Os placebos são tratamentos sem valor terapêutico específico que, no entanto, contribuem para que muitas pessoas se sintam melhor. Os investigadores médicos chegaram à conclusão de que o efeito placebo se manifesta em todos os domínios da medicina. Quando, nos ensaios terapêuticos não se controla, o efeito placebo, considera-se geralmente que os resultados não são fiáveis. Registou-se o efeito placebo em muitos estados patológicos, entre os quais tosse, alterações de humor, angina de peito, dores de cabeça, enjoo, ansiedade, hipertensão, asma, depressão, constipação, linfossarcoma, secreção gástrica e motilidade, dermatite, artrite reumatóide, febre, verrugas, insónia e sintomas de dor de várias origens.
Desde sempre, grande parte do êxito das terapias fica a dever-se ao efeito placebo, independentemente do tipo de terapia e das teorias em que assentam. E não há qualquer dúvida de que também na medicina moderna ele desempenha um papel importante. Um estudo que incidiu sobre uma vasta gama de ensaios de Medicamentos veio revelar que os placebos têm, em média, um terço a metade da eficácia da medicação específica – um efeito considerável, se atendermos a que se trata de pílulas anódinas que não custam praticamente nada. Mas nem só as pílulas anódinas são placebos. Placebos podem ser também certas formas anódinas de aconselhamento terapêutico ou psicoterapia, ou mesmo cirurgias anódinas. É o caso, por exemplo, de uma cirurgia de tratamento da dor provocada pela angina de peito que consiste em ligar as artérias mamárias. Para testar a eficácia deste processo, procedeu-se à necessária incisão em pacientes de controlo, mas sem fazer a ligação dos vasos. “O alívio da dor da angina era igual no grupo sujeito à cirurgia efectiva e no grupo de controlo. Por outro lado, ambos os grupos apresentaram alterações fisiológicas, entre as quais a redução da onda T invertida no electrocardiograma.”
O que são então os placebos? A história da palavra é, já de si, reveladora. É a primeira palavra de um cântico que fazia parte dos ritos funerários medievais, “placebo domino” – agradarei ao Senhor. A palavra era usada em referência às carpideiras profissionais a quem se pagava para “cantar placebos” junto do caixão do defunto em vez da família, à qual a função cabia em primeira instância. Com o passar dos séculos, as conotações do termo foram-se tornando irónicas; foi aplicado a bajuladores, sicofantas e parasitas sociais. Surge pela primeira vez num dicionário de medicina de 1785, em sentido pejorativo, definido como “método corriqueiro de medicina.” Não há dúvida de que as carpideiras profissionais da Idade Média não primariam pela devoção sincera ao falecido. Mas nem por isso deixava de ser reconhecido valor às suas cantilenas, como parte integrante de um ritual reconhecido. Os placebos dos nossos dias são ministrados num contexto terapêutico e dependem, também eles, do poder que exercem sobre as crenças e expectativas em vigor, tanto da parte do médico como do doente. Qualquer método de tratamento, em qualquer cultura, tradicional ou moderna, ocorre num contexto em que as técnicas específicas são plausíveis aos olhos do doente e potencialmente eficazes aos olhos do terapeuta.
Os médicos, de uma forma geral, não hesitam em atribuir ao fenómeno placebo a eficácia dos sistemas médicos tradicionais ou “não-científicos”, nem em imputar a outros tipos de medicina o recurso aos placebos. Mas deixam de fora, por norma, o tipo de medicina que praticam. Num estudo sobre as atitudes face aos efeitos placebo, os cirurgiões excluíam a cirurgia, os internistas excluíam a medicação e os psicanalistas excluíam a psicanálise. Na investigação médica, por seu turno, os efeitos placebo são normalmente encarados como um estorvo. Mas talvez nem seja mau que os médicos tenham estas atitudes negativas em relação aos placebos, na medida em que essa é a outra face da moeda da sua fé na eficácia das suas próprias técnicas, que por isso mesmo tendem a funcionar melhor por causa do efeito placebo!
O efeito placebo manifesta-se com maior força nos testes com dupla ocultação, em que doentes e médicos pensam que está a ser utilizado um tratamento potente. Se os médicos acreditam menos na eficácia do tratamento, obtém-se um menor efeito placebo. Nos testes de ocultação simples, em que os médicos sabem a que doentes foi ministrado o placebo e aqueles a que não, o placebo é ainda menos eficaz. Em testes abertos, em que os pacientes sabem que estão a tomar placebos, os efeitos atingem o ponto mais baixo. Por outras palavras, os tratamentos dão os melhores resultados quando médicos e pacientes acreditam nos seus grandes efeitos benéficos. Pelo contrário, em testes em que se rotulam como placebos as fórmulas activas, é onde são mais fracos os resultados clínicos dos Medicamentos.
