A História de vida do gato preto é impressionante. Adorado por uns, sacrificado por outros, o gato preto sobreviveu a tudo apenas para reclamar o lugar que mais gosta de ocupar: um sítio quente, junto à janela.
As superstições acerca dos gatos nasceram desde cedo. Um dos primeiros povos a atribuir uma aura mística ao gato foram os egípcios que o idolatravam, tendo mesmo um Deus com a sua forma física, Bast. Em honra desta divindade, os egípcios mantinham gatos pretos em casa e davam-lhes honras reservadas a faraós, mumificando-os depois de mortos.
Mas foi na Idade Média que o gato viu a sua sorte mudar. Apesar de prestarem um importante serviço ao homem, caçando os ratos que eram considerados uma praga em todo o lado, a verdade é que havia uma legião de gatos vadios que faziam das cidades o seu território. A sobrepopulação terá sido o primeiro motivo pelo qual o gato deixou de cair em graça para passar a cair em desgraça.
A Idade Média ficou marcada pela superstição, bruxaria e febre religiosa. O gato, como animal independente e solitário, captou a atenção tanto de pagãos como cristãos.
No paganismo, o gato representa sabedoria e protecção, mas na magia negra, o gato preto macho personifica o diabo. No Tarot, no baralho de Rider Waite, a Rainha de Paus é representada com um gato preto aos seus pés, significando energia instintiva, mas domesticada.
O gato é um animal que caça durante a noite e era na Idade Média acolhido por pessoas solitárias. Os gatos vadios eram os animais de estimação de mendigos e pobres, o que não abonou em relação à imagem do gato. Os olhos penetrantes que iluminam as noites contribuíram provavelmente para a catalogação do gato como espírito demoníaco. A cor preta era a cor das trevas e do mal, o que tornou os gatos desta pelagem os mais perseguidos pelos cristão e inquisidores. A sua associação às práticas pagãs, apenas provocou um maior distanciamento entre os cristãos e o gato. O facto de o gato ser muitas vezes sacrificado em rituais pagãos tornou-o num símbolo a combater.
Depressa começaram a surgir histórias que ligavam os gatos à bruxaria. Reza a lenda que por volta de 1560, em Linconshire, filho e pai foram assustados por um gato preto que lhes cruzou à frente. O animal coxeava e tinha vários arranhões e dirigiu-se para a casa de uma mulher que os habitantes da região suspeitavam que fosse bruxa. No dia seguinte, a mulher apareceu com uma ligadura no braço e tinha passado a coxear. Outra história relatada conta que um agricultor cortou a orelha de um gato durante a noite. O homem acreditava que o gato estava a assombrar a sua propriedade. No dia seguinte, o agricultor regressou ao local apenas para encontrar parte da orelha de um humano. Na Alemanha, as histórias sobre a dualidade bruxa/gato preto são comuns. Uma mulher após ter sido acusada de bruxaria e condenada à fogueira, transformou-se em gato preto enquanto ardia. Foi assim que surgiu o mito de que as bruxas se transformam em gatos pretos durante a noite. E foi também desta forma que se encontrou justificação para perseguir estes animais.
Em paralelo com as lendas surgem também outros factos históricos que na altura serviam de base de sustentação a muitas superstições. O rei Carlos I de Inglaterra tinha um gato preto de estimação. O monarca acreditava que o seu gato lhe trazia sorte. Coincidência ou não, o gato morreu um dia antes de Carlos I ter sido preso por Oliver Crommwell. O monarca foi acusado de traição e mais tarde decapitado.
Surpreendentemente, o gato preto sobreviveu a décadas, se não séculos de perseguição. A sua pelagem negra, pela qual era perseguido, era também uma vantagem quando caçava à noite, fundindo-se com a escuridão. Nestes tempos, não faltava alimento para os gatos, uma vez que os ratos abundavam pelas cidades e campos.
Pela altura do Renascimento, a Igreja Católica tinha já abrandado a caça aos hereges. Esta foi uma boa notícia para o gato por duas razões, por um lado os cristãos tinham conseguido reduzir a prática do sacrifício de animais, e em particular dos gatos com pelagem preta e por outro, deixaram de ser perseguidos pelos próprios cristãos.
Mas da Idade Média resistiram as superstições profundamente enraizadas na cultura popular. Apesar de em Portugal ser mais comum associar o gato preto a um mau presságio, são várias as superstições que lhe são favoráveis noutros países.
Superstições Comuns:
Na Escócia
Um gato preto no alpendre traz prosperidade.
Na Itália
Ouvir um gato preto a espirrar traz boa sorte. Se um gato preto se deita na cama de uma pessoa doente, significa que a morte dessa pessoa está perto.
Nos Estados Unidos da América
O gato preto que cruza o nosso caminho traz má sorte
Na Irlanda
O gato preto que cruza o caminho de alguém durante noites de luar, é prenúncio de epidemia.
Na Inglaterra
Na costa de Yorkshire, as mulheres dos pescadores acreditam que os seus maridos regressarão sãos e salvos da faina se mantiverem em casa um gato preto.
Mais generalizada entre os pescadores era a crença de que os gatos pretos mantidos em casa enquanto saíam para pescar era sinónimo de bom tempo em alto mar. Há quem defenda que o preço dos gatos pretos chegou a aumentar de tal formar que muitos marinheiros não tinham dinheiro para comprar um exemplar.
Em algumas regiões da Inglaterra acredita-se que oferecer um gato preto à noiva traz sorte.
Na França
No sul deste país, acredita-se que tratar de um gato preto traz boa sorte.
Na Alemanha
Um gato que cruza o caminho de uma pessoa da direita para a esquerda é mau agoiro, mas da esquerda para a direita é boa sorte.
Na Letónia
Para os agricultores deste país, encontrar um gato preto nos depósitos de sementes é uma óptima notícia. Para eles, estes gatos são o espírito de Rungis, Deus da colheita.
Superstições Actuais:
Hoje em dia, o gato preto continua a ser mais do que um gato de pelagem escura. Ainda há quem veja nele sinal de boa ou má sorte. Num estudo realizado nos gatos e associações de animais dos Estados Unidos da América, verificou-se que o gato preto era a segunda pelagem menos desejada. A primeira era a castanha. Assim, numa ninhada de gatos de várias cores, o gato preto era sempre dos últimos a ser adoptado.
A acentuar a ideia de que o gato preto ainda não é encarado como um outro gato qualquer, nos Estados Unidos da América, onde há uma forte tradição de celebrar o Halloween, algumas associações de animais têm uma Política especial que implementam nessa altura. Neste feriado manteve-se em alguns locais a tradição de sacrificar animais, entre eles o gato preto. Por esta razão, a adopção destes gatos fica congelada algumas semanas antes e depois desta festividade.
Em Portugal, as superstições sobre os gatos pretos não parecem ter tanta força e é bastante comum encontrar um gato preto como animal de estimação. Não deixa de ser curioso que em Inglaterra, apesar da caça às bruxas e aos gatos vivida na Idade Média, as superstições que resistiram associam invariavelmente o gato a bons sinais.
Contudo, o gato preto parece ainda estar muito longe de recuperar a posição que tinha no Antigo Egipto. Ou talvez não, uma vez que, tal como os outros gatos, parecem ser peritos em ganhar a adoração dos donos.
Fonte: Arcadenoe.pt