O início dos governos de iniciativa presidencial representaria para o Partido Socialista um período de oposição, em circunstâncias que jamais previra. Oposição ao projecto informe do presidente Ramalho Eanes que para muitos apresentava aspectos algo subreptícios que o PS, pela voz do seu secretário-geral, consideraria em entrevista ao Nouvel Observateur “de novo um perigo para Portugal“, pois estávamos a assistir outra vez “a uma ofensiva da extrema-direita para…criar um regime autoritário de fachada democrática”. Como diria ainda, mais grave era o facto de “haver urna sombra militar que se (desenhava) na vida civil do país, motivada pela atitude do chefe do estado” [1]. Na sua opinião esta viragem devia-se à sua própria exoneração de primeiro-ministro do segundo governo, “derrubado por um acto do presidente da República” [2].
E a oposição cada vez mais atraente projecto político de Sá Carneiro, de novo regressado em força à ribalta Política. No seio do Partido Socialista reinava grande confusão, com o seu principal líder em verdadeiro pânico. O seu grande objectivo era então ser presidente da República em 1980, mas a crise atingira o PS cedo demais e ambos sairiam do governo rodeados de grande impopularidade. Tendo rejeitado o acordo com Sá Carneiro, em 1976, Soares via-se agora na contingência de ser derrotado pelos seus dois principais adversários políticos, em fase de crescimento junto da opinião pública. Ramalho Eanes enquanto presidente, então extremamente popular e claramente presidenciável e Francisco Sá Carneiro em grande ascenção Política, demonstrando pela primeira vez que poderia atingir o poder sem “auxílio” do PS. O que era novidade para todos, mas motivo de receio e de frustração para a esquerda. Mas, apesar de tudo, a situação Política permaneceria potencialmente favorável a Mário Soares se ele então soubesse, com clareza, definir o seu projecto pessoal e o projecto partidário mais apropriado para a situação calamitosa em que os dois governos o tinham “enterrado”. Hesitou, entrou em pânico e não fossem os apoios vitais de que ainda dispunha no partido, tudo teria perdido. Apesar de ser conhecida a sua opinião a respeito de Ramalho Eanes, continuaria a hesitar e a querer exercer sobre o presidente uma espécie de “coacção”, dando-lhe a entender que ou ele se portava bem ou o PS o não apoiaria em 1980. Este cenário político, de confusão no seio do PS, de hesitação do seu secretário-geral, de crescimento da direita e de cada vez maior popularidade de Eanes, constituíam a situação ideal para o recém-entrado grupo da Intervenção Socialista.
Uma parte da chamada esquerda “revolucionária” abandonara o PS no momento da coligação com o CDS e Soares convencera-se de que seria entre estes recém-aderentes do grupo de Jorge Sampaio que estaria a recuperação eleitoral e a luta “alfabetizada” do PS contra a “sombra militar” do general Eanes. Como tal, estes “ex-MES” teriam honras de convento e uma rapidíssima promoção partidária, só compreensível pelo estado de desânimo a que chegara o secretário-geral. Mas revelar-se-ia, uma vez mais, que seriam os “beócios” [3], quem em grande parte o salvaria no seu enorme esforço de sobrevivência Política destes anos de crise. Seriam, na minha opinião, a hesitação de Mário Soares e os momentos de grande desarticulação e de opacidade em que ele ciclicamente tombaria, os principais responsáveis pela grande crise que o PS e o país atravessariam durante este período. Queria ser o candidato do PS às presidenciais de 1980 e definira esse como seu principal objectivo durante a vigência dos seus dois primeiros governos, mas seria exonerarado do cargo de primeiro-ministro no momento em que Eanes claramente assumiria o poder real no país, através do seu controlo das forças armadas e dos governos presidenciais [4]. Por outro lado, tinha deixado escapar a iniciativa Política para o líder do PSD, Francisco Sá Carneiro. E, apesar de um crescente sentimento de ódio relativamente ao presidente da República, em vez de o enfrentar com clareza, iniciaria um discurso extremamente confuso contra a direita em geral, no convencimento de que a recém-adquirida “inteligência” no PS lhe permitiria travar o movimento do pêndulo político para a direita e colocá-lo, a ele, na desejada rota do Palácio de Belém.
Aliás, a movimentação Política do país para a direita parecia contraditória com o crescente aumento de apoio da esquerda a Ramalho Eanes que, curiosamente, se dava ares de esquerda mas apoiava, de facto, a direita, como o afastamento do PS e os governos de sua iniciativa indicariam. Portanto, enquanto Soares contaria com o “partido” e, sobretudo, com os “ex-MES” para combater a “sombra militar”, o general Ramalho Eanes concentraria todas as atenções na área do PS, numa estratégia de penetração evidente. Enquanto para Soares, os socialistas e o grupo do “ex-MES” deveriam ser, dentro da lógica da esquerda democrática, anti-militaristas e nunca, de modo algum, poderiam preferir um militar a um civil socialista, republicano e laico. Dentro do conhecimento da realidade Política e até das declarações do próprio Eanes, era conhecido que, sem o apoio do PS, Eanes se não recandidataria em 1980. Só que, em última instância, e para grande surpresa de Mário Soares, seriam os “beócios” e não os que ele considerava a “esquerda letrada” quem iria defender a tese da esquerda anti-militarista, republicana e laica. Tal hesitação na acção e ambiguidade nas palavras levaria inclusive a que Soares procurasse, desesperadamente, mas sem êxito, o apoio de um Salgado Zenha, então já profundamente agastado com o seu velho amigo e companheiro. Ao ser-lhe perguntado, após ter sido “despedido” do cargo de primeiro-ministro, se ainda iria apoiar a candidatura do general Ramalho Eanes, responderia, na esperança de poder vislumbrar uma faísca de apoio do seu ex-amigo, que “como tem sido dito, designadamente pelo camarada Salgado Zenha… (tal) é um problema prematuro. Até lá, muita água correrá por debaixo das pontes” [5]. Muita água correria, na realidade, debaixo das pontes mas também era evidente que em matéria de candidatos à presidência da República os desejos de Mário Soares já então não passariam de palpites! Durante um longo período que irei analisar neste capítulo a “água que correu debaixo das pontes” não seria levada “ao moinho” de Mário Soares. Mas, uma vez mais, a amizade e solidariedade dos chamados “soaristas” provou ser imprescindível, ao mesmo tempo que a “mãozinha” dos americanos, com destaque para Carlucci, seria de novo a “fada madrinha” da sua recuperação.
Quando começou a crise no Partido Socialista, já só praticamente as relações internacionais, o gabinete de estudos e as fundações, que entretanto movimentavam consideráveis meios financeiros, funcionavam a cem por cento. O resto do secretariado nacional estava completamente paralisado com acusações mútuas sobre a responsabilidade da inesperada queda do segundo governo e desmobilizado em relação às grandes batalhas que se aproximavam. António Guterres, responsável pelo gabinete de estudos, coordenava o “Programa do PS para os anos 80” que seria apresentado publicamente em Dezembro, como documento-base programático a ser apresentado no terceiro congresso, previsto para Março de 1979. Guterres mostrara ser um dirigente extremamente dinâmico e apesar das suspeitas de Soares e do partido em geral em relação ao seu passado político e em relação aos boatos que corriam de que ele seria da “Opus Dei“, o seu trabalho era quase a excepção à regra do que acontecia a nível de direcção do PS. Jaime Gama, responsável pelas estruturas de base e pela organização do partido olhava para o seu pelouro com enorme apatia e dependia exclusivamente da acção da extremamente dinâmica Maria Rosa Gomes, que dirigia aquele sector com pulso de ferro. Graças a Rosa Gomes, as estruturas regionais e o aparelho do PS não resvalariam para um campo de oposição ao secretário-geral, acompanhando os críticos da direcção do partido, ao contrário do que muitos, então, previam. E se ela fora a principal estratega do acesso de Soares às bases, sem nunca lhe ter sido dado o devido reconhecimento, também o departamento internacional continuaria a movimentar grande parte das actividades “sonantes” que mobilizavam, em grande parte, os notáveis do partido.
Em Junho, após a cimeira em Bruxelas dos líderes dos partidos socialistas de países da Comunidade Europeia, em que eu participaria com Mário Soares, ficaria acordado o princípio da participação do Partido Socialista naquela organização, que coordenava as actividades do grupo socialista europeu. Era uma decisão da maior importância, em 1978, pois estando ainda Portugal no início das suas negociações para a sua adesão às comunidades, a aceitação da participação do Partido Socialista no maior grupo político europeu, seria um gesto profundamente significativo. Algo que nenhum outro partido português poderia fazer na altura e uma demonstração de força em relação ao presidente da República. A entrada formal neste grupo, a então União dos Partidos Socialistas da Comunidade Europeia, hoje Partido Socialista Europeu, teria lugar em Janeiro de 1979 no décimo congresso da organização.
Outro acontecimento da maior importância para o Partido Socialista, que reforçaria igualmente o papel de Mário Soares na Internacional Socialista e, mais importante ainda, junto dos governos dos Estados Unidos e da Europa, foi a conferência que eu organizaria no Estoril para analisar os “Processos de Democratização na Península Ibérica e na América Latina“. Seria um “show” mediático inédito na Europa, onde iriam estar presentes dirigentes de partidos que se reclamavam da família social-democrata de todos os países da América Latina e socialistas europeus como Willy Brandt, Felipe González e Bettino Craxi, entre muitos outros. Muitas das personalidades presentes nesta reunião, organizada pelo departamento internacional do PS e, totalmente, financiada pela fundação Friedrich Ebert, viriam, posteriormente, a ocupar lugar de grande relevo nos seus países. Jaime Paz viria a ser presidente da Bolívia, Leonel Brizola viria ser governador do estado do Rio de Janeiro, Luis Alberto Monge presidente da Costa Rica, Rodrigo Borja presidente do Equador, Ernesto Cardenal ministro do governo sandinista da Nicarágua, Humberto Lopez Tirone embaixador do Panamá em Lisboa, Salvador Jorge Blanco presidente da República Dominicana e Enrique Tejera Paris ministro das relações exteriores da Venezuela. Outros como Guillermo Ungo e Hector Oqueli de El Salvador e Alberto Fuentes Mohr da Guatemala seriam barbaramente assassinados, enquanto lutavam pela restauração da democracia nos seus países. Seria, de acordo com Willy Brandt, “a primeira vez que se (reuniam) na Europa partidos e personalidades latino-americanas e europeias… ligados aos ideais da social-democracia”, sendo certo que cada um dos “presentes sabe e sente que: um Portugal e uma Espanha democráticos significam esperança e confiança a uma renovação democrática na América Latina” [6]. Bastaria recordar que, naquela altura, em 1978, a esmagadora maioria dos países da América Latina vivia sob regimes de ditadura militar e que, desde então, essa situação iria ser radicalmente invertida no Brasil, na Bolívia, na Argentina, no Uruguai, no Chile, em El Salvador, no Equador, na Nicarágua, no Panamá e no Peru. Este encontro viria a determinar, de forma clara, o papel do nosso partido na Internacional Socialista, o qual passaria desde então a ser um ponto de referência óbvio em relação à evolução daquele subcontinente. Com a adopção oficial da declaração final desta conferência, pelo décimo quarto congresso da Internacional Socialista que se realizaria em Vancouver, no Canadá, no mês seguinte, estava garantida a primeira reeleição de Mário Soares, enquanto vice-presidente da Internacional Socialista.
