O Labirinto de Knossos e o mito do Minotauro

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Ccidade de Knossos, a cidade mais antiga da Europa
Ccidade de Knossos, a cidade mais antiga da Europa

A estação arqueológica de Knossos situa-se num monte cinco quilómetros a sudeste da cidade de Heraklion, a capital moderna da ilha de Creta, no mar Egeu. Knossos foi construída na Idade do Bronze pela civilização minóica, cujo nome vem do lendário rei Minos, de Creta. A cultura minóica existiu na ilha durante cerca de mil e quinhentos anos, de 2600 a 1100 a. C., e teve o seu apogeu entre os Séculos XVIII e XVI a. C. A principal característica da extraordinária estação de Knossos é o Grande Palácio, um enorme complexo de aposentos, salões e pátios cobrindo aproximadamente dezanove mil metros quadrados. O Palácio de Knossos está intimamente associado na mitologia grega com Teseu, Ariadne e o temível Minotauro. De facto, a lenda do labirinto construído por Dédalo para esconder a terrível besta foi entendida por alguns como tendo origem no complexo esquema do próprio palácio. Existem até pistas obscuras nos achados arqueológicos em Knossos (e noutros pontos de Creta) que apontam para a prática de sacrifícios humanos, como é sugerido pelo mito em que Atenas enviava catorze raparigas e rapazes, de sete em sete anos, para serem devorados pelo Minotauro.

O local de Knossos foi descoberto em 1878 pelo comerciante e antiquário cretense Minos Kalokairinos, que escavou algumas secções da ala ocidental do palácio. Contudo, a escavação sistemática no local só começou em 1900, com Sir Arthur Evans, director do Ashmolean Museum de Oxford, que adquiriu toda a área e aí continuou as suas investigações até 1931. O trabalho de Evans e da sua equipa em Knossos revelou (entre outras coisas) o palácio principal, uma grande área da cidade minóica e vários cemitérios. Evans levou a cabo um grande trabalho de restauro no Palácio de Minos, como ele lhe chamava, muito do qual foi controverso, dizendo alguns arqueólogos que o palácio deve a sua presente forma tanto à imaginação e preconceitos de Evans como aos próprios minóicos. Desde o tempo de Evans, foram efectuadas mais escavações em Knossos pela Escola Britânica de Arqueologia em Atenas e pelo Serviço Arqueológico do Ministério da Cultura helénico. A montanha onde Knossos se situa tem uma história muito longa de ocupação humana. Já era habitada nos tempos neolíticos (7000 a.C.3000 a.C.) e continuou a sê-lo até ao período romano. O nome Knossos deriva da palavra em linear B, que designava a cidade: ko-no-so. O linear B é o exemplo mais antigo da língua grega e foi utilizado em Creta e na Grécia continental entre os Séculos XIV e XIII a. C. Foram encontrados exemplos de escrita linear B em Knossos sob a forma de placas de barro, que eram usadas pelos escribas do palácio para registarem pormenores do funcionamento e administração das suas principais indústrias, tais como a produção de óleo perfumado, vasos de ouro e bronze, quadrigas e têxteis, bem como a distribuição de bens como lã, ovelhas e cereais. Também foram encontradas por Evans, em Knossos, placas de barro com inscrições em linear A cretense, mais antigo e ainda por decifrar.

Knossos
Ruínas de Knossos

O primeiro palácio minóico foi construído em Knossos por volta de 2000 a. C. e durou até 1700 a. C., quando foi destruído por um grande terramoto que assim terminou com o que é referido pelos arqueólogos como o Período do Velho Palácio. Um novo e mais complexo edifício foi erigido sobre as ruínas do velho, tendo sido esta estrutura a precursora da era dourada da cultura minóica, ou o Período do Palácio Novo. Este Grande Palácio, ou Palácio de Minos, foi o corolário da cultura minóica e o centro da mais poderosa cidade-estado em Creta. O complexo de vários andares construído em pedra e madeira funcionava como um centro administrativo e religioso, tendo talvez cerca de mil e quatrocentos quartos. A planta do Palácio de Knossos era semelhante à de outros palácios deste período em Creta, tal como o de Festos, n0 Sul da ilha, mas Knossos parece ter sido a capital. Os palácios minóicos consistiam geralmente em quatro alas distribuídas à volta de um pátio central rectangular, que funcionava como o coração de todo o complexo. Cada secção do Palácio de Knossos tinha uma função diferente: a parte ocidental continha os santuários, conjuntos de aposentos cerimoniais e estreitas salas de armazenamento, que se encontravam cheias de enormes recipientes conhecidos como pithoi. O elaboradamente decorado complexo da Sala do Trono foi também descoberto nesta secção e tinha um assento de pedra embutido na parede, em frente a uma fila de bancos. Este assento foi interpretado por Arthur Evans como sendo um trono real e o nome ficou. No extremo ocidental do complexo estava o grande Pátio Ocidental, que era o caminho formal para o palácio.

A ala oriental da estrutura teve outrora quatro níveis, três dos quais ainda existem. Nesta parte do complexo estão localizados o que se pensa serem os aposentos residenciais da elite governante minóica, oficinas, um santuário e um dos feitos mais impressionantes da arquitectura minóica, a Grande Escadaria. Outras partes do palácio incluem grandes apartamentos com água corrente em canos de barro e talvez o primeiro exemplo de sanitas com descarga.

Algumas das descobertas mais extraordinárias em Knossos foram os frescos de cores vivas, que adornavam as paredes de estuque, e algumas vezes mesmo os soalhos e os tectos. Estes murais mostram príncipes, cortesãs, peixes, flores e jogos estranhos em que jovens saltam sobre touros em investida. Quando foram encontradas estas pinturas estavam fragmentadas, faltando-lhes partes importantes que foram posteriormente reconstruídas e substituídas por Evans e pelo artista Piet de Jong. Consequentemente, tem havido muita controvérsia sobre o rigor das reconstruções, apesar de não haver dúvidas de que muitos dos frescos têm uma natureza religiosa ou ritual.

Knossos
Palácio de Knossos

Entre 1700 a. C. e 1450 a. C., a civilização minóica estava no seu auge e a cidade de Knossos, juntamente com a povoação que a rodeava, contava com uma população que se pensa ter atingido cem mil habitantes. Durante este período os centros minóicos sobreviveram a dois grandes terramotos, o mais sério dos quais terá provavelmente ocorrido em meados do Século XVII a. C. (apesar de alguns investigadores o datarem perto de 1450 a. C.) e foi causado por uma colossal erupção vulcânica na ilha de Tera (a actual Santorini), a cem quilómetros de Creta. Esta erupção libertou mais energia do que a bomba atómica de Hiroxima e partiu a ilha de Tera em três partes. Finalmente, em meados do Século XV a. C., devido a uma combinação dos efeitos cumulativos dos terramotos, invasões periódicas da Grécia continental e o colapso das suas redes comerciais, a civilização minóica entrou em declínio.

Talvez por ter uma configuração tão complexa – assemelhando-se a um labirinto -, pensa-se que o Palácio de Minos foi a origem do mito de Teseu e do Minotauro. A parte principal do mito começa quando Teseu se encontra em Atenas e ouve falar de uma dívida de sangue reclamada pelo rei Minos de Creta pela morte do seu filho às mãos dos atenienses. O pagamento dessa dívida envolvia o envio de sete rapazes atenienses e de sete raparigas virgens para Creta todos os anos, onde seriam oferecidos ao terrível Minotauro, meio touro, meio homem. Esta besta era mantida num labirinto concebido pelo famoso arquitecto Dédalo. Horrorizado com a situação, Teseu ofereceu-se para fazer parte do sacrifício anual e matar o Minotauro. Quando se preparava para partir para Creta com as outras vítimas num barco de velas pretas, o seu pai, o rei Egeu, fez com que Teseu prometesse que, se conseguisse matar o Minotauro, no regresso trocaria as velas pretas por velas brancas, indicando assim que estava vivo e bem. Quando o grupo chegou a Knossos, Ariadne, a filha do rei Minos, apaixonou-se imediatamente por Teseu e concordou em ajudá-lo a matar o Minotauro. Ariadne dá a Teseu um fio de seda que o herói usa para encontrar a saída do labirinto depois de ter matado o monstro. Subsequentemente o casal navega para Atenas, mas durante o caminho Teseu abandona Ariadne na ilha de Naxos, onde será resgatada pelo deus Dionísio. Infelizmente, ao aproximar-se de Atenas, Teseu esquece-se da promessa que fizera ao seu pai e mantém as velas negras no navio. Pensando que o seu filho havia sido morto, o rei Egeu atira-se de um penhasco e morre.

Existem provas de que a ligação entre Knossos, Teseu e o Minotauro continuou viva muito depois de os minóicos terem desaparecido. Estas surgem-nos principalmente sob a forma de moedas, cujos exemplares incluem uma moeda de prata de Knossos datada entre 500 a. C. e 413 a. C., onde se pode ver numa face um Minotauro a correr e na outra um labirinto. Uma outra moeda mostra a cabeça de Ariadne rodeada pelo labirinto. O Minotauro e o labirinto foram também muito populares durante o período romano e existem muitos mosaicos que ilustram o labirinto de Knossos. Destes, o mais espectacular é talvez o de uma villa romana perto de Salzburgo, no Oeste da Áustria, datado do Século V. Contudo, alguns investigadores não acreditam que o Minotauro tenha origem na arquitectura do Palácio de Knossos. Eles referem que um labirinto pode ter um único caminho até ao centro ou vários. De facto, é tentador ver um labirinto como um símbolo dos mistérios da vida e da morte, um conceito abstracto ligado ao ritual religioso, onde o Minotauro, que aguarda no centro do labirinto, representa algo que está escondido no coração de todos nós.

A história dos catorze jovens levados de Atenas para Knossos como sacrifício ao Minotauro sempre foi tida como um mito. Mas existem provas arqueológicas que podem dar algum apoio a esta lenda horrível. Em 1979, na cave da Casa Norte do complexo de Knossos, os escavadores descobriram trezentos e trinta e sete ossos humanos. As análises feitas a estes ossos demonstraram que pertenciam a pelo menos quatro indivíduos, todos crianças. Um exame mais apurado dos ossos revelou um pormenor macabro: destes ossos, setenta e nove apresentavam indícios de cortes feitos por uma lâmina fina, que o especialista em ossos Louis Binford interpretou como tendo sido feitos para retirar a carne. Excluindo a hipótese de a carne ter sido retirada dos ossos num ritual fúnebre (apenas foram removidos nacos de carne e não a sua totalidade), Peter Warren, o escavador do local, professor de Arqueologia Clássica na Universidade de Bristol, concluiu que as crianças foram provavelmente sacrificadas num ritual e depois comidas.

No santuário de quatro salas em Anemospilia, apenas sete quilómetros a Sul de Knossos (escavado pela primeira vez em 1979 por J. Sakellarikas), foi feita uma outra descoberta que sugere a realização de sacrifícios humanos. Ao investigar a sala ocidental do templo, os arqueólogos encontraram três esqueletos. O primeiro era de um jovem de dezoito anos deitado sobre o seu lado direito num altar no centro da sala, com um punhal de bronze no peito e os pés amarrados. Perto do altar houvera outrora um pilar com um canal que rodeava a sua base, aparentemente com o propósito de canalizar o sangue de um sacrifício. Exames feitos aos ossos do jovem revelaram que a causa provável da sua morte foi a perda de sangue. No canto sudoeste da sala foram encontrados os restos mortais de uma mulher de vinte e oito anos espalhados pelo chão, tendo sido descoberto perto do altar o esqueleto de um homem com cerca de quarenta anos que media um metro e oitenta centímetros de comprimento. As mãos deste homem estavam levantadas, como se a tentar proteger-se, e as suas pernas tinham sido partidas pela queda de pedras. Um outro esqueleto, demasiado danificado para ser identificado, foi também encontrado no edifício. O templo foi destruído por volta de 1600 a. C. num incêndio que deve ter resultado de um terramoto. Três destes indivíduos foram mortos pela queda do telhado e das pedras das paredes superiores, mas parece que o adolescente já estaria morto.

De acordo com os indícios arqueológicos, o sacrifício humano não parece ter sido uma actividade banal na Creta minóica. Os exemplos citados podem ter sido excepções provocadas por uma tentativa desesperada de apaziguar os deuses em tempos conturbados, provavelmente durante um período de violenta actividade sísmica. Um pormenor digno de nota é que, tanto na Casa Norte como no templo de Anemospilia, os sacrificados foram jovens adultos ou crianças, fazendo lembrar os sete rapazes e sete raparigas que foram enviados de Atenas para satisfazer o Minotauro. Talvez as origens da lenda do Labirinto de Knossos fossem parcialmente inspiradas por estas horríveis práticas de sacrifício humano, feitas em tempos instáveis, quando se pensava que a segurança de toda a comunidade poderia estar em risco.

Fonte: Livro «História Oculta» de Brian Haughton

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