A escassez de recursos e a concorrência para dominar os corredores energéticos euro-asiáticos, estão por trás do militarismo russo e da interferência dos Estados Unidos da América.
A intervenção armada russa na Crimeia ilustra, sem dúvida, a determinação implacável do presidente Putin para conseguir o que quer na Ucrânia. Porém, tem sido dada menos atenção ao papel dos Estados Unidos na interferência na política ucraniana e da sociedade civil. Ambos os poderes são motivados pelo desejo de assegurar que um país geoestratégico fundamental no que diz respeito ao controlo de rotas críticas de gasodutos de energia permaneçam na sua própria esfera de influência.
Muito tem sido feito da fuga de informação sobre uma gravação de uma suposta conversa telefónica privada entre a assistente do secretário de estado dos EUA, Victoria Nuland e o embaixador dos Estados Unidos em Kiev, Geoffrey Pyatt. Enquanto o foco tem sido a linguagem grosseira de Nuland, que já suscitou pedidos de desculpas dos EUA, o contexto mais importante desta linguagem diz respeito ao papel dos Estados Unidos nos contactos com os partidos da oposição ucraniana, tendo em vista, ao que parece, manipular a orientação do governo ucraniano de acordo com os interesses norte-americanos.
Em vez de deixar o futuro da política ucraniana “para o povo ucraniano”, como alegou em anúncios oficiais, a conversa sugere a interferência activa no governo, com o objectivo de favorecer certos líderes da oposição:
Nuland: “Bem, Eu não acho que Klitsch (o líder da oposição) deva ir para o governo. Não acho que seja necessário e não acho que seja boa ideia.
Pyatt: “Sim. Eu acho que … em relação a isso, seria deixá-lo apenas por fora e fazer o “seu trabalho de casa” político entre outras coisas. Eu só estou a pensar em termos do tipo de processo a avançar. Nós queremos manter os democratas moderados juntos. O problema vai ser Tyahnybok (Oleh Tyahnybok, o outro líder da oposição) e os seus homens e eu tenho certeza que isso é parte do que Yanukovich (o presidente Viktor) está a pensar sobre tudo isto.
Nuland: “Eu acho que Yats é o homem que tem melhor experiência económica e experiência de governo. Ele é o … o que ele precisa é de Klitsch e Tyahnybok do lado de fora. Ele precisa conversar com eles quatro vezes por semana, você sabe. Eu só acho que Klitsch vai na … ele vai estar a esse nível de trabalho para Yatseniuk, simplesmente não vai dar certo.”
Nuland: “OK. Ele (Jeff Feltman, subsecretário-geral de assuntos políticos das Nações Unidas) agora conseguiu que ambos, Serry (oficial da ONU) e Ban Ki-moon (secretário geral da ONU), concordassem que Serry poderia vir na segunda ou terça-feira. Então, isso seria óptimo, acho, para ajudar a colar essa coisa e ter a ajuda das Nações Unidas a colar isto e você sabe, que se foda a União Europeia.”
Pyatt: “Não exactamente. Eu acho que nós temos que fazer algo para fazê-los ficar juntos, porque você pode ter certeza de que, se isto começar a ganhar altitude, os russos vão trabalhar nos bastidores para tentar arrasá-lo.”
Como o correspondente diplomático da BBC Jonathan Marcus observa acertadamente, a alegada conversa:
“… Sugere que os Estados Unidos da América têm ideias muito claras sobre qual que resultado deveria suceder e está a esforçar-se para alcançar essas metas … Washington tem claramente o seu próprio plano de jogo …. com vários funcionários a tentar organizar a oposição ucraniana e esforços para obter das Nações Unidas um papel activo no reforço de um acordo. “
Mas esforços dos Estados Unidos para virar a maré política na Ucrânia, no sentido oposto ao da influência russa começaram muito mais cedo. Em 2004, o governo de Bush tinha doado 65 milhões de dólares para fornecer “formação democrata” aos líderes da oposição e activistas políticos alinhados com eles. O pagamento incluía trazer o líder da oposição Viktor Yushchenko para conhecer os líderes norte-americanos e ajudar a subverter sondagens no sentido de indicar a sua vitória nas eleições disputadas.
Este programa foi acelerado sob a administração Obama. Num discurso no National Press Club em Washington DC em Dezembro último, numa altura em que os confrontos de Maidan Square na Ucrânia se intensificavam, Nuland confirmou que os Estados Unidos tinham investido no total, mais ou menos 5.000 milhões de dólares para garantir uma Ucrânia segura e próspera e democrática – ela acabou por felicitar especificamente o movimento “Euromaidan“.
Seria então ingénuo supor que esta magnitude de apoio dos Estados Unidos para organizações politicamente alinhadas com a oposição ucraniana não desempenhassem qualquer papel na promoção do movimento pró-euro-atlântico, algo que acabou por culminar na saída do presidente Yanukovych apoiado pela Rússia.
