É difícil imaginar um artefacto histórico mais controverso do que o Sudário de Turim. Por um lado há os que acreditam que o sudário é mesmo o pano em que foi envolvido o corpo de Jesus depois de ter sido retirado da cruz. Por outro lado, os cépticos consideram que o artefacto é um embuste medieval. As questões vitais de como, quando e onde a imagem no pano foi criada são assuntos de intenso debate entre historiadores, cientistas, crentes e cépticos. Mesmo o supostamente decisivo teste de datação por radiocarbono, feito no sudário em 1988, acabou por não conseguir resolver a questão, devido a dúvidas que foram lançadas sobre a qualidade da amostra utilizada nos testes.
O Sudário de Turim é um grande lençol de linho com 4,3 m de comprimento por um metro de largura. Ambos os lados do pano apresentam a imagem de um homem nu com as mãos cruzadas sobre o corpo, que aparenta ter sofrido ferimentos consistentes com crucificação. O seu rosto sereno tem barba e o corpo mede cerca de 1,82 m, o que faz dele um homem alto quer para o Século I d. C. quer para a época medieval. O pano tem manchas vermelho-escuras, semelhantes a sangue, e num pulso (o outro não está visível) vê-se uma ferida circular. Aparecem mais feridas num dos lados, na testa e nas pernas. Nenhum representante da Igreja reclamou fosse o que fosse acerca do sudário, mas muitas pessoas estão convencidas de que a imagem nele contida é a de Cristo crucificado.
A maior parte da história deste objecto é obscura. O primeiro registo acerca dele como Sudário de Turim só surge no Século XVI. No entanto, existem referências anteriores a um pano com a imagem de Cristo. Por exemplo, no Século IV, o historiador da Igreja, Eusébio, bispo da Cesareia, descreve a existência de uma milagrosa imagem de Jesus, pintada em vida, que supostamente estava preservada em Edessa, na Síria. Uma lenda registada por João de Damasco (676–748) descreve como o rei Abgar de Edessa, afligido por uma doença incurável, enviou uma carta a Jesus pedindo-lhe que fosse a Edessa e o curasse. Jesus não pôde ir mas miraculosamente imprimiu uma imagem de si num pano e enviou-o ao rei através de Tadeu (também conhecido como Addai), um dos seus setenta e dois discípulos. Quando Abgar viu a miraculosa imagem (descrita por João como um pano oblongo) ficou imediatamente curado. Esta relíquia sagrada tornou-se conhecida como a Imagem de Edessa, ou Mandylion, para os cristãos ortodoxos. Apesar de a lenda da Imagem de Edessa descrever um rosto num pano quadrado ou rectangular, os investigadores (incluindo o autor, Ian Wilson) sugeriram que a Imagem de Edessa foi dobrada de maneira a mostrar apenas o rosto. Em 944, quando a Imagem de Edessa chegou a Constantinopla, Gregório, o Referendário, arcediácono de Hagia Sophia nessa cidade, fez um sermão em que discutiu o artefacto. A sua descrição torna claro que a Imagem de Edessa era um sudário fúnebre, com a imagem de um corpo inteiro, que mostrava manchas de sangue que se acreditava serem das feridas de Jesus. Este artefacto foi de seguida depositado na Capela Palatina, onde permaneceu até a cidade ser pilhada e queimada pelos cruzados em 1204. Os cruzados trouxeram muitos tesouros de Constantinopla, apesar de não sabermos se entre eles se encontrava ou não a Imagem de Edessa. Contudo, muitos investigadores acreditam que o pano foi trazido para a Europa pelos cruzados nesta época e tornou-se conhecido como o Sudário de Turim.
Em 1357 o sudário foi exibido por Jeanne de Vergy, viúva do cavaleiro francês Geoffroi de Charney, numa igreja da pequena aldeia de Lirey, no Nordeste de França. Em 1453 o pano tornou-se propriedade do duque Louis de Savoy, que o manteve na sua capela em Chambéry, a capital do ducado de Savoy, na moderna região francesa de Rhône-Alpes. Em 1532 o sudário foi danificado num incêndio na capela onde estava guardado (e também pode ter sido danificado pela água quando tentaram apagar o fogo). Freiras de Santa Clara tentaram reparar os danos tecendo remendos no pano. Em 1578 o sudário chegou à sua casa actual, em Turim, e em 1983 tornou-se propriedade da Santa Sé (Cidade do Vaticano), depois de Umberto II, o último da dinastia da Casa de Sabóia, o ter deixado ao Papa em testamento. O sudário permanece hoje em Turim, na capela redonda da Catedral de S. João Baptista.
Em 1988, e com muita publicidade, a Santá Sé autorizou que a relíquia fosse datada independentemente com radiocarbono por três instituições de investigação separadas: a Universidade de Oxford, a Universidade do Arizona e o Instituto Federal Suíço de Tecnologia. Todos os laboratórios utilizaram pedaços da mesma amostra, uma porção de pano com um centímetro por 5,7 cm, tirado do canto do sudário para testes. A conclusão foi de que o objecto era datado entre 1260 e 1390 d. C., a época em que o sudário foi exibido pela primeira vez, e como tal não era a mortalha de Cristo mas uma falsificação medieval.
Outro indício que parece suportar a teoria de que o sudário é uma falsificação medieval apareceu sob a forma de uma carta do bispo Pierre D’Areis de Troyes, no Nordeste de França. Esta carta, escrita em 1389 (ostensivamente para o Papa de Avignon, Clemente VII, no Sul de França), afirma que uma investigação sobre a natureza do pano feita pelo seu antecessor, o bispo Henri de Poitiers, tinha revelado o artista responsável pela sua pintura e pediu que a relíquia fosse retirada de exibição. Na carta diz-se ainda que o pano não poderia ser o sudário fúnebre de Jesus Cristo porque «as sagradas escrituras não fazem qualquer menção de uma impressão deste género; e, se fosse verdadeira, é improvável que o santo evangelista tivesse deixado de a registar, ou que esse facto tivesse permanecido desconhecido até ao presente». No entanto, este documento parece ser um rascunho de uma carta que nunca chegou a ser enviada e alguns investigadores questionaram os motivos do bispo D’Areis, sugerindo que ele cobiçava o sudário para proveito pessoal.
Mas, se o sudário é uma falsificação, quem foi o responsável e como foi feito? No seu livro «O Segundo Messias», Christopher Knight e Robert Lomas afirmam que o rosto do sudário pertence a Jacques de Molay, o último grão-mestre da Ordem dos Templários. De Molay foi preso por ordem de Filipe IV por heresia e queimado numa ilha do rio Sena, em Paris, em 18 de Março de 1314. De acordo com os autores, De Molay foi torturado e pregaram-lhe os braços e as pernas a uma porta de madeira como paródia ao sofrimento de Jesus. Depois disto colocaram a hipótese de que De Molay fora deitado sobre um pano numa cama macia e parte do pano foi desdobrado sobre a cabeça e cobriu a frente do seu corpo. Aparentemente foi então assim deixado, talvez em estado de coma, durante cerca de trinta horas, tempo suficiente para o suor e o sangue do corpo de De Molay formarem uma imagem no lençol.
Outras provas que aparentemente apoiam a teoria de De Molay é que o grão–mestre foi executado juntamente com Geoffroy de Charney, o templário preceptor da Normandia, cujo neto foi Geoffroi de Charney. Depois da morte de Geoffroi de Charney em 1356, na batalha de Poitiers, a sua viúva, Jeanne de Vergy, alegadamente descobriu o sudário entre as suas posses e pô-lo em exibição na igreja de Lirey. A teoria do cavaleiro Lomas depende da fiabilidade dos testes de radio-carbono obtidas do sudário em 1988 e das hipóteses dos autores em relação aos métodos de tortura aplicados em De Molay. Contudo, a imagem no sudário tem de facto algumas semelhanças com retratos medievais de De Molay e com uma sua litografia a cores, feita por Chevauchet no Século XIX.