Este encontro realizado no Estoril, que teria lugar de 30 de Setembro a 2 de Outubro, seria precedido de uma reunião do “bureau” da organização em Paris, a 29 de Setembro, em que participariam uma grande parte dos representantes de partidos da Internacional Socialista. Para o efeito, o departamento internacional do PS reservara a quase totalidade dos lugares no voo da TAP Paris-Lisboa desse dia. Um incidente ocorrido com o avião, em Lisboa, antes de partir para Paris, obrigaria os participantes a esperar numa sala do aeroporto de Paris umas cinco horas. Willy Brandt estava absolutamente furioso por não ter sido avisado deste atraso e ser obrigado a esperar no aeroporto aquele tempo todo. Situação igual para todos os outros passageiros daquele voo. Assim e enquanto esperava em Orly teve tempo para conversar alongadamente com muitos dos outros participantes à conferência e até com os elementos de apoio do seu próprio partido. Entre estes encontrava-se uma jovem funcionária do departamento de imprensa do SPD, de nome Birgitte Seebacher, que ele aproveitaria para conhecer melhor e que, três meses depois, viria a ser sua mulher. O romance iniciara-se em Portugal e daria lugar a inúmeras especulações em virtude da diferença de idades entre ambos e porque provocaria um divórcio um tanto ou quanto atribulado com a sua primeira mulher.
No congresso da Internacional Socialista realizado em Vancouver na costa oeste do Canadá, o PS seria representado por Mário Soares, Francisco Salgado Zenha e por mim. Aqui, durante os trabalhos, teria oportunidade de verificar que o clima de entusiasmo com que a sua candidatura a vice-presidente da organização fora acolhida dois anos antes, em Genebra, tinha mudado radicalmente. Por várias razões. Em primeiro lugar porque a coligação com o CDS frustrara muitas exectativas não só no Partido Socialista, mas levantara também muitas dúvidas em relação ao líder do PS. Era uma questão de coerência, cara aos socialistas europeus. O homem que, três anos antes, andara a convencer a Europa de que era essencial para a democracia que os comunistas participassem no primeiro governo provisório, conseguiria, depois, apoio internacional na marcha anti-comunista que se seguiu ao 25 de Novembro. E, depois de todas as “démarches” para bloquear a entrada do PSD na Internacional Socialista, coligar-se-ia com o partido da direita portuguesa, o CDS, o único partido que subira significativamente nas primeiras eleições legislativas. Uma outra razão prendia-se com o facto de Mário Soares só ter relações meramente formais com os seus congéneres do norte da Europa. Tinha, do ponto de vista humano, pouco em comum com homens como Willy Brandt, Olof Palme, Bruno Kreisky, Den Uyl, Kalevi Sorsa, Anker Joergensen e até Callaghan.
A ausência desse relacionamento humano, que se verificava entre os seus homólogos, afectava a troca de pontos de vista e o convívio natural entre pares. Assim, após os momentos formais e fora das reuniões formavam-se sempre vários grupos, acabando o líder português, normalmente, por conviver, quase exclusivamente ou com Mitterrand ou com Craxi, ou com os latino-americanos. Não havia portanto, com os principais dirigentes internacionais, a intimidade e o relacionamento que permitissem um contacto regular, um conhecimento mútuo de confiança e um clima de descontracção que é costumário entre amigos. Por outro lado a Internacional Socialista adquirira com Brandt um novo “élan”, numa “nova fase de cooperação internacional entre socialistas democráticos, que alcançasse todos os continentes”, fenómeno a que ele chamaria “ofensiva para uma nova solidariedade”. Esta nova ofensiva atrairia as atenções de todo o mundo e dos lobbies que, junto dos secretários internacionais, visavam influenciar as decisões daquela organização. Sentir-se-iam pela primeira vez com maior acuidade em Vancouver, onde começariam a circular rumores de que Soares reflectia as posições norte-americanas. A ideia de que o líder português pudesse ser uma “cunha” americana na Internacional Socialista seria discutida, nos corredores, até à exaustão e alguns secretários de relações internacionais sugeririam mesmo que Felipe González, em rápida ascenção de prestígio, passasse a desempenhar as funções de chefe de missão para a América Latina, que Soares iniciara no início de 1978, com a viagem à República Dominicana e à América Central. O próprio Brandt sentira, na conferência que eu organizei no Estoril um mês antes, necessidade de lembrar González quando, ao mencionar os progressos de democratização naquele sub-continente, se referiu à missão de Mário Soares acrescentando, contudo, que “os contactos com a América Latina têm sido ampliados também de maneiras variadas, o que se deve agradecer, e não por último, a Felipe González e seus amigos” [7].
Como já referi, a ideia de que Mário Soares era um homem dos americanos podia motivar especulações de bastidores e algumas intrigas de lobbies mas, como eu diria, era exactamente esse facto que fortalecia a sua posição enquanto “mediador” com a América Latina! Afinal as modificações essenciais no mundo e, em particular, nos países vizinhos do gigante americano só poderiam ter êxito com o concurso dos EUA e, portanto, era exactamente a ideia de que Mário Soares tinha acesso aos americanos que lhe dava importância internacional. Seria, assim, reeleito juntamente com González e mais 18 vice-presidentes mas era visível que tinha terminado o seu estado de graça e que tudo o que viesse no futuro dependeria dos seus actos e dos actos dos seus colaboradores. Mas, não fosse o diabo tecê-las — ou não fossem os amigos esquecer — eu próprio proporia antecipadamente por escrito a sua candidatura, em nome do PS português [8]. No entanto, uma vez eleitos os vice-presidentes em Vancouver ficara claro que a estratégia de Willy Brandt, verificado ser impossível — sem lamentações — conseguir rodear-se de um número de vice-presidentes considerado eficaz e prestigiante, passara a ser a de inflaccionar aquele órgão, desprestigiando-o. Em Madrid, em 1981, a IS passaria a ter 21 vice-presidentes e no congresso que se realizaria no Algarve, em 1983, este número seria aumentado para 25 vice-presidentes! Um número que, dificilmente, seria interpretado como funcional. Mário Soares percebera logo após o 25 de Abril que a chave do seu êxito político em Portugal passaria obrigatoriamente pela aquisição de prestígio internacional. E o alcance desse tão desejado prestígio, embora obrigatoriamente passasse pela Internacional Socialista iria, sobretudo, depender do seu relacionamento com as futuras administrações americanas. Mas, em qualquer dos casos, iria precisar da Internacional Socialista para ser reconhecido pelos EUA e dos americanos para poder ter um papel na Internacional Socialista.
Em matéria de evolução democrática da América Latina seria da maior importância o facto de o PS ter actuado sempre com grande moderação e com alguma sintonia com a Política americana. Mas, exactamente por isso, foi possível nalguns casos, por incrível que possa parecer, fazer com que a Política norte-americana em relação à América Latina moderasse os seus tradicionais ímpetos intervencionistas, para seguir as posições por nós recomendadas. O caso da nossa “intervenção” na República Dominicana seria um modelo para a América Central, que algum tempo depois se viria a reflectir na Nicarágua mas também influenciando decisivamente quer a IS quer os EUA, noutros casos específicos, como, para mencionar só alguns, o Equador e o Brasil. Lionel Brizola, antigo governador do estado do Rio Grande do Sul e cunhado do ex-presidente brasileiro João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964, vivia exilado no Uruguai. Brizola tinha conduzido a resistência armada, em Porto Alegre, ao golpe militar do general Castelo Branco durante vários meses, mas acabaria por sucumbir. O coronel Vernon Walters era então adido militar junto da embaixada dos EUA no Rio de Janeiro e, aparentemente, “coordenava as operações da CIA no Brasil” [9]. Quando, em 1977, os militares tomaram o poder no Uruguai, a presença de Brizola naquele país vizinho do Brasil tornou-se cada vez mais difícil, correndo o perigo de ser assassinado ou extraditado para o Brasil. O primeiro-ministro Mário Soares conceder-lhe-ia então asilo em Portugal. Mas também nos EUA as coisas estavam a mudar e o presidente Jimmy Carter concederia igualmente a Brizola autorização para residir naquele país. Lionel Brizola e sua mulher Neuza optariam por viver parte do tempo em Lisboa, no hotel Florida e parte do tempo em Nova Iorque, no hotel Roosevelt. Aquele dirigente brasileiro estava contudo desfasado da política contemporânea, sobretudo da Europa, e pedir-me-ia apoio político e financeiro. Era sua intenção aproximar-se da Internacional Socialista e reconstruir o “seu” antigo e tradicional Partido Trabalhista Brasileiro. Brizola e eu rapidamente estabeleceríamos laços de amizade e, durante alguns anos, eu seria uma espécie de secretário de relações internacionais do PS e do partido de Lionel Brizola. Mas nem tudo seriam rosas. Na IS muitos dos partidos norte-europeus, cada vez mais radicalizados em relação à América Latina, tinham uma clara preferência por Inácio Lula, o conhecido dirigente sindical e outros preferiam uma associação com o MDB, Movimento Democrático Brasileiro. Em qualquer dos casos, um trabalho persistente da nossa parte e a integração de Lionel Brizola nas delegações, quando convites individuais não eram possíveis, iriam possibilitando essa integração. Também a seu pedido abordaria os americanos. Brizola estava consciente das dificuldades e do facto de que até à sua chegada a Portugal Vernon Walters, que ele pretendera que seu cunhado, o presidente Goulart, afastasse do Brasil em 1964, tinha sido subdirector da CIA.
Quando Frank Carlucci regressou a Washington após ter sido designado pelo presidente Carter, em Dezembro de 1977, para substituir Henry Knoche [10] para o cargo de subdirector daquela poderosa organização, eu teria com ele uma longa conversa em Langley, em Novembro de 1978, no meu regresso de Vancouver. Conversa que tivera também na véspera também durante um jantar que Richard Melton e a sua mulher ofereceram à minha mulher e a mim, na sua casa. Era a minha intenção convencer os americanos a exercerem pressão sobre o presidente brasileiro, general Figueiredo, para que autorizasse o regresso de Brizola ao seu país. Carlucci não me pareceu convencido, dizendo-me que conhecia muito bem os militares do Brasil e nem em cem anos eles perdoariam a Lionel Brizola. Disse-me contudo que o seu governo o tinha autorizado a residir nos EUA e que ele tudo faria para o apoiar embora, repito, não acreditasse na vontade dos militares para uma mudança brasileira para a democracia parlamentar. O seu “feeling” no caso de Portugal era obviamente diferente do que tinha em relação ao Brasil e eu teria várias oportunidades posteriores de lhe demonstrar como ele se tinha enganado. O nosso apoio seria determinante para Brizola, que compreendeu a necessidade de reorganizar o seu “velho” partido, o Partido Trabalhista. Assim, com o apoio individual de militantes do Partido Socialista e algumas verbas que tive que pedir a partidos da IS e a Siegfried Bangert, responsável pelas relações internacionais da fundação Ebert, dado que me não seriam concedidas pelo Partido Socialista para este fim, Brizola conseguiu reunir 70 personalidades vindas clandestinamente do Brasil [11] para, na sede do PS, no Largo do Rato, relançar o seu partido. Dadas as dificuldades financeiras que me seriam impostas, vários militantes do PS oferecer-se-iam para trabalhar voluntariamente para que tudo decorresse na melhor ordem. Foram os nossos militantes que deram todo o apoio logístico, desde dactilografia, gravação de som, transportes e até as refeições seriam confeccionadas por nós durante a duração do congresso. Foi um acto genuíno de solidariedade que Brizola nunca esqueceria.
Em Setembro de 1979, Lionel Brizola seria autorizado a regressar ao Brasil, candidatando-se, pouco tempo depois, a governador do estado do Rio de Janeiro. Em 1982 Bernardino Gomes iria ao Brasil, no quadro, da FRI, para estudar a situação. Faria um relatório no qual exprimia a sua opinião de que Brizola tinha grandes possibilidades de sair vencedor. Mário Soares faria circular esse relatório por alguns líderes europeus, na tentativa de angariar apoios financeiros. A direcção do SPD e da fundação Ebert discordariam das conclusões a que Bernardino Gomes chegara após a sua viagem ao Brasil, no âmbito das actividades da fundação de relações internacionais e que eram contrárias às que o escritório da fundação Ebert no Rio de Janeiro tinha feito circular. Mas Brizola seria eleito governador em finais de 1982 e as suas relações com os militares e, nomeadamente, com o presidente Batista Figueiredo, melhorariam consideravelmente. O partido de Brizola, que por impedimento jurídico não pôde adoptar a sigla PT (Partido Trabalhista) dado que Ivete Vargas se adiantara a registar o nome para impedir que o seu herdeiro natural o pudesse fazer, passou então a denominar-se PDT, Partido Democrático Trabalhista. Este partido ingressaria na Internacional Socialista no congresso de Albufeira, em 1983, como membro de pleno direito. Willy Brandt diria, nessa ocasião, que, a partir daquela data, o SPD iria seguir os conselhos do PS em matéria de Brasil, numa clara referência à gaffe da fundação Ebert. Nos Estados Unidos, o antigo conselheiro da embaixada em Lisboa, Richard Melton, que, sob a coordenação de Carlucci, seguira as actividades do PS até finais de 1977 e que eu apresentara a Brizola em Nova Iorque, seria posteriormente designado embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
Conclui o antigo embaixador de Portugal em Washington, João Hall Themido, no seu interessante livro de memórias, «Dez Anos em Washington», “que Carlucci terminou a sua missão em Portugal em finais de 1978 [12] quando foi designado director adjunto da CIA. Dir-se-á que a sua tarefa no nosso país estava concluída, coincidindo a sua saída de Lisboa com o início da queda de Mário Soares e do processo que levaria Sá Carneiro ao poder. O destino ajudou Carlucci, evitando-lhe um confronto, que seria difícil, com o novo primeiro-ministro [13]. Embora as datas não coincidam muito bem com o pensamento do seu autor, uma vez que Sá Carneiro só chegaria ao poder após as eleições de finais de 1979, a análise do então embaixador português na capital norte-americana está correcta se se considerar que, na realidade, Sá Carneiro sempre acusara Carlucci de favorecer o PS. Mas o que, por cortesia ou distracção diplomática, aquele embaixador não detectou, foi que Carlucci seria de longe mais útil a Soares depois da sua nomeação para a CIA do que seria, de qualquer modo, a partir de 1978, à frente da embaixada em Lisboa. No seu próprio livro, Hall Themido relataria que “há ainda a destacar a visita de Mário Soares, em Maio de 1979, dado que, embora com carácter não oficial, o visitante recebeu atenções que excederam o que seria normal naquelas circunstâncias, deixando mal escondido o apoio do departamento de estado [14], dado em termos diferentes daqueles concedidos a Sá Carneiro, na sua visita em Outubro seguinte. Além de ter colaborado na organização do programa da visita, o departamento de estado concedeu facilidades no domínio da interpretação e do transporte (facultado por Richard Melton, antigo funcionário da embaixada americana em Lisboa). Mário Soares avistou-se com Mondale, Vance, Brzezinski, McGovern e Carlucci” [15].
Aquela visita particular aos EUA fora preparada por Richard Melton, numa altura politicamente difícil para Mário Soares. Fora exonerado do cargo de primeiro-ministro, Ramalho Eanes continuava cada vez mais popular e a AD, liderada por Sá Carneiro, estava em clara ascenção. A visita tinha portanto a maior importância e era um claro sinal do apoio americano, quando Mário Soares mais dele necessitaria. Para além de terem havido contactos a que o embaixador não teria acesso com o vice-presidente dos EUA Walter Mondale, com o secretário de estado Cyrus Vance, com o conselheiro nacional de segurança Zbigniew Brzezinski e com Robert Hunter da Casa Branca, o amigo Frank Carlucci era então o director adjunto da CIA. Director adjunto numa posição muito especial de poder e de confiança do presidente dos EUA, num momento em que o director da CIA, Stansfield Turner, era já “o director mais mal-amado e sobre o qual recaía a maior desconfiança” [16] e em que “o verdadeiro poder estava nas mãos de conselheiro nacional de segurança (Brzezinski) que de forma crescente juntava e sintetizava a inteligência recebida das várias agências” enquanto Stansfield Turner, “em contraste, foi relegado para uma posição de mediador de conflitos entre interesses burocráticos” [17]. Os elementos mais influentes na CIA, em Maio de 1979, altura em que eu e Mário Soares visitámos Washington, eram exactamente os seus anfitriões, o conselheiro nacional de segurança Zbigniew Brzezinski, o director adjunto da CIA Frank Carlucci e o membro do conselho de segurança da casa branca, Robert Hunter. A visita teria pois a especial importância de sublinhar o apoio americano a Mário Soares, no momento em que Frank Carlucci detinha aquele importante posto e viria no seguimento de contactos amistosos que o líder português estabelecera a partir dos anos 60. Assim, faria todo o sentido o destaque e atenção que o antigo embaixador concedia a esta visita, num momento em que o líder socialista português não detinha qualquer cargo oficial. E, explica o porquê de a visita ter recebido “atenções que excederam o que seria normal naquelas circunstâncias, deixando mal escondido o apoio do departamento de estado, dado em termos diferentes daqueles concedidos a Sá Carneiro“.
A visita de Sá Carneiro aos EUA, em Outubro de 1979, partira de uma iniciativa do embaixador Richard Bloomfield [18]. Embora sendo um liberal católico próximo das ideias de Mondale e, como tal, mais próximo do Partido Socialista que do PSD, quis sensibilizar o seu governo para a crescente popularidade do PSD e importância de Sá Carneiro e, de algum modo, distanciar-se da orientação e ênfase com que Carlucci apoiara o PS. Mas pretendia igualmente contrabalançar o apoio que, por razões de política externa americana, a CIA continuava a dar a Mário Soares.
O terceiro congresso do Partido Socialista teria lugar em Lisboa no início de Março e reflectiria a crise que se avizinhava, sendo vivido num ambiente de profunda incerteza. Depois da ocupação, em 1975, do jornal República, que nunca mais seria publicado, os socialistas enfrentavam de novo uma crise na Imprensa. O diário A Luta dirigido por Raúl Rego encerrara as suas portas no princípio de Janeiro de 1979, no meio de uma grande polémica entre jornalistas e de críticas internas dentro do partido, entre os que acusavam a direcção de deixar cair aquele órgão de comunicação social, porque a direcção de Raúl Rego se recusava a aceitar transformar A Luta num órgão oficial do Partido Socialista e não aceitara as constantes “ingerências” do secretário-geral, sempre que no A Luta saíam artigos críticos para os governos socialistas e, nomeadamente, para o segundo governo, e entre os que achavam que A Luta não tinha viabilidade económica, exactamente por reflectir exageradamente as posições da direcção do PS. Mas a tentação do Partido Socialista em relação a um certo controlo da Comunicação Social seria sempre quase tão grande como a sua falta de “habilidade” para a gerir e para com ela se relacionar. O Portugal Hoje não tardaria então a aparecer nas bancas, contando à partida com substanciais apoios financeiros da Noruega. Mas, ignorando o significado do encerramento d’A Luta e a crise que se avizinhava a passos de gigante, Mário Soares consideraria o congresso do PS “um êxito memorável” porque “todas as nossas expectativas, por mais optimistas foram excedidas: o número de congressistas, que ultrapassou largamente o milhar, tendo-se deslocado, todos, a expensas próprias e pago as respectivas estadas; a qualidade da organização e do “décor” do congresso, que transformou radicalmente, por três dias, o velho pavilhão dos desportos; a maturidade Política e a coesão manifestadas, sem excepções assinaláveis, pelos congressistas; a presença de tantas e tão altamente prestigiantes delegações estrangeiras; o interesse apaixonado que os debates suscitaram” [19].
Os militantes do Partido Socialista e o país, em geral, começariam a compreender que quando o secretário-geral fazia declarações exageradamente optimistas, era sempre sinal de que qualquer coisa estava mal no partido. E, a seguir à luta, menos de uma semana após o congresso, Vasco da Gama Fernandes, fundador do Partido Socialista, republicano de gema, socialista desde a primeira hora e laico, como competia a um ilustre membro da Maçonaria, pediria a demissão do partido, por alegadamente se considerar “ofendido, humilhado e traído” pela forma como Mário Soares abordaria no seu relatório ao congresso a sua substituição, meses antes, de presidente da Assembleia da República por Teófilo Carvalho dos Santos. Sem querer discutir os aspectos de natureza pessoal que tanto magoariam Vasco da Gama Fernandes, a sua demissão, segundo sintoma de que não havia razões para optimismo nem para festejos. O PS não estava perante nenhum “êxito memorável”! Contudo, desta reunião magna do partido ressaltariam dois aspectos importantes: O PS continuava a ter excelentes relações internacionais, como o relatório de actividades apresentado e aprovado em congresso testemunhava com uma série de actividades mais característica de um ministério de negócios estrangeiros e, pouco habitual num departamento de relações exteriores de um — à escala internacional — pequeno partido. E seria aprovado o documento “Dez Anos para mudar Portugal, Proposta PS para os Anos 80“, um documento coordenado por António Guterres que demonstrava ser o PS um partido dotado de propostas europeias para governar Portugal e de quadros de qualidade e competência.
Mas o secretariado eleito reflectia igualmente a crise que pairava no ar. A demissão de Medeiros Ferreira, António Barreto e, agora, Vasco da Gama Fernandes e a designação de Jorge Sampaio, entrado no PS poucos meses antes, para o órgão máximo do partido, bem como a crescente incompatibilização com Salgado Zenha, eram um claro sinal de insegurança e um presságio de que Eanes estava atento. Muitos “antieanistas” como eu previam mesmo que ele iria brevemente demonstrar a sua capacidade de movimentar solidariedades dentro do próprio Partido Socialista. Dos catorze membros propostos por Mário Soares e eleitos pela comissão nacional, sete tinham aderido ao PS após o 25 de Abril de 1974 e só Jaime Gama, Salgado Zenha, Tito de Morais, Herculano Pires, António Reis, Alberto Arons e eu próprio estávamos no partido quando se iniciara a revolução. Além de Lopes Cardoso e Aires Rodrigues, que se tinham demitido em 1977, seriam agora afastados da direcção outros “antieanistas”, como seria o caso de Sottomayor Cardia e Marcelo Curto. Num outro congresso, o décimo oitavo, do Partido Socialista Operário Espanhol, realizado em Madrid, em Maio, e a que assistiriam o secretário-geral do PS, Manuel Alegre, eu próprio e um outro elemento que recentemente entrara com o grupo do “ex-MES“, José Manuel Galvão Teles, seria antecipada a crise e a contestação no movimento socialista ibérico. Desse congresso sairia uma situação original que Mário Soares utilizaria, com algumas “nuances“, em 1980. Envolvido numa enorme ambiguidade e radicalismo, um pouco semelhante ao que se passaria no PS depois, algumas das propostas da direcção do PSOE seriam rejeitadas pela maioria dos congressistas e Felipe González, perante tal situação, suspenderia a sua candidatura a primeiro secretário do seu partido, deixando o partido “orfão”. O que levaria à realização de um congresso extraordinário no espaço de seis meses, ficando a sua gestão entretanto entregue a uma comissão presidida pelo presidente do partido, Ramon Rúbial.
Entre os dias 9 e 12 de Abril, estariam na cidade do México os líderes e respectivos secretários internacionais dos partidos ibéricos e dos partidos latino-americanos da Internacional Socialista, que começariam a ser, cada vez mais, um factor de peso naquela organização. Após as conferências de Caracas em 1976 e do Estoril em 1978 e da missão presidida por Mário Soares, cujo relatório preparado em Lisboa viria a recomendar uma participação activa da IS naquele continente, era evidente que as atenções internacionais estariam forçosamente viradas para as questões relacionadas com a sua democratização. Os Estados Unidos, tradicionalmente hostis a regimes democráticos na América Latina, agora sob a presidência de James Carter, de certo modo encorajados pela evolução democrática em Portugal e na Espanha, encetariam um corte radical com o estilo de Política intervencionista daquela grande potência, dando especial ênfase à defesa dos direitos humanos e a “intervenções” favoráveis à democracia. O ênfase no apoio à Política das suas multinacionais, como acontecera no Chile em 1973, passaria, com Carter e Mondale, a ser transferido para a defesa de regimes democráticos e pluralistas. E mau grado as reticências inicialmente demonstradas em relação ao Brasil, Frank Carlucci, então o homem forte da CIA em Washington, seria o pioneiro desta mudança. Embora com algumas nuances, as administrações que a partir de 1981, com Ronald Reagan, iriam ditar as regras, continuariam, em matéria de Política internacional, a apoiar a democratização e o pluralismo político como alternativa a regimes de orientação comunista. Seriam, contudo, mais benévolos do que Carter para com algumas ditaduras anti-comunistas.
O papel do PS permitiria a Mário Soares, enquanto socialista que aparecia aos olhos dos americanos como o “bom” socialista, que derrotara os comunistas e permanecia insensível à “tentação vermelha”, enquanto anfitrião da moderada e prestigiosa conferência do Estoril sobre a América Latina e enquanto chefe de missão que tivera êxito e mostrara coragem na República Dominicana, ser o interlocutor ideal dos Estados Unidos e o candidato mais bem posicionado para continuar a influenciar a Política dos socialistas em matéria de América Latina. Foram estes os dados, e todo o “lobbying” que eu vinha exercendo junto dos meus colegas há meses, que levariam os dirigentes da IS reunidos próximo de Estocolmo, em 20 de Julho, a decidir-se por Mário Soares para chefiar nova missão à América Latina, desta vez à Nicarágua. Teria lugar de 5 a 8 de Agosto e vinha no seguimento de um pedido de Miguel Escoto, que representava, como convidado, a Frente Sandinista de Libertação Nacional e seria ministro dos negócios estrangeiros daquele país, quando ali chegámos poucos dias depois, no dia 5 de Agosto, vindos da cidade do México, via Washington.
Enquanto hospedados no hotel Guest Quarters, ali pertinho da Casa Branca, Frank Carlucci far-me-ia chegar às mãos um pequeno memorando para Mário Soares em que se afirmava que “o governo dos E.U. está disposto e pronto para ajudar com a assistência e o apoio humanitário que os nicaraguenses aceitarem da nossa parte. Os nicaraguenses sabem que nós estamos preparados para ajudar, mas devido à crença popular das relações passadas entre os EUA e Somoza, receamos que as influências moderadoras normalmente exigidas da nação que oferece ajuda e assistência, serão minimizadas pelos elementos pró-cubanos da Frente Sandinista e do governo revolucionário da Nicarágua. Temos que sublinhar que a nossa primeira impressão da vitória da Frente Sandinista é preocupante porque a FSLN chegou ao poder militarmente e por isso mesmo poderá querer perpetuar o seu controlo, excluindo outros grupos de participação num governo verdadeiramente pluralista. Numa nota mais pessoal, Soares reconhecerá certas semelhanças entre a situação na Nicaráguia e a que teve que enfrentar em Portugal em 1975. O melhor caminho é tentar reforçar os elementos moderados. Infelizmente, a Nicarágua não conta com um Mário Soares à volta de quem os moderados se possam organizar. Talvez um dos melhores serviços que Soares poderá prestar às forças democráticas e ao mundo ocidental será a identificação dos líderes não marxistas que possam vir a ser apoiados e que tenham os melhores interesses do seu país em conta. Ficarei muito satisfeito em conhecer os pontos de vista pessoais dele sobre este assunto”.
Na realidade, quando chegámos àquele país, num avião que graças às diligências do então embaixador José Fernandes Fafe, foi colocado à disposição da delegação pelo presidente do México, José Lopez Portillo, sentimos, nós portugueses, que aquele país atravessava uma situação semelhante à de Portugal logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, apesar dos coloridos tons centro-americanos. A guarda nacional somozista ainda resistia ao golpe da Frente Sandinista e pudemos então apreciar a sorte que os portugueses tiveram em matéria de revoluções. O Movimento das Forças Armadas não estava politizado no dia 25 de Abril ao contrário da Frente Sandinista de Libertação Nacional, fortemente influenciada por Fidel Castro e com centenas de quadros treinados em Cuba. Contudo, a Frente Sandinista quis inicialmente conquistar reconhecimento internacional e declarara intenções de moderação e de plena democratização do país. Foi inicialmente designada uma junta de governo de cinco elementos representativos das várias correntes de opinião que incluía Daniel Ortega da Frente Sandinista, Violeta Chamorro viúva do prestigiado jornalista assassinado por Somoza, Joaquin Chamorro, proprietário do jornal La Prensa, Alfonso Robelo que representava o sector empresarial, além de Sergio Ramirez e Moisés Hassan. Também o governo e o conselho de estado incluíam representantes das várias correntes democráticas se bem que fosse evidente a predominância da Frente Sandinista, armada até aos dentes. Por todo o lado se viam jovens de ambos os sexos orgulhosamente fardados e de metralhadora ao ombro. Muitos tinham vindo da Europa e dos EUA para lutarem ao lado da Frente Sandinista. Para muitos europeus, incluindo alguns dos delegados de partidos da Internacional Socialista que integravam a missão, era uma revolução romântica que fazia lembrar Che Guevara e a emoção facilmente se sobrepunha à razão.
Mário Soares, vacinado em 1975 contra as milícias armadas da esquerda revolucionária, iria aqui encontrar as maiores dificuldades. Seria a propósito da Nicarágua, que um ano depois se tinha transformado num conflito Leste-Oeste e, pior que isso, no primeiro conflito sério entre a Europa e os Estados Unidos, que Mário Soares e o PS iriam conhecer o seu primeiro choque com Willy Brandt e com grande parte da Internacional Socialista. A revolução nicaraguense, nunca devidamente analisada em Portugal, poderia ter sido a revolução que se seguiu ao 25 de Abril. A ter havido, em Portugal, uma vitória da esquerda revolucionária e do PCP a 25 de Novembro de 1975, como aconteceu efectivamente na Nicarágua ao fim de um ano, teria implicado uma profunda divisão da esquerda europeia e, à semelhança das intervenções americanas da CIA e do governo dos EUA naquele país centro-americano, também criaria um conflito Leste-Oeste e as intervenções clandestinas dos serviços secretos norte-americanos e britânicos, que chegaram a ser negociados por Mário Soares. Teria havido mesmo, provavelmente, um conflito militar mais vasto no quadro da Aliança Atlântica do que o caso nicaraguense provocaria. Mas Frank Carlucci, que tivera no caso português um papel decisivo, era agora director adjunto da CIA e sabia que poderia contar com Mário Soares e com o Partido Socialista para moderar os ímpetos da esquerda democrática europeia, apesar do relatório que a missão apresentaria ao “bureau” da Internacional Socialista — que por minha proposta reuniu em Lisboa em 30 e 31 de Outubro — ir claramente no sentido do apoio à revolução nicaraguense, sem precisar claramente a exigência da construção de um regime pluralista. Afirmava bem pelo contrário que “a Internacional Socialista e os seus partidos membros deverão manter e aumentar a sua incondicional solidariedade e apoio ao governo de reconstrução nacional” e “devem condenar e opor vigorosamente quaisquer tentativas, directas ou indirectas, de interferência nos assuntos internos da Nicarágua” [20]. A proposta representava claramente um primeiro erro de avaliação, causado pelo entusiasmo revolucionário da primeira hora e o Partido Socialista, entretanto, iniciaria mesmo uma campanha nacional de angariação de fundos para o governo de reconstrução da Nicarágua que teria bastante êxito. Milhares de pessoas enviariam pequenas quantias para uma conta no BPA assim como artigos vários para a sede do PS que os enviaria a cargo do governo da Nicarágua, Porto de Corinto, em 13 de Março de 1980. A nota de embarque descreve que o navio Belem de nacionalidade espanhola enviara de Xabregas 61 embalagens de 2233 quilos de Medicamentos e preparados alimentares. Mas ao demonstrar solidariedade com a revolução nicaraguense, havia uma grande preocupação da parte portuguesa pela salvaguarda dos valores democráticos naquele país e também o objectivo de não serem acusados pela Internacional Socialista de posições demasiado próximas da dos EUA. Situação que em breve seria invertida, quando passámos claramente a defender pontos de vista idênticos aos dos americanos, sendo assim colocados em minoria naquela organização. O que não impediria que reafirmássemos as nossas posições as quais, embora, sobretudo a partir de 1981, passassem a ser identificadas com as da administração de Reagan, estavam certas, como o tempo se encarregaria de demonstrar.
A reunião da Internacional Socialista que eu organizei em Lisboa, em Outubro, tinha como objectivo aprovar o relatório da missão à Nicarágua mas a presença de destacadas figuras do socialismo como Willy Brandt, Bruno Kreisky, François Mitterrand, Leopold Senghor, Carlos Andrés Perez e Felipe González serviriam para um grande comício pré-eleitoral no pavilhão dos desportos intitulado “Socialistas, Sociais-Democratas e Trabalhistas de todo o Mundo estão com o PS“. A grande estrela mediática desse comício seria o chamado comandante “zero”, Eden Pastora da Nicarágua.
Como se podia constatar do ponto de vista internacional o PS ia, então, “de vento em popa”. Do ponto de vista nacional, segundo a Comunicação Social e a opinião pública, além de uma muito publicitada visita de Mário Soares aos Estados Unidos, a sua imagem internacional permanecia prestigiada, tinha sido reeleito vice-presidente da Internacional Socialista, apesar do governo de coligação com o CDS, tinha dirigido importantes missões internacionais e, de novo, com a reunião dos grandes líderes da Internacional Socialista, em Lisboa, para afirmar que “os socialistas, sociais democratas e trabalhistas de todo o mundo (estavam) com o PS“. Parecia evidente que o apoio e a simpatia pelo nosso país se mantinham intactos.
O PS, entretanto, lançara um importante programa para transformar Portugal, nos anos 80, num dos países de vanguarda da Europa e tinha, além do mais, agora na sua família, figuras de esquerda como Jorge Sampaio, João Cravinho, José Manuel Galvão Teles, Nuno Berderode dos Santos, entre vários outros. Só que, apesar de tudo isso, e de o congresso do PS ter sido considerado um “êxito memorável” seria este partido o principal responsável pela dissolução da Assembleia da República e a convocação de eleições legislativas intercalares para o dia 2 de Dezembro de 1979. Seria mais um erro estratégico, na continuação dos muitos cometidos durante a vigência dos governos PS. Ao anunciar a apresentação de uma moção de censura ao governo presidido por Mota Pinto, faria com que este pedisse a sua exoneração, sem ter consciência de que a estratégia de reeleição de Ramalho Eanes passava pela dissolução da Assembleia da República e pela derrota do PS e, em especial, do seu secretário-geral. A derrota eleitoral do PS, em Dezembro de 1979, seria um autêntico voto de censura à actuação do ex-primeiro-ministro Mário Soares e um convite à sua desautorização no seio do partido, de forma a impedi-lo de se candidatar à presidência da República, em 1980, conforme desejo que alimentava desde o dia 26 de Novembro de 1975. Ao apresentar a moção de censura, que nem sequer chegaria a ser discutida, Mota Pinto, em total sintonia com o general Ramalho Eanes e já com o PSD, demitir-se-ia e seria dado a Eanes o argumento e o timing de que necessitava para dissolver. Ao compreender o erro, Mário Soares tudo faria para evitar eleições intercalares alegando existir (o que era verdade) uma maioria parlamentar contra a dissolução, que incluía os deputados que acabavam de se demitir do PSD contra a liderança de Sá Carneiro, e se passavam a chamar Associação Social-Democrata Independente, ASDI [21]. Estava então convencido de que a Aliança Democrática, então acabada de se constituir, fazia “muito barulho na imprensa — porque dispõe de avultados recursos financeiros — mas é minoritária no país. Ninguém tenha dúvidas quanto a isso” [22]. Ele próprio as tinha porque queria impedir a dissolução a qualquer preço, tendo-se mesmo queixado aos seus colegas da Internacional Socialista, por carta, em que não escondia o seu desespero, que “apesar do facto de existir na altura a possibilidade de um governo maioritário formado pelo PS e pelos dissidentes do PPD/PSD (ASDI), o presidente da República, usando os seus poderes constitucionais escolheu dissolver a assembleia e convocar eleições intercalares” [23]. Intimamente sabia que os erros estratégicos se tinham sucedido uns aos outros desde a formação do primeiro governo constitucional e o seu sonho de eleição presidencial em 1980 começava a estar seriamente comprometido. O resultado eleitoral traduzir-se-ia na primeira grande vitória eleitoral de Sá Carneiro [24] e, também, numa extraordinária primeira vitória da estratégia do general Ramalho Eanes.
Seria o sinal que o PS «novo» esperava para passar ao ataque dentro do Partido Socialista. Todos os olhos se viram então para Mário Soares na esperança de um sinal de coragem e de liderança da esquerda mas, em vez disso, o secretário-geral entraria em pânico, sem saber o que fazer perante uma grande parte do «sector histórico» que pressentia que, apesar de todos os erros cometidos, o partido tivera um resultado melhor do que muitos tinham previsto e ainda existiam possibilidades de inviabilizar a candidatura de Ramalho Eanes em 1980. Mas, PS aparte, o resultado das eleições intercalares induziria o país para a direita de tal modo que a esquerda, em geral, sentia necessidade de procurar refúgio nos braços e no pensamento do general Ramalho Eanes. O mais estranho, foi o medo patológico da esquerda, convencida, com cobertura da política do presidente da República e grande parte do Partido Socialista, que com Sá Carneiro o país iria regressar ao passado. Mas, o mais curioso seria a própria posição adoptada por Mário Soares que, inesperadamente, em vez de atacar Eanes se lançaria também numa cruzada contra Sá Carneiro. Afinal não estávamos perante a direita anti-democrática que Mário Soares anunciava em Julho quando, irritado com o anúncio da dissolução da Assembleia da República, acusou o presidente de mergulhar o país «numa campanha eleitoral — que se apresenta muito dura e inoportuna» [25] e que poderia ter sido evitada uma vez que «os contactos estabelecidos pelo PS com os deputados independentes do PSD demonstraram existir apoio maioritário a um quinto governo desde que o presidente da República se envolvesse em tal solução» [26], mas uma direita, que demonstraria ser democrática e que até compartilhava dos recém-adquiridos temores de Mário Soares em relação ao general Ramalho Eanes. Esta confusão propositada entre o verdadeiro adversário e o velho «papão» da direita era inexplicável e o que seria ainda mais dramático para o Partido Socialista, e obviamente para Portugal, seria verificar que foram o próprio PS em geral e o seu secretário-geral em particular, os principais responsáveis por esta viragem à direita, ao desnortear o partido com coligações que visavam unicamente a manutenção do poder, convencidos de não existirem alternativas aos «vencedores» do 25 de Novembro. Só que estava provado que Eanes não alinharia na estratégia inicial de Mário Soares e Sá Carneiro também demonstraria ter ideias próprias, não se resignando a aceitar a inevitabilidade de um eterno governo PS, a tocar as raias do PRI mexicano, como resultado lógico do 25 de Novembro. Soares não conseguiria suportar a ideia de um general Eanes a puxar para a direita e, ao mesmo tempo, um Sá Carneiro contra a esquerda uma vez que, segundo ele, «é bem certo que, quando começam, as concessões à direita não param mais» [27] referindo-se às críticas de Sá Carneiro à nomeação do governo de Maria de Lourdes Pintasilgo, como governo de gestão para preparar as eleições, após a demissão de Mota Pinto [28]. Mário Soares e parte do PS estavam, então, visivelmente desnorteados mas acabariam, a posteriori, por vir dar razão a Sá Carneiro. No caso do apoio ao general Ramalho Eanes, no caso do governo da engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e até na oportunidade perdida que representaria a tardia constituição de uma coligação com o PSD, em 1983. Algo que se poderia extrair do resultado eleitoral que levaria Sá Carneiro a primeiro-ministro seria que as tão apregoadas virtudes da negocição com o grupo do «ex-MES», nunca beneficiariam ou prestigiariam eleitoralmente o PS. O «velho» PS conseguiria sempre sozinho melhores resultados eleitorais que quando junto com aquele pequeno grupo em 1979 e, depois, na sua versão «ex-secretariado» [29].
Os efeitos desta eleição e da vitória esmagadora de Sá Carneiro não se fariam esperar no seio do PS. A 20 de Janeiro de 1980 reuniria a comissão nacional do partido, preparada para ajustar contas com o secretário-geral que, debilitado, acabaria por aceitar as ideias e as iniciativas que lhe seriam impostas. Curiosamente, estivera em Madrid poucos meses antes e, apesar de então ter admirado a coragem e as virtualidades da posição assumida por Felipe González, não seria capaz de, então, reagir de modo semelhante. Salgado Zenha, António Guterres, Jorge Sampaio e a grande maioria do secretariado nacional não fizera parte do segundo governo e, como tal, não se sentia minimamente responsável pela derrota eleitoral que todos atribuíam aos erros desse governo. Exceptuando um pequeno grupo liderado por Marcelo Curto, a ninguém passou pela cabeça criticar abertamente Eanes que, da noite para o dia, se transformara no «protector» da esquerda portuguesa. Só com ele se evitariam os fantasmas da direita. Jaime Gama, contudo, embora demasiado subtil para aquela superexcitada comissão nacional, apresentaria, juntamente com Manuel Alegre e com Manuel Tito de Morais, uma alternativa à posição derrotista da maioria da direcção executiva do PS que poderia ter evitado a grande crise. Mas, o seu gesto não só seria, então, interpretado como uma potencial alternativa à liderança do partido como, por outro lado, a maioria do secretariado nacional proporia uma estratégia que impedisse a Aliança Democrática de obter uma maioria absoluta nas eleições legislativas de 1980, diluindo o PS numa insólita estratégia «frentista». Gama, Alegre e Tito de Morais rejeitaram com invulgar coragem essa hipótese, colocando o acento tónico num «PS sozinho», como forma de derrotar a direita. Perante a confusão criada penso não ser exagerado dizer que, segundo era o pressentimento geral, a bola estava de novo no campo do secretário-geral, tudo dependendo, mais uma vez, da sua escolha. A maioria do secretariado nacional, então já claramente «liderado» por Salgado Zenha, escondia-se por detrás dos fantasmas da direita, no novo «protector» da esquerda, Eanes e no mal disfarçado inconformismo de ter que esperar, pela próxima oportunidade democrática de entrar para o governo. As razões de Salgado Zenha eram, evidentemente, muito mais nobres embora não pudessem ser dissociadas de um profundo sentimento de revolta causada pela humilhação a que tinha sido submetido desde 1976. Ao secretário-geral faltou-lhe, contudo, a coragem para dizer não à maioria do secretariado nacional. No fundo, como me confessaria, alimentara a esperança até ao último momento de que o seu velho amigo Zenha se demarcasse dos chamados «ministeriáveis» do PS, repudiando a recandidatura militar de Ramalho Eanes! Assim, em vez de se opor, como muitos esperavam, alinharia com a efémera maioria do secretariado nacional e aceitaria a sua estratégia para os actos eleitorais de 1980. Com uma excepção: A maioria do secretariado pretendia, além da substituição dos três contestatários à orientação política maioritária, a minha própria substituição por Jorge Sampaio no pelouro das relações internacionais e, a isso, Mário Soares diria não! Não o faria tanto por mim mas, como é óbvio, por razões do seu exclusivo interesse pessoal. Manuel Tito de Morais e Jaime Gama, dois socialistas da primeira hora a quem Mário Soares muito devia, e sem os quais provavelmente não existiria este Partido Socialista, seriam então substituídos. Manuel Alegre seria o terceiro elemento substituído.
Eu tinha sido, desde 1976, adepto de uma candidatura civil à presidência da República e tinha, já então, defendido que o candidato deveria ter sido Mário Soares e que o acordo proposto por Sá Carneiro não só não prejudicava o PS como poderia ter criado em Portugal um clima de estabilidade e de progresso. Era, naquela altura como ainda hoje, profundamente influenciado pela social-democracia dos países escandinavos, em que o progresso social e económico se ficava a dever, essencialmente, à existência de um partido social-democrata charneira e de partidos, à sua direita e à sua esquerda, fragmentados, o que permitia o clima de estabilidade e de confiança que conduziria ao enorme desenvolvimento dos escandinavos. Sá Carneiro defendia para Portugal, contrariamente ao pensamento político de Mário Soares, um sistema semelhante ao dos países escandinavos que passasse por um presidente civil com poderes limitados e um reforço dos poderes parlamentares. Era um defensor inequívoco da estabilidade e dos governos de maioria que, aliás, viria a estrear em 1980. Mário Soares nunca demonstrara ter um pensamento muito claro sobre esta matéria e a sua influência seria sempre, aparentemente, ditada pelo modelo francês, não obstante ter lutado militantemente, enquanto primeiro-ministro e líder da oposição, contra os poderes presidenciais que seriam substancialmente reduzidos com a revisão constitucional de 1982.
Segundo a biografia oficiosa da jornalista Teresa de Sousa «hoje, à distância de alguns anos e depois de ele próprio ter tentado uma coligação idêntica àquela que Sá Carneiro lhe propôs, Soares considera: “Mesmo que eu quisesse, não podia. Dentro do PS, a maioria era, após a experiência com o CDS, completamente contrária. Além disso, parecia-me ser praticamente impossível fazer uma campanha eleitoral sem adversário político” [30]. Em 1976 Mário Soares era praticamente o «dono» do PS, com poderes e prestígio suficientes para excluir Zenha do primeiro governo constitucional e para aceitar o acordo proposto por Sá Carneiro, conforme aceitaria, aliás, meses depois um — esse sim despido de qualquer lógica — com o CDS. Foi capaz de impor um tal governo mesmo contra a vontade de Zenha e de outros elementos históricos do partido, porque como aconteceu com o CDS e aconteceria com o «bloco central», em 1983, a maioria dos dirigentes do partido eram quadros, na minha opinião, e usando as próprias palavras de Mário Soares «que vieram para o PS porque o PS estava na área do poder. Porque queriam exercer o poder. E pensavam que a política é o exercício do poder e não o exercício da oposição. São os gestores de empresas ou candidatos a tal. São ministeriáveis ou candidatos a secretários de estado… Estão no PS por essa razão. Vieram para o PS por essa razão, todos obviamente depois do 25 de Abril» [31]. A questão de «fazer uma campanha sem adversário político» revela sentimentos muito nobres mas é, de facto, uma noção perfeitamente ridícula de receio do potencial político que Sá Carneiro, então, representava. O acordo entre o PSD e o PS, conforme proposto em 1976 e, de novo, em 1979, visava a criação de um grande partido político da área da social-democracia, de que ambos os partidos se reclamavam, «através da qual, em caso (seguro) de vitória, Sá Carneiro chefiaria o executivo e o líder socialista seria o candidato à presidência da República» [32]. Mas, Sá Carneiro defendia um modelo de parlamentarismo à escandinava e Soares um modelo semi-presidencialista à francesa!
Se Mário Soares tivesse tido, em Janeiro de 1980, uma atitude semelhante à que Felipe González tivera no congresso do seu partido, teria seguramente antecipado, com menos incerteza, o que viria a acontecer em 1981, quando graças a uma tardia atitude de firmeza, assumiu de novo o comando do partido e do país. Preferiu contudo aceitar graves cedências em matéria de política e de pessoas que sempre o tinham apoiado, na esperança de que tais cedências o catapultassem para uma candidatura à presidência da República. Convencer-se-ia de que, entre ele e Ramalho Eanes, o novo secretariado nacional preferiria o candidato civil, sabendo como todo o país sabia, que o general Ramalho Eanes se não recanditataria contra o PS.
Um mês depois, em Fevereiro, seria formalizada a estratégia frentista de aliança eleitoral do Partido Socialista com a minúscula ASDI (Associação Social-Democrata Independente) dos dissidentes do PSD que, apesar de eleitos por aquele partido, se recusaram a abandonar o parlamento, e a ainda menor UEDS (União de Esquerda Democrática e Socialista) liderada pelo também dissidente do PS, Lopes Cardoso. As virtualidades deste pequeno «monstro» político eram tão complexas como os motivos que impeliam Mário Soares para aquela estratégia do PS, agora sem sombra de dúvidas propulsionada pelos elementos que ele viria a apelidar de «ministeriáveis». A Frente Republicana e Socialista, «FRS» (assim viria a ser conhecida esta verdadeira aberração política), partia do princípio de que os antigos 36 deputados da ASDI [33] e a cobertura esquerdizante do antigo ministro da agricultura Lopes Cardoso, aliados ao «novo» PS, impediriam a Aliança Democrática de repetir, em 1980, a vitória que tinha tido nas eleições intercalares do ano anterior. Já tinha sido demonstrado, com a primeira vitória eleitoral de Sá Carneiro, que a tese defendida por Mário Soares, de que sem os ASDIs o «bloco de direita» seria minoritário, estava completamente errada. Mas, após aceitar as ideias a contragosto da maioria do secretariado, Soares escreve uma carta confidencial a líderes de partidos amigos em 31 de Janeiro de 1980 para pedir um «verdadeiro apoio dos nossos camaradas internacionais» uma vez que «agora que temos sérios problemas e necessitamos de recuperar, este apoio é, mais do que nunca, necessário», alertando para que «esta carta, caro camarada, não é só um meio de vos dar uma informação objectiva sobre a evolução da situação em Portugal» mas, também, «um apelo para a necessária solidariedade do socialismo democrático». Como já Soares tinha afirmado em relação aos seus próprios dissidentes, no momento em que pretenderam assumir-se como deputados independentes, o país consideraria, igualmente, que os dissidentes da ASDI mereciam o seu voto. E não se compreende, portanto, a razão para a aceitação da suicida «Frente Republicana e Socialista», após se saber que o país não considerava a ASDI uma organização idónea.
Ao longo de quinze anos só encontraria resposta no facto de a Mário Soares ser indiferente a sorte do Partido Socialista, desde que ele pudesse ser o seu candidato à presidência da República. E, apesar de Sá Carneiro lhe ter oferecido isso, de facto a situação não era a mesma após o governo de coligação com o CDS. E que uma candidatura apoiada num acordo com o PSD poderia, mais do que causar sérias divisões no PS — que não acredito viessem a acontecer, pelo menos com efeitos de gravidade — proporcionar uma espécie de ASDI do PS com os tais «ministeriáveis», que desse a Ramalho Eanes, um argumento para se candidatar contra o candidato socialista [34]. Ora candidatar-se contra Ramalho Eanes era exactamente o que Mário Soares mais temia. Para a maioria do secretariado nacional do PS, a «FRS» era uma forma de comprometer quaisquer ilusões que subssistissem na mente de Soares em relação a Belém e era o convencimento dos «ministeriáveis» de que, com a protecção do presidente Ramalho Eanes, a «FRS» acabaria por representar para o então secretário-geral a sua reforma política. Num aparte que nunca esquecerei, durante uma reunião da comissão nacional em Santarém [35], Jaime Gama comentar-me-ia no seu jeito enigmático que «hoje o Mário acaba de perder as eleições presidenciais».
No regresso daquela reunião tive uma longa conversa com Salgado Zenha, a quem tinha dado boleia de Lisboa. Ele queria então saber a minha opinião em relação às eleições presidenciais e conhecer melhor o meu pensamento sobre o futuro do Partido Socialista. Ele sabia que, apesar de ao longo dos últimos cinco anos ter sempre acompanhado Mário Soares, tinha dirigido o departamento internacional com eficiência e imparcialidade. Tinha em reuniões do secretariado, muitas vezes, tomado posição contra as opiniões do secretário-geral e, nalguns casos, como por exemplo na nomeação de pessoas menos gradas do secretário-geral para representar o partido em reuniões no estrangeiro, tinha mesmo feito impor a minha vontade. Ele próprio fora a Vancouver ao congresso da IS — em finais de 1978 — por proposta minha, adiantando-me a qualquer outra nomeação e sabendo que Mário Soares não teria coragem de «vetar» aquela minha proposta. Tinha-o feito, aliás, com a melhor das intenções e, sabendo que Zenha era respeitado pelos líderes dos partidos da Internacional, quis mostrar que dentro do PS existia unidade não obstante todos saberem que a sua não inclusão nos governos do PS fora um «tema», então, muito comentado internacionalmente. Zenha também tinha abertamente criticado a coligação com o CDS, o que lhe tinha granjeado simpatias junto das esquerdas partidárias europeias, com revelo para os escandinavos e alemães. Entre estas pessoas, então menos gradas, encontrar-se-iam Vítor Constâncio e António Guterres. Como costumava acontecer com quem apresentava resultados meritórios no PS, este último começara a ser alvo das maiores intrigas no interior do aparelho, a partir do momento em que lançara o documento com a «Proposta PS para os anos 80» e o próprio Mário Soares começaria a recomendar-me que «lhes não desse corda a mais» nos contactos internacionais. As razões de Soares, contudo, prender-se-iam mais com o facto de sentir em Guterres um instigador contra a sua liderança do que na medíocre «inveja» do trabalho dos outros. No seguimento da conversa durante a viagem, Zenha convidar-me-ia então para com a minha mulher jantar em sua casa, o que viria a acontecer dois dias depois, a 25 de Fevereiro. Percebi então que, ao longo dos últimos cinco anos, Zenha se tinha profundamente distanciado do seu velho companheiro e que pura e simplesmente não considerava Mário Soares com competência para dirigir com seriedade e rigor o Partido Socialista. Segundo ele, o PS não podia continuar à mercê dos caprichos pessoais de Mário Soares que dirigia sozinho o partido, sem dar contas a ninguém. Uma das críticas mais acutilantes relacionava-se com a administração financeira do PS e das principais fundações que, desde 1976, estavam a cargo do cunhado de Mário Soares. Zenha, contudo, ao contrário dos chamados «ministeriáveis» não apoiava a reeleição de Ramalho Eanes pelas mesmas razões dos outros colegas da direcção. Não acreditava muito no êxito da «Frente Republicana e Socialista» mas considerava o general Ramalho Eanes, de quem se tornara amigo, um homem íntegro capaz de travar o projecto «uma maioria e um presidente» de Sá Carneiro.
