O rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda

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Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda
Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda

Ele é o herói nacional da Grã-Bretanha, uma figura que aparentemente se enquadra na História e no mito com o mesmo à-vontade. O rei Artur é o arquétipo do rei guerreiro. Para muitas pessoas ele é a única luz na obscura Idade Média britânica. A mera referência ao nome rei Artur invoca imagens de duelos e cavaleiros, belas donzelas, magos misteriosos e actos traiçoeiros em castelos em ruínas. Mas o que está por trás destas ideias românticas essencialmente medievais? É certo que existe um Artur literário; existe, com efeito, todo um ciclo de histórias conhecidas como o Romance Arturiano. Também na literatura celta podemos encontrar uma personagem mitológica parecida com Artur, mas, e o Artur histórico? Existem provas de que as histórias de um grande rei britânico que liderou os seus compatriotas em ferozes batalhas contra os invasores saxões possam ser baseadas em factos?

Resumidamente, os contornos do mito de Artur são estes: Artur foi o filho primogénito do rei Uther Pendragon, nascido na Grã-Bretanha durante uma época extremamente conturbada e caótica. O prudente mago Merlin aconselhou que a criança deveria ser educada num local secreto e que ninguém deveria saber a sua verdadeira identidade. Com a morte de Uther Pendragon, a Grã-Bretanha ficou sem rei. Por artes mágicas, Merlin havia enterrado uma espada num rochedo e nessa espada estava escrito em letras de ouro que quem conseguisse retirá-la do rochedo, seria o próximo e legítimo rei da Grã-Bretanha. Muitos tentaram o feito, mas nenhum teve êxito, até que Artur tirou a espada e foi coroado por Merlin. Depois de partir esta espada numa luta com o rei Pellinore, Artur foi levado por Merlin a um lago onde uma mão misteriosa emergiu das águas e lhe entregou a famosa Excalibur. Com esta espada (que lhe foi oferecida pela Senhora do Lago), Artur tornou-se invencível em combate.

Depois de casar com Guinevere, cujo pai (em algumas versões da lenda) lhe ofereceu a Távola Redonda, Artur reuniu um grupo impressionante de cavaleiros à sua volta e estabeleceu a sua corte no castelo de Camelot. Os Cavaleiros da Távola Redonda, como ficaram conhecidos, defenderam o povo da Grã-Bretanha contra dragões, gigantes e cavaleiros negros. Eles também procuraram um tesouro perdido: a taça utilizada por Cristo na última ceia, também conhecida como Santo Graal. Depois de inúmeras batalhas sangrentas contra os invasores saxões, Artur liderou os Britânicos na grande vitória do monte Badon, onde o avanço saxão foi finalmente interrompido. Contudo, nem tudo estava bem em casa, pois o heróico cavaleiro Lancelot tinha-se apaixonado por Guinevere, a rainha de Artur. A intriga sobre o casal acabou por ser conhecida e Guinevere foi condenada à morte, enquanto Lancelot foi banido. No entanto, Lancelot regressou para salvar a rainha e levou-a para o seu castelo em França. Artur levou então a cabo uma expedição militar para encontrar Lancelot. Enquanto esteve ausente, Mordred (filho de Artur e da sua meia-irmã, a bruxa Morgause, com quem dormira quando jovem sem saber quem ela era) tentou tomar o poder na Grã-Bretanha. Quando Artur regressou, pai e filho combateram em lados opostos em Camlann, onde Artur matou Mordred mas acabou por sofrer um ferimento mortal. O corpo de Artur foi colocado numa barca misteriosa que flutuou até à ilha de Avalon, onde as suas feridas foram saradas por três estranhas rainhas vestidas de negro. Pouco depois de saber da morte de Artur, Lancelot e Guinevere morreram de desgosto. Contudo, o corpo de Artur nunca foi encontrado e muitos dizem que ele jaz adormecido sob uma montanha, acompanhado por todos os seus cavaleiros, à espera de mais uma vez cavalgar para salvar a Grã-Bretanha.

As fontes do conto do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda são de muitas épocas diferentes. A primeira referência de confiança vem na «Historia Britonum» (A História dos Britânicos), atribuída a um obscuro monge galês conhecido como Nennius e escrita por volta de 825 d. C. Nesta obra, Artur é descrito como um comandante militar e Nennius enumera doze batalhas nas quais ele venceu os Saxões, culminando na vitória do monte Badon. Infelizmente, os nomes dos locais utilizados por Nennius para as batalhas deixaram de existir desde então e nenhum dos lugares pode agora ser identificado com certeza. De acordo com os «Annales Cambriae» (Os Anais de Gales), Artur e o seu filho Mordred foram ambos mortos na batalha de Camlann, em 537 d. C. Mais uma vez, o local desta batalha não foi identificado, apesar de haver dois sítios possíveis: Queen Camel, em Sommerset (que fica próximo da fortificação de South Cadbury, identificada por alguns como Camelot), ou bem mais para norte, perto do forte romano de Birdoswald (ou o de Castlesteads, em Hadrian’s Wall).

