As Múmias de Tarim constituem um intrigante mistério do mundo antigo e um dos mais notáveis achados arqueológicos do Século XX. Estes restos humanos incrivelmente bem preservados foram encontrados no ambiente seco e salgado do vasto deserto de Taklimakan, que faz parte da bacia de Tarim, na China ocidental.
Os corpos descobertos até agora abrangem um período muito alargado, de 1800 a. C. até 400 d. C., mas o que cativou a atenção de estudiosos de todo o mundo é o facto de as múmias terem traços distintamente europeus e parecerem representar várias tribos caucasianas que viveram nesta zona desolada da China ocidental até há cerca de dois mil anos, antes de desaparecerem misteriosamente.
As múmias foram descobertas originalmente no início do Século XX, pelo explorador sueco Sven Hedin, que estava a investigar a complexa história da Rota da Seda, uma série de caminhos antigos que outrora iam da China à Turquia e daí até à Europa. Mas como não tinha consigo o equipamento necessário para preservar os corpos ou transportá-los para museus da Europa onde fossem estudados, estes permaneceram onde estavam e em breve seriam esquecidos. Em 1978, o arqueólogo chinês Wang Binghua desenterrou cento e treze destes cadáveres num cemitério em Qizilchoqa, ou monte Vermelho, no Nordeste da província de Xinjiang, na Ásia Central. A maioria dos corpos foi depois levada para um museu na cidade de Urumqi. Nos últimos vinte e cinco anos, os arqueólogos chineses e uyghur levaram a cabo sofisticadas escavações e pesquisas nesta área, sabendo-se agora que foram descobertas mais de trezentas destas múmias na China ocidental. Em 1987, Victor Mair (um professor de Literatura e Religião Chinesa e Indo-iraniana na Universidade da Pensilvânia) estava a guiar um grupo de turistas através do museu, em Urumqi, quando se lhe deparou algumas das múmias desenterradas por Wang Binghua. Para ele foi uma experiência perturbadora. Todas estavam vestidas com roupas de lã roxa e botas de feltro e os seus corpos estavam conservados de uma forma quase perfeita. Era fascinante que todas as múmias tivessem traços europeus: cabelo castanho ou louro; narizes e crânios compridos; corpos esguios e longos; olhos grandes e encovados.
Devido ao clima político da China nessa época, Mair nada pôde fazer acerca dos incríveis achados, mas em 1993 regressou com uma equipa de geneticistas italianos que tinham trabalhado com o Homem do Gelo. O grupo deslocou-se também ao monte Vermelho de Wang Binghua para examinarem corpos que tinham sido novamente enterrados por falta de espaço no museu de Urumqi. Mair e a sua equipa retiraram amostras de ADN dos corpos, cuja análise provou que as múmias eram caucasóides. A investigação de Mair também parece demonstrar que as mais antigas destas múmias europeias representavam os primeiros colonos da bacia de Tarim.
A mais antiga de todas as múmias do ocidente da China é conhecida como a Bela de Loulan. O corpo feminino perfeitamente preservado em Loulan foi descoberto por arqueólogos chineses em 1980, perto da antiga cidade de Loulan, situada no extremo nordeste do deserto de Taklimakan. Esta mulher, que morreu aos quarenta anos há cerca de quatro mi e oitocentos anos, tinha apenas 1,5 metros de altura e possuía traços europeus como uma cana do nariz proeminente, maçãs do rosto altas e cabelo castanho-aloirado, que fora enrolado sob uma touca de feltro. Ela usava um manto de lã e botas de couro e na sua sepultura foram encontrados um pente e um belo cesto de palha que continha grãos de trigo. Outra expedição à região de Loulan, em 2003, feita pelo Instituto Arqueológico de Xinjiang, revelou alguns achados notáveis. Foram levadas a cabo escavações num cemitério que consistia num monte de areia com 7,5 metros de altura, e ficava a cento e oitenta quilómetros da antiga cidade de Loulan. Foi efectuado um achado particularmente interessante nesse local perto do centro do monte, uma outra múmia impressionante. No interior de um caixão em forma de barco, a múmia feminina tinha sido embrulhada num cobertor de lã e usava um chapéu de feltro e sapatos de couro. Ela tinha sido enterrada com uma máscara facial vermelha, uma bracelete com uma pedra de jade, uma bolsa de couro, uma tanga de lã e pauzinhos de éfedra, um arbusto medicinal que foi utilizado nos rituais religiosos do zoroastrismo do Irão, e talvez haja alguma ligação entre estas duas áreas.
Um outro grupo de múmias encontrado na região da bacia de Tarim era composto por um homem, três mulheres e um bebé, que ficou conhecido como as Múmias Cherchen. Os quatro corpos adultos, que se pensa datarem de cerca de 1000 a. C., estavam vestidos da mesma cor, com fios vermelhos e azuis enrolados à volta das mãos, talvez a indicar um parentesco próximo. O Homem Cherchen, a múmia masculina, tinha mais de 1,8 metros e morreu aos cinquenta anos. Tinha o cabelo castanho-claro, comprido e com tranças, uma barba fina e várias tatuagens na cara. O homem foi enterrado com dez chapéus de estilos diferentes e estava vestido com um fato de duas peças vermelho e roxo. De forma semelhante ao homem, a múmia feminina principal tinha várias tatuagens na cara e quase 1,8 metros de altura. Ela usava um vestido vermelho, botas brancas de pele de veado e o seu cabelo castanho-claro estava apanhado em duas grandes tranças. Também havia um bebé de três meses enterrado com os adultos, que usava um gorro de feltro azul e tinha pedras azuis sobre os olhos. Ao lado da criança estava uma caneca de de corno de vaca e um biberão feito a partir de uma teta de ovelha. Pensa-se que a família teria morrido devido a algum tipo de epidemia.
