Na imaginação popular, Robin dos Bosques é o arquétipo do herói do povo inglês. A sua lenda, tão familiar para pessoas de todo o mundo, permaneceu relevante ao longo de centenas de anos, de tal forma que até os membros do bando de foras-da-lei de Robin (Frei Tuck, João Pequeno, Will Scarlet, Allan a Dale e Lady Marion) tornaram-se nomes familiares. O apelo duradouro do galante fora-da-lei medieval, que rouba os ricos para dar aos pobres e luta contra a injustiça e a tirania de figuras autoritárias como o príncipe João e o maléfico xerife de Nottingham, não dá sinais de desgaste. Mas qual é a origem desta história? Existiu mesmo um Robin dos Bosques escondido nas florestas da Inglaterra medieval, pronto para defender os direitos dos pobres e dos oprimidos?
A mais antiga referência escrita sobre o fora-da-lei, apesar de ser um mero excerto, encontra-se em Piers Plowman, de William Langland, escrito em 1377, onde uma das personagens afirma: «Eu sei as rimas de Robin Hood.» A referência seguinte, e a primeira em que Robin é visto como um fora-da-lei, está na obra «Original Chronicle of Scotland», de Andrew de Wyntoun, escrita por volta de 1420. Num registo sobre o ano de 1283, a crónica descreve Robin dos Bosques e João Pequeno como famosos bandidos da floresta em Barnsdale, no Yorkshire, no Norte de Inglaterra. Quase vinte anos mais tarde, no Scotichronicon, Walter Bower menciona Robin Hood «o famoso criminoso», e João Pequeno num registo sobre o ano de 1266. Bower coloca os bandidos no contexto da revolta de Simon de Montfort contra Henrique III, e mais uma vez na floresta de Barnsdale, a norte do seu lar tradicional na floresta de Sherwood, em Nottinghamshire. Contudo, nesta época as florestas inglesas cobriam uma área muito maior do que hoje em dia e, como os condados de Yorkshire e Nottinghamshire são adjacentes, é muito possível que as aventuras de Robin Hood tenham tido lugar em ambas as florestas.
As restantes referências antigas a Robin dos Bosques encontram-se em baladas e canções, compostas para serem cantadas ou recitadas por menestréis itinerantes. O relato antigo mais significativo sobre Robin dos Bosques encontrado na forma de uma balada é «A Gest of Robin Hood» (na qual a palavra gest provavelmente significa feitos) e da qual foram impressas várias edições a partir de 1500, logo a seguir ao desenvolvimento da imprensa em Inglaterra, levado a cabo por William Caxton. A história desta balada é passada também na floresta de Barnsdale e pensou-se que teria acontecido muito antes da sua impressão, talvez em 1360 ou 1400, mas hoje em dia 1450 é a data geralmente aceite. Nestas baladas já constavam alguns dos elementos da história de Robin dos Bosques tal como a conhecemos hoje. Robin era acompanhado não só por João Pequeno como por Will Scarlet e Much the Miller’s Son. Entre os seus inimigos contam-se os ricos abades da Igreja Católica (que ele rouba) e o xerife de Nottingham, sendo nesta ocasião que surge pela primeira vez o torneio de arco e flecha montado pelo xerife para apanhar o bandido. Robin derrota os inimigos e decapita tanto o xerife de Nottingham como o caçador de prémios Guy de Gisborne. Pelo homicídio do xerife, Robin é perseguido pelo próprio rei Eduardo na floresta de Sherwood, mas depois de jurar fidelidade ao rei é perdoado. Posteriormente, Robin acaba por servir na corte do rei, mas o seu cargo torna-o aborrecido e inquieto. Assim, regressa à floresta, onde mais uma vez volta a viver como um fora da lei. Muitos anos mais tarde, Robin fica doente e faz uma viagem para visitar uma prima, a abadessa de Kirklees Abbey, em busca de tratamento médico. Mas Robin não sabia que a prima era amante de um seu inimigo, Sir Roger de Doncaster, e esta deixou-o esvair-se em sangue até à morte. Antes de morrer, Robin dispara a sua última flecha pela janela e diz a João Pequeno para o enterrar onde a flecha cair.
Nesta época faltavam, contudo, alguns aspectos populares da história. Os Normandos ainda não eram retratados como vilões e não há uma luta contra um maléfico príncipe João, nem uma amizade com o seu benevolente irmão, o rei Ricardo Coração de Leão. Só em 1819 na obra «Ivanhoe», de Sir Walter Scott, é que Robin ficou estabelecido como o inglês que combatia os opressores normandos. O romance de Scott também deu mais importância à personagem do Frei Tuck. Em contraste com as histórias e peças mais recentes em que Robin é representado como um nobre, nas primeiras baladas Robin é visto como um plebeu (um comerciante ou um agricultor) e não se menciona que ele desse o que quer que fosse aos pobres. Apenas em 1598, numa peça destinada a um público aristocrático, é que o estatuto de Robin foi elevado para se transformar em Robert, o conde de Huntingdon. Foi também no final do Século XVI que se estabeleceu pela primeira vez o romance com Lady Marion, possivelmente em peças escritas para os Jogos de Maio, celebrações da Primavera que tinham lugar no início de Maio. Mas Lady Marion só se tornou numa personagem principal aquando da publicação do romance de Thomas Love Peacock «Maid Marian», em 1822. Contudo, ela já se encontrava ligada à história desde cerca de 1500.
Sempre se colocou a questão se por trás destas baladas, histórias e peças se encontra uma verdadeira figura histórica, pois existem certamente muitos candidatos para assumir a identidade do verdadeiro Robin dos Bosques. Infelizmente, os registos ingleses dos Séculos XIII e XIV contêm muitas referências a pessoas com o sobrenome Hood, e como Robert e a sua forma alternativa de Robin eram nomes cristãos bastante comuns à época, encontrar o lendário Robin Hood é extremamente difícil. Contudo, existem algumas possibilidades. Nos registos do tribunal de York, referentes ao ano de 1226, um homem de Yorkshire chamado Robert Hod é dado como fugitivo e em 1227 aparece de novo com a alcunha de Hobbehod, cujo significado é pouco claro. Infelizmente, nada mais se sabe deste Robert Hod. Outra possibilidade é Robert Hood, filho de Adam Hood, um silvicultor que trabalhava para John De Warenne, o conde de Surrey. Ele nasceu em 1280 e viveu em Wakefield, no Yorkshire, como arrendatário, com a sua esposa Matilda. Wakefield fica apenas a dezasseis quilómetros de Barnsdale, o cenário das aventuras de Robin nas baladas, e em algumas lendas dizia-se que o pai de Robin era um silvicultor chamado Adam. O nome Matilda também foi o nome verdadeiro de Lady Marion em duas peças na época da rainha Isabel. Em 1317 Robert Hode desapareceu depois de não comparecer ao serviço militar. Apesar de haver algumas semelhanças entre este Robin de Wakefield e o Robin Hood da lenda, as histórias do Robin dos Bosques já circulavam antes do seu tempo pelo que é um candidato um tanto tardio. Com efeito, existem registos de tribunal desta época, em que o termo Robinhood se tornara sinónimo de fora-da-lei, e antes de 1300 houve pelo menos oito pessoas a quem foi dado esse nome ou o assumiram.
Este facto está ilustrado no caso de William de Fevre, de Enborne, em Berkshire, que em 1261 é visto como um fora-da-lei nos registos do tribunal de Reading. Um ano mais tarde, na Páscoa de 1262, um documento real mudou-lhe o nome para William Robehood. Se não se tratar de um erro administrativo, isto significa que já em 1262 a lenda do Robin dos Bosques era tão conhecida que outros bandidos recebiam daí as suas alcunhas. Se for esse o caso, significaria que qualquer Robin dos Bosques verdadeiro nunca poderia ser posterior a 1261 ou 1262. De forma alternativa, pode também ser um indício de que a alcunha Robin Hood dada aos bandidos da época é que acabou por inspirar a lenda, por isso não pode ser tomado como uma prova definitiva de que Robin Hood existiu tão cedo.
Foi avançada uma teoria fascinante por Tony Molyneux-Smith, num livro de 1998 chamado «Robin Hood and the Lords of Wellow», que sugere que o Robin dos Bosques não era um só homem, mas um pseudónimo assumido pelos descendentes de Sir Robert Foliot, que detinha o senhorio de Wellow, perto da floresta de Sherwood, até ao final do Século XIV. É de facto intrigante, mas torna-se necessário efectuar uma investigação mais pormenorizada a esta família e às suas origens para identificar positivamente os Foliot como a origem da famosa lenda.