Távola Redonda
Távola Redonda

Uma das principais fontes sobre Artur é a «História dos Reis da Grã-Bretanha», escrita pelo clérigo galês Geoffrey de Monmouth cerca de 1136. É na narrativa de Geoffrey que vislumbramos pela primeira vez a cavalaria que mais tarde seria associada ao rei Artur e aos seus cavaleiros. É também aqui que aparece pela primeira vez a rivalidade com Mordred, bem como a espada Excalibur, Merlin, o mágico conselheiro do rei, e a partida final para a ilha de Avalon. No entanto, Sir Lancelot, o Santo Graal e a Távola Redonda não são mencionados. As obras de Geoffrey de Monmouth (ele também publicou dois livros sobre as profecias de Merlin) foram criticadas pelos seus contemporâneos como sendo nada mais do que ficção elaborada e os estudiosos modernos partilham, na generalidade, a mesma opinião. Contudo, como no caso do antigo historiador grego Heródoto, achados arqueológicos recentes começam a sustentar algumas das coisas que Geoffrey escreveu. Um exemplo é o rei britânico Tenvantius, cuja única fonte foi até agora a História de Geoffrey. Contudo, achados arqueológicos contemporâneos de moedas da Idade do Ferro com o nome Tasciovantus, que parece ser a mesma pessoa que o Tenvantius mencionado por Geoffrey, indicam que a obra de Geoffrey precisa de ser reavaliada. Talvez outros elementos da história de Artur, tal como estão relatados na «História dos Reis da Grã-Bretanha», venham um dia a ser considerados como sendo baseados em factos.

Em «Le Morte D’Arthur», de Sir Thomas Malory, publicado em 1485, a história do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda assume a forma como a reconhecemos hoje. Na sua obra, Malory, um nativo de Warwickshire, baseou-se em fontes francesas mais antigas, como os poetas franceses do Século XII, Maistre Wace e Chrétien de Troyes, que por sua vez se inspiraram em parte na mitologia celta, bem como no trabalho de Geoffrey de Monmouth. No entanto, o problema destas fontes literárias é que foram escritas pelo menos três séculos depois da suposta existência de Artur, que é situada algures por volta de 500 d. C. Como podemos ultrapassar esta enorme barreira temporal, para conseguirmos dar a Artur a possibilidade de ter um fundamento histórico? Existem lampejos tentadores de uma figura como Artur que remonta provavelmente para lá do Século VI d. C., na literatura celta, em particular em poemas galeses. O mais antigo dos poemas galeses é provavelmente «The Gododdin» (cerca de 594 d. C.), atribuído ao poeta galês Aneirin, que afirma que «ele alimentou corvos negros nas muralhas, apesar de não ser um Artur». O Livro Negro de Carmarthen contém «As Estrofes dos Túmulos», que inclui os versos: «Existe um túmulo para March, um túmulo para Gwythur, um túmulo para Gwgawn Red-sword; o mundo pergunta pelo túmulo de Artur.» Estes versos implicam que, apesar de se conhecerem os túmulos de outros heróis arturianos, o do próprio Artur não se consegue encontrar, provavelmente porque se dizia que ele estaria vivo.

Em «Os Despojos de Annwn» d’0 Livro de Taliesin, Artur é retratado como o líder de um grupo de cavaleiros que ataca um mundo mágico galês (Annwn) em busca de um caldeirão mágico «aceso pelo sopro de nove donzelas». O caldeirão não só era um objecto mágico como também um símbolo poderoso da religião celta, como está patente nos mitos do deus principal da Irlanda, Dagda, que tinha um caldeirão mágico que podia ressuscitar os mortos. A quimera de Artur pelo caldeirão neste mundo mágico celta foi um desastre, de onde apenas sete dos seus cavaleiros regressaram. As semelhanças entre a quimera mítica de Artur na literatura celta e a quimera do Santo Graal são óbvias. Contudo, o Artur mítico é obviamente uma personagem diferente daquela que parou o avanço dos Saxões em 517 d. C.

Talvez existam provas arqueológicas que nos apontem o caminho para chegarmos ao Artur histórico. Os locais mais associados ao rei Artur na literatura ficam todos na parte mais ocidental de InglaterraTintagel, o local onde o rei nasceu; Camelot, o local das reuniões da Távola Redonda; e o alegado local onde está enterrado, em Glastonbury. A suposta descoberta dos túmulos do rei Artur e da rainha Guinevere pelos monges da Abadia de Glastonbury, em 1190 d. C., é vista agora como um elaborado embuste, inventado pelos monges para angariarem dinheiro para a abadia, que fora recentemente profanada pelo fogo. No entanto, alguns investigadores acreditam que a própria Glastonbury tinha ligações com Artur, sugerindo que a região à volta de Glastonbury Tor (um monte nas imediações da cidade moderna) pode ter sido a ilha de Avalon, onde Artur foi acolhido depois de sofrer as feridas fatais na batalha de Camlann. Cadbury Castle, que fica apenas a dezanove quilómetros de Glastonbury, é um monte fortificado da Idade do Ferro que foi reocupado na Idade Média, sendo o local mais vezes identificado com Camelot. No Século VI d. C. o forte foi convertido numa vasta cidadela, com enormes muralhas defensivas, e a partir dos achados feitos no local, como jarros de vinho importados do Mediterrâneo, é de crer que este lugar foi o trono de um governante importante e influente da Idade Média. Poderia ter sido este o fundamento do poder de Artur?

Excalibur
Excalibur

Um local alternativo, alegadamente a terra natal de Artur, é Tintagel Castle, na Comualha, um condado rico em nomes de lugares arturianos. Apesar de a principal estrutura de Tintagel ser medieval, trabalhos arqueológicos levados a cabo no local revelaram que era uma importante fortaleza e um centro de comércio da Idade das Trevas, com achados que incluem enormes quantidades de vinho e jarros de azeite da Ásia Menor, do Norte de África e do mar Egeu. Em 1998 foi encontrado no local um pedaço de ardósia com a seguinte inscrição em latim: «Artognou, pai de um descendente de Coll, mandou construir isto.» Artognov é a forma latina do nome celta Arthnou, ou Artur. Mas o rei Artur é uma lenda? Infelizmente não há forma de o sabermos. Tal como com Cadbury Castle, temos uma importante fortaleza e centro de comércio, obviamente o lar de um poderoso chefe britânico que viveu no Século VI d. C., a época da lenda de Artur. Temos o cenário das lendas, mas com as provas disponíveis não podemos ir mais longe.

Tem havido muita especulação sobre quem Artur poderia ter sido se se tratasse de uma personagem histórica. Uma teoria afirma que Artur era um líder romano-britânico chamado Ambrósio Aureliano, que lutou contra os Saxões, não no Século VI mas no final do Século V, algumas décadas depois de as legiões romanas terem abandonado a Grã-Bretanha. Outros investigadores, entre os quais o notável estudioso arturiano Geoffrey Ashe, identificaram Artur como Riótamo, um líder militar activo cerca do Século V d. C. e chamado «Rei dos Britânicos» numa fonte. Lutando ao lado dos Romanos e acompanhado por um enorme exército, ele participou na campanha contra Euric, rei dos Visigodos na Gália (França), mas posteriormente desapareceu algures em Borgonha, em 470 d. C. O nome Riothamus parece ser uma latinização de alto chefe ou rei supremo, por isso era mais um título do que um nome pessoal, o que pode justificar a diferença face ao nome Artur. Um pormenor fascinante que parece apoiar a teoria de Riótamo como Artur é que os exércitos deste rei britânico foram aparentemente traídos por uma carta enviada por um certo Arvandus aos Godos, que foi de seguida executado por traição. Numa crónica medieval, o nome Arvandus está transformado em Morvandus, que se assemelha a uma versão latinizada de Mordred, o traiçoeiro filho do Artur lendário. Infelizmente, além das suas actividades na Gália nada mais se sabe de Riótamo, por isso não é possível dizer se foi ele a semente a partir da qual cresceu a lenda do rei Artur e da Távola Redonda.

Tendo em conta as provas arqueológicas e textuais, a teoria mais provável é que Artur se trate de uma composição a partir de um ou mais destes chefes britânicos que defenderam a Grã-Bretanha dos invasores saxões, que foram fundidos com elementos da mitologia celta e dos romances medievais, para darem forma ao Artur lendário que hoje conhecemos. Assim, em essência existiu uma base histórica para as tradições arturianas. O facto de a lenda ter sobrevivido tanto tempo é um testemunho de que o carácter de Artur toca num nervo da consciência humana, que dá resposta a uma necessidade enraizada de identificação não só com um herói mas com um rei que simboliza o espírito do próprio território britânico.

Fonte: Livro «História Oculta» de Brian Haughton

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