Ao longo da minha actividade enquanto dirigente do Partido Socialista, concordei com muitas das posições de Francisco Salgado Zenha e, considerava mesmo, que a sobrevivência do Partido Socialista às tentativas de «colonização» do PCP se devia essencialmente a ele. Tinha sido um excelente ministro da justiça e das finanças. Era sem a menor sombra de dúvida um homem de estado e um dirigente socialista que pautava a sua actuação pelo rigor e pela verticalidade, nunca se inibindo de demonstrar a sua alergia às frequentes crises de volubilidade de pensamento de Mário Soares. Mas não estava em sintonia com ele no desdém que sentia por Sá Carneiro e não podia compartilhar de modo algum a ideia de recondução do general Ramalho Eanes. Por outro lado, tenho que confessar que o estilo de Mário Soares era mais do meu agrado, não só em matéria de estilo político, como no que diz respeito à sua filosofia de vida. Eu tinha grande atracção por Mário Soares, era-lhe completamente leal, mesmo quando com ele não concordava, e estava profundamente empenhado em contribuir para o seu engrandecimento político na cena internacional.
Sem, evidentemente, lhe contar todos os pormenores da minha conversa com Zenha fui-o alertando para se preparar para a grande desilusão que iria ter quando ouvisse da boca da maioria do secretariado nacional que este considerava Eanes o candidato mais bem situado para ser apoiado pelo Partido Socialista. Disse-me estar convencido que Guterres estaria a influenciar negativamente o seu relacionamento com Zenha, mas que não acreditava que pessoas com o perfil político do Constâncio e do Sampaio alguma vez preferissem submeter o partido a um papel de subalternidade ao general Eanes e que, entre este e a unidade do partido, defenderiam sempre esta última. Disse-me estar ao corrente das reuniões «clandestinas» em casa do Guterres, que andaria a tentar manipular o Zenha, ainda melindrado por não ter ido para o governo. Estava confiante que prevaleceria o bom senso e, curiosamente, mostrou-se mais preocupado com outras reuniões que o Jaime Gama andaria a promover contra ele. Em 1980, dir-me-ia estar convencido de que Jaime Gama, ressaibiado por ter sido preterido, estaria a preparar-se para se candidatar a líder do PS. Pouco tempo depois, e talvez mais preocupado do que quereria parecer, convocou uma reunião de «reflexão» do secretariado nacional para a sua casa de Nafarros. Avançou, como era costume, com uma longa análise sobre os vários cenários possíveis, quer em relação a eventuais resultados da FRS, quer à sua interligação com o candidato presidencial a apoiar pelo Partido Socialista. Estava lançado o desafio aos catorze secretários do PS para depois do almoço volante, que me recordo perfeitamente ser um excelente cozido à portuguesa. Nenhum se faria rogado e, um após outro, dissertaram sobre os temas introduzidos. Acabando sempre por concluir que o PS não possuía outra alternativa que não passasse pelo general Ramalho Eanes! Soares estava lívido, como se tivesse sido acometido de uma síncope. Só Maldonado Gonelha e eu próprio se pronunciariam claramente por uma candidatura civil e de preferência a do secretário-geral do partido. Vítor Constâncio concordaria com os outros dizendo, contudo, que se Mário Soares optasse por se candidatar, o que achava um erro, por parte dele não seria posta em causa a unidade do partido.
A partir dessa reunião, Mário Soares compreendeu a necessidade de não perder os contactos internacionais e ele próprio fez questão de estar presente em todas as reuniões e conferências promovidas pela IS. Em 27 de Fevereiro viajámos juntos à capital do Senegal onde reuniu o “bureau” desta organização. Ali, no seguimento do seu apelo de 31 de Janeiro, pediria ajuda financeira a Senghor e a outros líderes presentes, tendo regressado juntos via Luxemburgo onde se realizava o nono congresso da União dos Partidos Socialistas da Comunidade Europeia, seguindo daí para Oslo a 4 e para Estocolmo no dia 5. Eu regressaria a Dakar no dia 20 de Março onde Senghor daria ao PS uma pequena contribuição [36]. A 26 de Março partiríamos de novo juntos para a República Dominicana onde se reunia a comissão da IS para a América Latina e daí para a capital do Peru a 30 de Março, a convite do Partido Aprista peruano e de Alan Garcia e Armando Villanueva [37]. Regressámos via Rio de Janeiro. Soares aproveitaria estas longas viagens e os contactos com outros líderes europeus presentes para explicar a situação e medir o grau de apoio internacional para a sua eventual candidatura. A sua decisão pessoal final seria tomada no Rio de Janeiro em conferência de imprensa que ele me pedira para organizar com Lionel Brizola, já activamente lançado à frente do PDT e na sua candidatura a governador do estado do Rio de Janeiro. Ele estava indeciso [38]. Ponderava seriamente se deveria ou não lançar-se contra a vontade dos doze elementos do secretariado por quem se sentia então profundamente atraiçoado. No fundo sabia que se se dirigisse às bases do partido, não teria dificuldades em colocar a maioria do secretariado em minoria, mas receava que, se alguns deles se juntassem a Eanes, o então presidente avançasse mesmo contradizendo a sua anterior declaração de que não se recandidataria sem o apoio explícito do Partido Socialista. Estava particularmente esperançado nos contactos com as pessoas que mais pesavam para a decisão que sabia não poder esperar mais tempo. Daí a multiplicação em viagens ao estrangeiro naquele período. Brandt, Palme e a maior parte dos líderes da Internacional com quem falaria da situação e a quem já tinha enviado longas cartas, não tinham qualquer espécie de simpatia pelo general Ramalho Eanes mas também não compreendiam a obsessão de Mário Soares com a presidência da República. Todos eles, pelos menos nas conversas a que eu assisti, declinaram o «convite» para se pronunciarem sobre o assunto, recomendando-lhe prudência em nome da unidade do partido. Também Carlucci que tinha simpatia por Ramalho Eanes e por alguns dos seus colaboradores, como era o caso de Vítor Alves, achava, então, que Soares era mais importante enquanto secretário-geral do PS do que enquanto presidente da República. Eu, pelo contrário, tudo tentaria para o convencer a aproveitar a conferência de imprensa que Lionel Brizola tinha convocado no dia 3 de Abril e anunciar a sua candidatura. A secretária internacional do pequeno Partido Social-Democrata italiano, Ivanka Corti, que era amiga da família Soares e nos acompanhara na viagem de Lima para o Rio de Janeiro, seguia com interesse a política portuguesa e também o tentaria convencer a anunciar a sua candidatura. Mas, quando uma jornalista brasileira lhe fez a pergunta que todos esperavam, pronunciaria a frase que então ficaria célebre em Portugal: «não está no meu horizonte político a candidatura às próximas eleições presidenciais portuguesas». Eanes tinha ganho a partida. Naquele dia o líder do PS começaria a preparar a desforra contra o candidato do PS às presidenciais e contra a maioria do secretariado do partido.
Mas a posição do secretário-geral do Partido Socialista seria extremamente difícil a partir daquela data, em que deixou de ter espaço de manobra contra uma maioria no secretariado nacional, que também passaria a controlar a comissão nacional. Os contactos com o general Ramalho Eanes com vista à negociação de um acordo com o PS seriam conduzidas por Vítor Constâncio e Eduardo Pereira e pelo chefe da casa civil do presidente da República, o embaixador Fernando Reino. Este tema seria muito debatido na altura e deve ter sido, talvez, senão dos mais graves na vida do PS, certamente o mais doloroso na vida política de Mário Soares no pós 25 de Abril. Todo o país comentava a posição em que este tinha sido colocado no seu próprio partido e seria, provavelmente, o tema mais debatido pela comunicação social no início do Verão de 1980. Mas hoje pouco se conhece do assunto e, dada a evolução dos últimos anos, quase nem sequer é mencionado na biografia oficiosa de Mário Soares que também deixaria ele próprio, a partir de 1983, de abordar o tema. Mas, na altura, classificaria Eanes de ser «a hesitação e a ambiguidade» que «encorajou as correntes presidencialistas que existiam e que levavam à subalternização quer do PS, quer do PSD» ao mesmo tempo que era «responsável pelo avanço da direita» mas apresentaria o governo de Maria de Lourdes Pintasilgo como forma de «alibi de esquerda para que ele pudesse ser um candidato de esquerda, uma vez que tinha perdido as possibilidades de ser um candidato da direita» [39], referindo-se à oposição de Sá Carneiro ao general Ramalho Eanes [40]. Ao insistir em atacar Sá Carneiro e a direita, o inimigo número um passava para uma segunda fase, dado que aceitara que o PS negociasse um acordo com Eanes que, de harmonia com as directivas da comissão nacional, viabilizasse o apoio do partido à sua recandidatura. Mas com a constituição da «FRS», notar-se-ia que os seus ataques à Aliança Democrática perderiam o habitual brilho e era feitos sem grande convicção. Todos compreenderam que o inimigo número um passara a ser a maioria do secretariado nacional do partido. Jorge Sampaio, António Guterres, Vítor Constâncio, Sousa Gomes e seus apoiantes com relevo para os «ex-MES», os quais após entrarem em bloco no PS se lhe oporiam igualmente em bloco e que Soares classificaria de «pessoas que vieram para o PS porque o PS estava na área do poder» e que pensavam que «a política é o exercício do poder e não o exercício da oposição», classificando-os «gestores de empresas ou candidatos a tal» que viam «que a única maneira de conservarem o vínculo com alguma parcela do poder seria através do general Ramalho Eanes».