Claro que Robin dos Bosques não foi a primeira ou a única lenda medieval sobre foras-da-lei. As fugas destemidas, os salvamentos e os disfarces desta lenda foram certamente influenciados por feitos reais e míticos de bandidos da vida real. Um desses exemplos é o pirata e mercenário Eustáquio, o Monge (c. 1170–1217). Os seus feitos estão relatados num romance do Século XIII e também na «Chronica Majora» (Crónica Principal) de um seu contemporâneo, o historiador Matthew Paris. Outro modelo histórico para a lenda de Robin dos Bosques é Hereward (o Vigilante). Este líder criminoso do Século XI comandou a resistência inglesa contra William, o Conquistador, e defendeu a ilha de Ely, nos pantanais do Sul de Lincolnshire, dos invasores normandos. Hereward tornou-se num herói popular pouco tempo depois da sua morte e no período de cem anos os seus feitos eram celebrados em canções nas tabernas. O lendário Hereward já estava estabelecido aquando da publicação de «Estorie des Engles», de Geoffrey Gaimar, escrito por volta de 1140, e «Gesta Herewardii Saxonis» (Os Feitos de Hereward, o Saxão), do mesmo período. Muitas das características do herói fora-da-lei mais tarde associadas a Robin dos Bosques podem ser encontradas nos contos de Hereward. Ele era corajoso, cortês, inteligente e um mestre do disfarce, e também estava sempre alerta, como pode ser percebido no seu nome, the Wake, que significa o Vigilante.
Outro herói da época foi Fulk FitzWarin. Uma lenda passada no início do Século XII conta como Fulk, um jovem nobre, foi enviado ao rei João, de Inglaterra. Eventualmente o rei torna-se seu inimigo e confisca as terras da sua família. Assim, Fulk refugia-se na floresta e vive como um fora-da-lei. A história contém incidentes que fazem lembrar episódios da lenda de Robin dos Bosques. Por exemplo, Fulk testava a honestidade dos viajantes ricos que emboscava e atrai o rei João à floresta, onde é capturado pelo seu bando. No entanto, a lenda de Fulk FitzWarin tem muitos elementos mitológicos comuns às lendas heróicas da antiguidade inglesa, como gigantes, dragões e viagens épicas, coisas que não têm lugar na lenda de Robin dos Bosques.
Uma interpretação completamente diferente de Robin dos Bosques foi avançada com base no seu papel no folclore inglês. Temas pagãos como o Homem Verde (ou Robin Goodfellow) e o Homem Selvagem da Floresta podem ter influenciado o desenvolvimento da lenda de Robin dos Bosques, e esta personagem, bem como a sua história, foi certamente incorporada nos Jogos de Maio, uma celebração da Natureza e da vinda da Primavera, no Século XVI. Mas a ideia de que Robin dos Bosques é apenas uma lenda com origem nestas celebrações é pouco provável, em especial porque a sua história parece ter sido já bem conhecida antes de qualquer associação aos Jogos de Maio.
Se Robin dos Bosques existiu de facto, as provas mais convincentes colocam-no algures no Século XIII, apesar de ser mais provável que ele represente um típico herói fora-da-lei, composto em parte a partir de personagens históricas, mas sem possuir uma identidade histórica individual. A lenda de Robin dos Bosques foi construída gradualmente durante mais de setecentos anos, geralmente para ir ao encontro dos desejos e das necessidades do seu público. De facto ainda hoje está em desenvolvimento, como foi evidenciado pelos novos mitos adicionados à história no filme de 1991 «Robin dos Bosques: Príncipe dos Ladrões», protagonizado por Kevin Costner. Aí, além de ser colocado no final do Século XII como um cruzado que regressa, também é mostrado a lutar na floresta contra ferozes guerreiros celtas pintados, mais de mil anos depois de terem deixado de existir na realidade. Sem dúvida, a lenda continuará a desenvolver-se e a mudar no futuro, tal como aconteceu no passado; isto faz parte da história-mito que é Robin dos Bosques.