Outro candidato para ser o rosto do sudário é o polímata italiano Leonardo da Vinci (1452–1519). Os autores Lynn Picknett e Clive Prince propuseram que o sudário representa de facto um auto-retrato de Da Vinci e é possivelmente o primeiro exemplo de fotografia na História da Humanidade. A teoria da fotografia, que foi também proposta por outros investigadores, sugere que a imagem no pano foi obtida com a ajuda de uma camera obscura (uma sala escura com um buraco num dos lados, por onde entrava uma imagem invertida do exterior que era projectada na parede, tela ou espelho opostos, e então traçada por artistas para fazerem a imagem). As principais objecções a esta teoria é que Da Vinci nasceu quase um século depois do aparecimento do sudário nos registos históricos e também viveu fora do período entre 1260 e 1390 d. C. indicado pela datação por radiocarbono.
No entanto, investigações recentes lançaram dúvidas sobre as datas obtidas em 1988. Um artigo do químico Raymond N. Rogers (publicado na edição de Janeiro de 2005 do jornal científico Thermochimica Acta) indica que a amostra original do sudário que foi utilizada para datação por radiocarbono era inválida. Através de testes químicos foi descoberto que a amostra em questão tinha propriedades químicas completamente diferentes do resto do sudário, levando muitos investigadores a acreditarem que a amostra utilizada na datação por radiocarbono deve ter sido cortada de um dos remendos feitos para reparar o sudário depois do incêndio de 1532. Através das suas análises químicas ao pano, Rogers concluiu que este tinha pelo menos mil e trezentos anos.
Em Junho de 2002 foi levado a cabo um grande restauro do sudário, que envolveu a remoção de todos os remendos medievais. Durante esse processo, a perita em restauro de têxteis Mechthild Flury-Lemberg descobriu que o tecido do sudário havia sido feito num padrão de tecelagem utilizado para tecidos de grande qualidade no mundo antigo. Flury-Lemberg também fez notar a presença deste mesmo padrão numa ilustração do Século XII onde se pode ver a mortalha de Cristo, o que sugere que o artista teria conhecimentos suficientes sobre o sudário que lhe permitiriam reconhecer o padrão de tecelagem específico desse pano. Ela também sublinhou as semelhanças entre um padrão de costura pouco comum na bainha de um dos lados do sudário e o que foi encontrado na bainha de um pano descoberto em túmulos da fortaleza judia de Masada, sobre o mar Morto. 0 pano de Masada foi datado entre 40 a. C. e 73 d. C. e Flury-Lemberg acredita que o sudário de Turim tem mais ou menos o mesmo tempo, datado de meados do Século I d. C.
Foi também durante o restauro de 2002 que a parte de trás do pano foi fotografada e digitalizada pela primeira vez. Em 2004, o Instituto de Física de Londres publicou um artigo no Journal of Optics A, em que revelava os resultados da análise das fotografias. Utilizando técnicas de processamento de imagem, os cientistas italianos Giulio Fanti e Roberto Maggiolo, da Universidade de Pádua, identificaram uma ténue e fantasmagórica imagem no verso do pano, em que se vê principalmente o rosto e as mãos. Esta segunda imagem corresponde à da frente do pano e é inteiramente superficial, pondo assim de parte a possibilidade de tinta que tivesse passado de um lado para o outro. Também parece de pôr de lado a teoria de que a imagem no sudário fosse criada utilizando métodos fotográficos arcaicos.
Então a recente reviravolta na sorte do Sudário de Turim significa que ele é de verdade a mortalha de Cristo? Apesar de muitos crentes estarem convencidos de que estes últimos indícios são a prova final da sua autenticidade, os cépticos recusam–se a admitir a possibilidade de que o artefacto seja genuíno. Muitos investigadores esperam agora que o Vaticano autorize a remoção de mais amostras do sudário para a realização de testes, apesar de a Igreja parecer neste momento relutante em fazê-lo. Talvez nunca venha a haver provas científicas de que o Sudário de Turim é, sem margem para dúvidas, a mortalha em que José de Arimateia embrulhou o corpo de Cristo. Acreditar nisso poderá ser sempre uma questão de fé.