Manancial permanente e omnipresente de ilusões de objectividade é o estilo em que são escritos os relatórios científicos. Dão a impressão de virem de um mundo ideal em que a Ciência é um exercício completamente lógico, livre de toda e qualquer paixão humana. “Fizeram-se observações…”, “Verificou-se que…”, “Os dados revelam que…”, etc., etc. Ainda hoje se ensinam, nas escolas e universidades, estas convenções aos candidatos a cientistas: “Pegou-se num tubo de ensaio…”
Os cientistas publicam as suas descobertas em artigos técnicos, também chamados comunicações, nas revistas da especialidade. Num ensaio que goza de merecida fama, intitulado «A comunicação científica é uma fraude?», o imunologista Peter Medawar salientava que a estrutura padrão de tais artigos dá “uma descrição totalmente enganadora dos processos de pensamento que intervêm na concretização das descobertas científicas”. Nas ciências biológicas, uma comunicação típica começa por uma breve introdução, que inclui uma recapitulação do trabalho anterior relevante, a que se segue um Capítulo de “Materiais e Métodos”, vindo depois os “Resultados” e finalmente uma “Discussão”.
O Capítulo intitulado “Resultados” consiste num jorro de informações factuais em que é considerado de extremo mau tom analisar a significância dos resultados obtidos. O autor tem de fingir que a sua cabeça é, por assim dizer, um receptáculo virgem, um vaso vazio, à espera da informação que para ela flui vinda do mundo exterior, por razões que o autor não revela. Reserva toda a avaliação das provas científicas para o Capítulo da “discussão”, e na discussão adopta a ridícula prosápia de perguntar a si próprio se a informação que coligiu tem de facto algum significado.
Claro está que, como seria de esperar, as hipóteses que as experiências põem à prova, porque para isso foram concebidas, vêm em primeiro lugar, e não em último. Desde que Medawar escreveu a passagem que aqui se transcreve, passou a registar-se um maior reconhecimento consciente desta sequência de acontecimentos, e uma tendência crescente para mencionar as hipóteses na introdução das comunicações. Mas as convenções mantêm-se as mesmas: uma prosa desapaixonada, o recurso à voz passiva e um faz-de-conta que os dados são factos despidos de qualquer adorno. Os profissionais da Ciência aplicada sabem bem que este estilo é uma espécie de ficção; mas tornou-se obrigatório para quem quer que tenha pretensões de objectividade, tendo também sido adoptado por tecnocratas e burocratas.
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake