A espectacular descoberta de Howard Carter, em 1922, do túmulo quase intacto do menino e faraó Tutankamon, no Vale dos Reis, inspirou um interesse pelo Antigo Egipto que perdura ainda hoje. Com efeito, a fabulosa máscara de ouro de Tutankamon tornou-se na imagem popular da Civilização Egípcia. Mas estes tesouros fascinantes atiraram para a obscuridade a pessoa por trás da máscara de ouro. A vida real do menino-rei do Egipto foi curta e algo misteriosa; a sua ascendência permanece incerta tal como a data da sua ascensão ao trono. Até recentemente, a causa da morte de Tutankamon era completamente desconhecida – teria sido um acidente de caça ou morreu de doença? Ou será que foi assassinado?
Apesar da descoberta de Carter, Tutankamon permanece um mistério. O túmulo estava repleto de riquezas, ao todo mais de dois mil objectos, e a múmia do faraó foi encontrada no interior de três caixões de ouro. Contudo, não foi recuperada qualquer documentação no túmulo, o que dificulta a montagem de uma história precisa sobre a vida de Tutankamon. Acredita-se que os seus pais podem ter sido o herético faraó Akhenaton, da XVIII Dinastia, que governou o Egipto entre 1367 a. C. e 1350 a. C. (ou 1350 e 1334 a. C.) e a sua misteriosa segunda esposa, Kiya. Akhenaton tinha tomado a medida revolucionária e sem precedentes de substituir os velhos deuses tradicionais do Egipto por um único deus-Sol chamado Aten. Assim, o nome de nascença de Tutankamon foi na realidade Tutankaten (Imagem Viva de Aten) e só foi alterado para Tutankamon (Imagem Viva de Amon) um ano ou dois depois da sua subida ao trono, quando o politeísmo foi restaurado no Egipto. Tutankamon parece ter subido ao trono com nove anos, talvez por volta de 1334 a. C., e governou durante cerca de dez anos. Como o novo faraó era tão jovem e não tinha parentes femininas vivas com idade suficiente, muita da considerável responsabilidade dos seus reinos (e da sua Educação) deve ter ficado ao cuidado de Ay, o seu ministro-chefe, e Horemeb, o comandante supremo do exército.
Pouco depois de se tornar rei, Tutankamon casou com a sua meia-irmã Ankhesenamon, filha de Akhenaton e da sua primeira esposa, Nefertiti. Ankhesenamon era também neta do conselheiro-mor do rei, Ay. Existe muito pouca informação sobre o reinado de Tutankamon, que inicialmente governou a partir da cidade de Amarna, na margem oriental do Nilo, cerca de quatrocentos quilómetros a norte de Luxor, antes de mudar para a sua nova capital, Mênfis, vinte quilómetros a sul da moderna Cairo, na margem ocidental do Nilo. Provavelmente foram Horemeb e Ay os responsáveis por persuadir o novo faraó a abandonar a religião de Aten e a regressar aos velhos costumes. No templo de Karnak, em Tebas, estão registadas descrições das medidas tomadas por Tutankamon para restaurar os velhos deuses e tradições, entre as quais a fundação de um novo sacerdócio e a realização de programas de restauro e construção nos templos dos deuses antigos.
O faraó e a esposa, que se saiba, tiveram duas crianças, ambas meninas nadas–mortas, cujas múmias foram encontradas no seu túmulo. O único outro facto que se conhece é que quando tinha cerca de dezanove anos, a vida de Tutankamon foi misteriosamente ceifada. Muitos acharam estranho que tivesse morrido no preciso momento em que atingira a idade suficiente para tomar as suas próprias decisões e governar o seu povo, em vez de partilhar o poder com Horemeb e Ay. Depois da morte de Tutankamon, a viúva casou com Ay, o seu próprio avô. Foi encontrado um sinete com os nomes de Ankhesenamon e Ay, que aparentemente representava essa união. Este casamento permitiu a Ay, que não tinha sangue real, herdar o trono. Pouco depois do casamento, Ankhesenamon desaparece dos registos, o que sugere que teria sido assassinada, possivelmente por ordem de Ay. Pouco depois da morte do marido, e antes de desaparecer para sempre, ela escreveu uma das cartas mais surpreendentes alguma vez recuperadas do mundo antigo.
A carta, enviada por uma «viúva real» egípcia, foi datada do final da XVIII Dinastia e foi encontrada nos arquivos da capital hitita de Hattusa, na Turquia. 0 documento tinha sido enviado ao rei Suppiluliumas I, dos Hititas, uma potência emergente no Médio Oriente da época, e um perigo óbvio para o Egipto. Parte do documento afirma: «O meu marido morreu e eu não tenho filhos. Dizem de si que tem muitos filhos. Poderia dar-me um dos seus filhos para ser meu marido? Nunca escolheria um dos meus servos para meu marido! Tenho medo!» O rei hitita ficou inicialmente desconfiado com as intenções de Ankhesenamon, mas depois de enviar ao Egipto um mensageiro para investigar a situação, este regressou com uma segunda carta da rainha egípcia. Suppiluliumas concordou com o casamento e enviou o seu filho, o príncipe Zannanza, para o Egipto. No entanto, o príncipe apenas conseguiu chegar à fronteira egípcia, onde foi assassinado, provavelmente por uma facção egípcia que não desejava um rei estrangeiro no trono do Egipto. Este assassínio acabou por levar a uma guerra entre os Egípcios e os Hititas, e terminou com a derrota do Egipto em Amqa, perto de Kadesh, no Oeste da Síria. Algumas pessoas sugeriram que esta carta não foi escrita de todo por Ankhesanamon, mas pela sua mãe Nefertiti, mas isso é improvável porque o marido, Akhenaton, tinha um sucessor e como tal não haveria necessidade de escrever uma carta a um rei estrangeiro.