Portanto, expectativas menores resultam em menor efeito placebo. É o que se passa com as “drogas milagrosas”, que a princípio suscitam grandes esperanças mas depois não conseguem corresponder às expectativas criadas. Este padrão de comportamento foi identificado no Século XIX pelo médico francês Armand Trousseau, que aconselhava os colegas a que “tratassem tantos doentes quanto possível com as drogas novas, enquanto elas não perdiam o seu poder curativo”. Não faltam exemplos mais recentes. Por exemplo, em dada altura, a cloropromazina foi incensada pela sua eficácia no tratamento da esquizofrenia, mas depois a fé nos seus poderes dissipou-se. Verificou-se em testes sucessivos que a sua eficácia era cada vez menor. O efeito placebo decresceu em paralelo. “O que deve ter acontecido foi que, à medida que os investigadores se iam apercebendo de que a nova “droga milagrosa” não era afinal tão potente como esperavam, foi decaindo o seu nível de expectativas e porventura o seu interesse pelos doentes.” Eis outro exemplo particularmente expressivo, dos anos 50 do Século XX:
Um homem com cancro em estado avançado já não estava a responder ao tratamento por radiações. Deram-lhe uma injecção única de um medicamento experimental, Krebiozen, que alguns consideravam na altura uma “cura milagrosa” (veio depois a entrar em descrédito). Os resultados deixaram estupefacto o médico assistente do doente, que afirmou que os tumores “derreteram como bolas de neve num forno quente”. Mais tarde, o doente leu uns estudos em que se sugeria que o medicamento era ineficaz, e o cancro começou de novo a alastrar. Nessa altura o médico, agindo por palpite, ministrou-lhe um placebo por via intravenosa, dizendo que aquela água simples era uma fórmula “nova e melhorada” do Krebiozen. O cancro voltou a atrofiar espectacularmente. Até que o homem leu nos jornais o veredicto oficial da Associação Médica Americana: o Krebiozen era um medicamento inoperante. Perdeu a fé por completo e, passados poucos dias, morreu.
Os mesmos princípios se aplicam à própria investigação médica. Crentes e descrentes em novas formas de tratamento tendem a chegar a resultados muito diferentes: “Quantitativamente, a proporção fala por si. Os 70 a 90% iniciais de eficácia registados nos relatórios dos entusiastas (caía) para 30 a 40% da “linha de base” de eficácia do placebo nos relatórios dos cépticos”.
Um aspecto notável dos placebos é que os pacientes não só melhoram com eles mas também registam reacções tóxicas ou efeitos secundários. Num estudo de sessenta e sete ensaios clínicos com dupla ocultação, em que participaram 3549 pacientes, 29% destes apresentaram vários efeitos secundários enquanto eram tratados com o placebo, nomeadamente anorexia, náusea, cefaleia, tonturas, tremuras e erupções cutâneas. Os efeitos secundários eram nalguns casos tão fortes que exigiram intervenção médica. Além disso, revelaram relação com as expectativas dos médicos ou dos pacientes quanto à droga activa que estava a ser ensaiada. Por exemplo, num ensaio em larga escala, com dupla ocultação, de contraceptivos orais, 30% das mulheres a quem era ministrado o placebo referiram redução do apetite sexual, 17% aumento das dores de cabeça, 14% aumento das dores menstruais e 8% aumento do nervosismo e irritabilidade.
Do mesmo modo que o poder das bênçãos tem como contraponto o poder dos anátemas, também os efeitos benéficos do placebo têm como contraponto os efeitos negativos de procedimentos destinados a fazer mal, tecnicamente conhecidos como “placebos negativos” ou “nocebos”. Os antropólogos referem exemplos espectaculares deste fenómeno ocorridos na África, América Latina e noutros pontos, conhecidos como “mortes por enguiço”, fruto da crença nos poderes da feitiçaria. Também em experiências de laboratório se demonstraram efeitos nocebos, embora menos espectaculares: foi o caso de um estudo em que se dizia aos sujeitos que através de eléctrodos que lhes eram colocados na cabeça passava uma corrente eléctrica fraca, prevenindo-os de que isso lhes podia provocar dor de cabeça. Embora na realidade não passasse corrente nenhuma, dois terços dos sujeitos ficaram com dores de cabeça. Placebos e nocebos dependem das crenças culturais dominantes, entre as quais a crença na medicina científica. “Dito de forma simples, a crença debilita; a crença mata; a crença cura.”
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake