos do Golfo de Tonkin, material tornado público pela NSA em Maio de 2005.

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