Então, que razão plausível teria Ankhesanamon para ser a autora desta correspondência traiçoeira, em que efectivamente implora a um rei inimigo para tomar o seu país? A morte de Tutankamon antes de ter deixado um herdeiro pode ter estado no cerne da questão. Uma teoria diz que as cartas foram escritas porque os Egípcios estavam receosos da ameaça colocada pelo império hitita em expansão e acreditavam que uma aliança através do casamento evitaria a conquista do Egipto. A rainha pode ter planeado governar com um rei hitita, apoiada pelo poder militar do império hitita, mas os seus planos foram gorados pelo assassínio do príncipe Zannanza. Isto leva-nos ao destino do próprio Tutankamon.
Desde a primeira vez em que o corpo de Tutankamon foi examinado pela equipa de Carter, nos anos 20, tem havido imensa especulação quanto à causa da morte do rei. Exames com raios X feitos ao crânio – primeiro em 1968 por uma equipa da Universidade de Liverpool, e depois em 1978 por investigadores da Universidade do Michigan – revelaram uma lasca de osso e indícios de uma hemorragia na parte anterior da cabeça, possivelmente provocada por um golpe deliberado no crânio. Os indícios dos raios X, juntamente com as circunstâncias dúbias da morte do rei Tut, levaram muitos a concluir que o menino-faraó deve ter sido assassinado. Mas por quem?
A pessoa que é mais frequentemente apontada como estando por trás do possível assassínio de Tutankamon é o homem que mais tinha a ganhar com a sua morte, o velho servo real Ay. Este reinou durante pouco mais de quatro anos após a morte de Tutankamon e parece ter tido motivos para o homicídio, apesar de não haver ainda qualquer prova de que tenha tido algo a ver com a morte do rei. Outros investigadores acreditam que o responsável foi um homem bem mais jovem, Horemeb, que sucedeu a Ay por volta de 1321 a. C. para se tomar no último faraó da XVIII Dinastia do Antigo Egipto. Horemeb reinou como faraó durante vinte e sete anos e durante esse tempo levou a cabo uma grande reorganização do país, que resultou num Egipto mais forte e mais estável do que se tinha visto havia muitos anos. Ele também estava determinado a restaurar as crenças religiosas tradicionais e, assim, obliterou todos os vestígios do culto a Aten. Pensa-se que uma razão para Tutankamon ter sido omitido das listas clássicas dos reis do Egipto foi por Horemeb ter usurpado grande parte do trabalho do faraó-menino, incluindo monumentos em Karnak e Luxor. Poderia uma destas figuras sombrias, ou até ambas, ter planeado a morte do jovem faraó?
Em Janeiro de 2005, os primeiros exames por TAC alguma vez efectuados numa múmia egípcia foram feitos ao esqueleto com três mil e trezentos anos de Tutankamon. Surpreendentemente, a equipa de investigadores egípcios não encontrou qualquer indício de uma pancada na parte anterior da cabeça do jovem, nem outros vestígios de violência no corpo. O relatório afirmava que o fragmento de osso identificado nos raios X feitos previamente tinha provavelmente resultado do processo de embalsamamento. Quando Tutankamon foi mumificado, o cérebro foi extraído e o crânio foi preenchido com uma grande quantidade de resina, que endureceu com o passar do tempo. Se a lasca de osso fosse o resultado de uma ferida anterior à morte, não estaria ainda solta no interior do crânio. A área escura que foi vista nos raios X antigos, que muitos pensaram indicar algum tipo de trauma, foi explicada pelos cientistas como tendo resultado do desmembramento do corpo para ser fotografado após a descoberta inicial por Howard Carter. Durante este processo foi inserida uma vara na parte anterior do crânio para o levantar. A conclusão geral dos investigadores foi que Tutankamon era um jovem relativamente saudável e de estatura média, tendo cerca de 1,7 metros de altura. Utilizando fotografias de alta resolução das TAC, três equipas de artistas forenses de França, do Egipto e dos EUA construíram modelos separados mas semelhantes da cara do rei. O resultado não só mostra uma grande semelhança com a famosa máscara de ouro que cobria a cara mumificada de Tutankamon como também com uma imagem bem conhecida do faraó em criança, onde está representado como o deus-Sol levantando-se ao amanhecer a partir de uma flor de lótus. Mas como morreu o rei?
Quando examinaram o corpo de Tutankamon, os membros da equipa encontraram uma fractura no fémur da perna esquerda, que Howard Carter presumira ter origem no embalsamamento ou como resultado de danos sofridos no corpo depois da mumificação. Ao reexaminá-lo, os cientistas descobriram que essa fractura na perna ocorrera apenas alguns dias antes da morte de Tutankamon e provavelmente levara a um ataque de gangrena, que acabou por causar a morte do rei. Assim, as provas que temos à disposição no momento presente não sustentam uma conspiração assassina por parte dos conselheiros Ay e Horemeb, mas antes uma perna partida, talvez num acidente de caça, que não foi tratada a tempo de impedir uma infecção. Podemos é perguntar se Ay ou Horemeb poderiam ter evitado de forma activa a morte do jovem faraó, ou não, mas isso é já outro assunto.