O que mais fascinou os arqueólogos acerca destas descobertas é o incrível estado de preservação da roupa de aspecto europeu, com cores e padrões vivos, que as múmias usavam. A D.ra Elizabeth Barber, professora de Linguística e Arqueologia no Occidental College de Los Angeles, fez um estudo minucioso dos têxteis recuperados da bacia de Tarim e encontrou semelhanças óbvias com os padrões celtas do Noroeste da Europa. Também sugeriu que os padrões das múmias de Tarim e os da Europa partilham uma origem comum nas montanhas do Cáucaso, no Sul da Rússia, onde os indícios mais antigos deste tipo de tecido remontam a pelo menos cinco mil anos. Entre a grande quantidade de achados têxteis das múmias chinesas encontravam-se roupões, chapéus, camisas, capas, calças com padrões e meias de lã às riscas. Em Subeshi, no caminho norte da Rota da Seda, foram encontradas três múmias femininas, datadas entre cerca de 500 a. C. e 400 a. C., com chapéus muito altos e pontiagudos, e desde então ficaram conhecidas como as Bruxas de Subechi.
Mas quem foram estes povos aparentemente europeus e o que estavam a fazer na China ocidental? As múmias encontram-se espalhadas por uma área geográfica tão extensa, e por um período cronológico tão longo, que é impossível que façam parte de uma só tribo. Elas parecem representar várias migrações para oriente, a partir de várias zonas, ao longo de mil anos ou mais. Existem algumas fontes da antiguidade que se referem a grupos que habitavam a área da bacia de Tarim onde as múmias foram encontradas, o que nos pode dar uma pista acerca das origens de pelo menos algumas das múmias. Fontes chinesas do primeiro milénio antes de Cristo mencionam um grupo de «pessoas brancas de cabelo comprido», conhecidas como o povo Bai. Os Bai viveram na fronteira noroeste da China e os Chineses aparentemente compravam-lhes jade. Outro grupo habitante da fronteira noroeste da China era o dos Yuezhi, mencionados em 645 a. C. pelo autor chinês Guan Zhong. Os Yuezhi também forneciam jade aos Chineses, que recolhiam nas montanhas próximas de Yuzhi, em Gansu. Depois de serem derrotados pelo povo nómada Xiongnu, a maioria dos Yuezhi migraram para a Transoxiana (a parte do Sul da Ásia equivalente ao moderno Usbequistão e ao Sudoeste do Cazaquistão) e mais tarde para o Norte da Índia, onde fundaram o império Kushan. As representações em moedas dos reis yuezhi sugerem que este grupo pode ter sido um povo caucasóide.
O último grupo que habitou nesta região foi o dos Tocarianos, que representam os falantes mais a leste de uma língua indo-europeia (um grupo de línguas que abarca a maior parte dos idiomas da Europa, da Índia e do Irão). Alguns estudiosos argumentaram que os Tocarianos e os Yuezhi eram na verdade o mesmo povo sob nomes diferentes, apesar de isso não poder ainda ser provado. As zonas do ocidente da China onde as múmias com traços europeus foram encontradas, na parte nordeste da bacia de Tarim, e mais para oriente na área à volta de Lopnur, correspondem à distribuição posterior da língua tocariana. Há escritos chineses que mencionam que os Tocarianos tinham cabelo louro ou ruivo e olhos azuis. Existem também frescos em cavernas budistas na bacia de Tarim que datam do Século IX a. C. e que mostram um povo com traços distintamente europeus. Os Tocarianos permaneceram na bacia de Tarim e mais tarde adoptaram o budismo do Norte da Índia, tendo a sua cultura sobrevivido pelo menos até ao Século VIII d. C., quando parecem ter sido assimilados pelos turcos Uighur das estepes do Leste da Ásia.
Apesar de não terem sido encontrados textos tocarianos juntamente com as múmias da bacia de Tarim, a localização geográfica quase idêntica de ambos, bem como as representações dos Tocarianos com as suas feições europeias, sugerem fortemente que pelo menos algumas das múmias da zona eram os antepassados dos Tocarianos. Mas estas pessoas fizeram de facto uma viagem a partir da Europa, atravessando metade da Ásia, para encontrarem o seu lar nos áridos desertos da China ocidental? Julgando pelas provas têxteis, cujos padrões têm origem nas montanhas do Cáucaso no Sul da Rússia, e pelas provas linguísticas que colocam o início das línguas indo-europeias na mesma área, parece que talvez tenha havido uma migração a partir do Cáucaso numa data muito remota. A D.ra Elizabeth Barber colocou a hipótese de ter havido duas migrações a partir da possível pátria indo-europeia a noroeste do mar Negro – uma para ocidente, que resultou na civilização celta e outras civilizações europeias, e a outra migração, os antepassados dos Tocarianos, que foram para oriente e acabaram por chegar à bacia de Tarim, na Ásia central. Sob a luz dos achados das Múmias de Tarim, a teoria de que o Ocidente e o Oriente desenvolveram as suas civilizações completamente isolados poderá ter de ser abandonada.