De facto, no seu discurso de 2013, Nuland acrescentou:
“Hoje, existem altos funcionários do governo ucraniano na comunidade de negócios, bem como na oposição, na sociedade civil e na comunidade religiosa, que acreditam neste futuro democrático e europeu para o seu país. E eles têm estado a trabalhar arduamente para direccionar o seu país e o seu presidente na direcção certa”.
Que direcção que pode ser essa? Um vislumbre da resposta foi dada há mais de uma década pelo professor R. Craig Nation, director de estudos russos e da Euro–Ásia no Instituto de Estudos Estratégicos do US Army War College, numa publicação da NATO:
“A Ucrânia é cada vez mais percepcionada como estando criticamente situada na “batalha emergente” para dominar os corredores de transporte de Energia, ligando as reservas de petróleo e gás natural da bacia do Mar Cáspio para os mercados europeus … já emergiu uma considerável competição relacionada com a construção de gasodutos. Se a Ucrânia irá fornecer rotas alternativas que ajudam a diversificar o acesso, como o Ocidente prefere, ou se se irá ver “forçada” a desempenhar o papel de uma “filial russa”, é algo que continua incerto.”
O mais recente relatório patrocinado pelo Departamento de Estado norte-americano nota que “a localização estratégica da Ucrânia situada entre os principais produtores de energia (a Rússia e a região do Mar Cáspio) e os consumidores da região da Euro–Ásia, a sua grande rede de trânsito e a sua capacidade de armazenamento subterrâneo de gás disponível, fazem do país “um jogador potencialmente crucial no trânsito energético europeu”, uma posição que irá crescer à medida que as demandas da Europa Ocidental pelo petróleo russo e pelo gás Cáspio continuam a aumentar.”
A esmagadora dependência ucraniana em relação às importações de energia russa, no entanto, têm tido implicações negativas para a estratégia dos Estados Unidos na região, em particular a estratégia de:
“… Apoiar várias rotas de gasodutos no eixo Este–Oeste, como forma de ajudar a promover um sistema mais pluralista na região como alternativa à continua hegemonia russa”.
Mas a empresa russa Gazprom controla quase um quinto das reservas de gás do mundo, abastece mais de metade da Ucrânia e cerca de 30% do gás da Europa anualmente. Apenas um mês antes do discurso de Nuland no National Press Club, a Ucrânia assinou um acordo de gás de xisto por 10 biliões de dólares com o gigante da energia dos EUA, a Chevron com o qual “a antiga nação da União Soviética espera poder acabar com a sua dependência energética da Rússia até 2020.” O acordo permitiria à Chevron explorar o depósito Olesky no oeste da Ucrânia que segundo as estimativas de Kiev pode armazenar 2.980.000 milhões de metros cúbicos de gás.” Já tinham sido atingidos acordos similares com a Shell e a ExxonMobil.
O movimento coincidiu com os esforços da Ucrânia para cimentar relações mais estreitas com a União Europeia, à custa da Rússia, através de um acordo de comércio que seria mais um passo mais perto das ambições ucranianas para conseguir a integração na União Europeia. Mas a decisão de Yanukovych em abandonar o acordo com a U.E. – em favor da súbita oferta de Putin de um desconto de 30% no preço do gás e um pacote de ajuda 15 biliões de dólares – provocou as manifestações.
Os distúrbios violentos foram desencadeados pela frustração com a rejeição do acordo com União Europeia por parte de Yanukovych, juntamente com a subida vertiginosa do preço da Energia, alimentos e outras contas de consumo, ligadas ao gás natural ucraniano e da dependência abjecta em relação à Rússia. A brutalidade policial usada para reprimir o que começou como manifestações pacíficas foi a última gota.
Mas enquanto a agressão imperial russa é claramente um factor central e bem reconhecido, os esforços dos Estados Unidos da América para reverter a esfera de influência russa na Ucrânia e para, por outros meios, atingir os seus próprios interesses geopolíticos e estratégicos levanta questões embaraçosas. Como o mapa de gasodutos demonstra, as grandes companhias de petróleo e gás dos Estados Unidos como a Chevron e Exxon estão cada vez mais a invadir o monopólio regional da Gazprom, minando a hegemonia energética da Rússia sobre a Europa.
A Ucrânia está presa desafortunadamente no meio desta luta acelerada para dominar os corredores energéticos da Euro–Ásia, nas últimas décadas da era dos combustíveis fósseis.
Para aqueles que estão a pensar se estamos a enfrentar a perspectiva de uma nova Guerra Fria, uma pergunta melhor seria, a Guerra Fria alguma vez terminou realmente?
Fonte: The Guardian
Artigo Original: http://www.theguardian.com/environment/earth-insight/2014/mar/06/ukraine-crisis-great-power-oil-gas-rivals-pipelines