Ao mesmo tempo que prosseguiam as negociações com Eanes e se aguardavam os resultados eleitorais de Outubro e de Dezembro, começaria a preparar o seu contra-ataque, não na esperança de vir a ser candidato à presidência — essa guerra estava perdida — mas para encontrar meios de humilhar e derrotar definitivamente os seus adversários internos. Criou uma espécie de «gabinete de guerra» com os «chefes» das fundações que dominava e que passariam a ser essenciais para contrabalançar a notória perda de controlo sobre o aparelho do partido, então dominado por António Guterres. Maldonado Gonelha da fundação José Fontana, Jorge Campinos da fundação Antero de Quental, Eduardo Pereira da fundação Azedo Gneco, Menano do Amaral gestor da CEIG e o tesoureiro do partido, Fernando Barroso. A este grupo chamaria também Walter Rosa, Almeida Santos, António Campos e a mim. O local de reunião seria, curiosamente, a «velha» sede do grupo de Jorge Sampaio na avenida Guerra Junqueiro, cujo contrato de arrendamento passara para o património do partido. Jorge Campinos teria um papel de especial relevo no acompanhamento do aparelho partidário, que era então controlado pelo secretariado nacional. Das fundações existia contudo uma que Soares não dominaria mais, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, dirigido por Teresa Ambrósio e presidido por Salgado Zenha. Mário Soares não se conformava com a situação e a 20 de Junho teria uma acesa discussão com Gunter Grunwald, o secretário-geral da fundação Friedrich Ebert, que se vira forçado a deslocar-se a Lisboa para discutir o assunto. Dos associados iniciais, segundo um protocolo entre a fundação Ebert e o Partido Socialista, que data de 1978, fariam parte Salgado Zenha, Henrique de Barros, Sousa Gomes, Teresa Ambrósio, Vítor Constâncio, António Guterres, Jorge Sampaio, Ribeiro dos Santos e António Reis que claramente defendiam as posições da maioria do secretariado do PS. Do lado de Soares só estavam o seu cunhado Fernando Barroso, Catanho de Menezes, Maria Carolina Tito de Morais e eu próprio. Presumiam-se «neutros» ou de tendência anti-soarista, Oliveira Cruz, Rui Vilar, Pedro Luzes e o filho do professor Marcello Caetano, Miguel Caetano. O secretário-geral da fundação Ebert seria claramente favorável a Mário Soares mas avisou logo que pouco poderia fazer uma vez que o apoio da fundação Ebert ao IED passava pelo departamento científico daquela fundação alemã, dirigido pelo seu vice-secretário-geral, Horst Hiderman, de quem Grunwald era «adversário» político. Contrariamente a Grunwald, Hiderman era considerado da esquerda do SPD e além de ter todo o apoio de Willy Brandt, mantinha as melhores relações com Salgado Zenha.
Tudo indica que, após a reunião em Lisboa com Grunwald, Zenha seria alertado para os planos de Mário Soares e, pouco tempo depois, a maioria do IED prepararia a entrada, como novos associados, de um grupo de 24 pessoas da sua área, com destaque para Machado Rodrigues, Manuela Silva, Maria do Céu Esteves, Victor Pessoa, João Cravinho, Maria José Constâncio, Eduardo Prado Coelho, Teresa Santa Clara Gomes e Vera Jardim. Assim a co-relação de 10 para 3, favorável ao «ex-secretariado», passaria a ser de 34 para 3. Mário Soares nunca «engoliria» este sapo e continuaria, infrutiferamente, a tentar por todos os métodos de guerrilha política alterar a situação. Desde o início do IED que eu era membro do conselho fiscalizador de contas presidido por António Guterres. Por insistência de Mário Soares, e em sintonia com o seu «gabinete de crise», escreveria ao IED pedindo que fosse desconvocada a assembleia que admitira os novos membros, a fim de ter tempo para analisar a contabilidade, com a alegação de que a convocatória tinha sido feita com apenas 10 dias de antecedência e que nunca me tinham sido proporcionados «os meios necessários para poder exercer o cargo… de acordo com os artigos 28.° e 29.° do capítulo V dos estatutos» que exigiam que o conselho fiscal examinasse a escrita da associação trimestralmente, elaborasse pareceres sobre as contas de cada exercício e participasse nas reuniões da comissão directiva, quando ali se tratassem matérias da sua competência». Embora esse fosse o procedimento geral em todas as fundações, onde os diferentes orgãos eleitos jamais seguiam as regras, dado o habitual controlo partidário das fundações, Teresa Ambrósio alegaria então nem saber que eu era membro do conselho fiscalizador. A minha carta tinha sido preparada no «gabinete de crise» PS por Almeida Santos a que responderia Henrique de Barros, presidente da assembleia geral, admitindo que António Guterres, significativamente, lhe confirmara ter «por lapso lamentável sido convocado o associado Fernando Barroso [41] em vez do membro do conselho fiscalizador, associado Rui Mateus» embora, após ter tomado conhecimento da cópia da minha carta, não entedesse «necessário nova convocação do conselho fiscalizador» esperando, com alguma dose de ironia, «que, no clima de confiança em que sempre temos trabalhado, o associado Rui Mateus tenha ficado satisfeito com esta explicação» [42]. Mário Soares encaixaria a referência ao seu cunhado e acabaria por desinteressar-se daquele instituto que passaria a considerar perdido.
Era convicção de Mário Soares e dos elementos da sua organização para o quarto congresso, que à semelhança do que se passava nas outras fundações que apoiavam Mário Soares, a maioria do secretariado utilizava o «IED» como seu «gabinete de guerra». Ora dada a insólita resposta à minha carta e o evidente incumprimento da direcção do IED pelas regras, é bem possível que aquela institução estivesse a ser utilizada para combater a linha de Mário Soares. Até porque não só, depois de reconhecida a «infracção» estatutária, se recusariam a anular a assembleia geral e a convocar nos devidos termos o conselho fiscalizador, como me afastariam de membro desse conselho, nessa mesma assembleia ilegal. Este «escândalo» foi então muito criticado na comunicação social que, de um modo geral, seria muito crítica da maioria do secretariado nacional e favorável às posições de Mário Soares. O Portugal Hoje divulgava a 1 de Junho um artigo de João Gomes criticando os métodos de «democracia interna» do «IED» e a forma como eu tinha sido destituído. Dizia que «se a destituição de Rui Mateus é pura coincidência ou não, não o sabemos. O que nos parece estranho é ela ter acontecido (e somente no caso dele) na reunião que o próprio impugnou por carta mas, por razões que obviamente só a comissão directiva do “IED” saberá, não foi atendido. Imaginamos que tratando-se de uma pessoa que esteve na base da criação do IED e importante dirigente do PS — que ainda por cima alegava fortes razões estatutárias na sua impugnação — teria sido mais simples (caso para isso houvesse verdadeiro desejo) obter dele (na devida altura) o seu consenso para continuar no dito cargo, ou adiar a referida reunião de forma a permitir-lhe o acesso à contabilidade do instituto. Nada disto, ao que parece, aconteceu» [43]. Em carta dirigida ao director do Portugal Hoje o «IED», invocando a lei de imprensa, informaria que «o associado Rui Mateus não foi destituído de qualquer cargo e se não foi reproposto, findo o seu mandato, isso deveu-se ao facto de ter faltado à assembleia geral convocada para a eleição dos corpos gerentes, pelo que não foi possível obter dele o seu consenso para o efeito» [44]. Perante tal hipocrisia que caracterizaria o chamado «ex-secretariado» eu comentaria então não ter «quaisquer comentários a fazer em relação ao facto de não ter sido “reproposto” para o conselho fiscal do IED» mas punha «no entanto, as maiores reservas ao procedimento da comissão directiva do IED no que concerne o respeito integral dos estatutos» tratando-se «talvez de uma diferença de opinião quanto ao que deve ser o funcionamento interno de uma organização que se rege por princípios democráticos. Como sou totalmente alérgico às práticas de tipo corporativo acredito que as pessoas são eleitas para cargos na pré-suposição de os exercerem cabalmente». Reconheço que aquela minha exigência tinha também muito de hipócrita dada a sua origem no «gabinete crise» da luta contra o «ex-secretariado» e contra Ramalho Eanes [45]. Na realidade, o IED só teria interesse numa perspectiva de luta pelo poder dentro do Partido Socialista, mas o exemplo das nomeações de «fundadores» e das «lacunas» estatutárias seria resolvida através do lançamento da fundação que Mário Soares consideraria verdadeiramente sua. O sentimento de ter sido incapaz de controlar o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, liderado pelo seu velho amigo Zenha e pela maioria do secretariado do partido e a amargura de os alemães nada terem feito para o ajudar a repor a situação, iria empurrá-lo para uma posição de grande intolerância em relação ao funcionamento das outras fundações onde passou a ver todo o tipo de «fundadores» de duvidosa lealdade. Era necessário um fórum de total confiança, impenetrável aos adversários «eanistas» da sua moção ao quarto congresso, «Um Novo Rumo para o PS», e independente das flutuações dos alemães que se começariam, então, a notar não só no caso do «IED» mas, também, através de um cada vez maior controlo e ingerência na orientação das outras fundações.
Por essa razão nasceria a «fundação das fundações», a fundação de relações internacionais, por escritura notarial de Janeiro de 1981 que tinha como presidente Mário Soares, como vice-presidentes Maldonado Gonelha (secretário-geral da fundação José Fontana), Eduardo Pereira (presidente da fundação Azedo Gneco), Bernardino Gomes (pessoa de sua confiança para as relações com a CIA) e eu próprio enquanto responsável pelas relações internacionais do PS e, então, único «soarista» no secretariado nacional. Os outros fundadores seriam Joaquim Catanho de Menezes, Raul Rego, Menano do Amaral (que então dirigia a CEIG) e os seus dois cunhados Fernando Barroso (tesoureiro do PS) e José Manuel Duarte. Em toda a sua luta contra o «ex-secretariado» e contra o general Ramalho Eanes, Mário Soares contaria sempre com o apoio militante da RTP à frente da qual estava, então, Daniel Proença de Carvalho, apoiante de Sá Carneiro e da Aliança Democrática. Este vital apoio à sua causa seria mais uma prova evidente de que, apesar dos seus repetidos erros, Mário Soares teria sempre o apoio de Sá Carneiro nos momentos decisivos de salvaguardar do regime.
As relações internacionais do PS estavam sob meu controlo se bem que a maioria do secretariado nacional tentasse, por todos os meios, encontrar para mim uma situação semelhante àquela em que me tinham colocado no «IED». Afastar-me sem dar demasiado nas vistas. Por um lado não conseguiriam demover Mário Soares a fazer-me substituir na reunião do Porto de Janeiro de 1980 e, por outro, embora a derrota das teses de Mário Soares o tivesse enfraquecido consideravelmente, este iria manter-se no seu posto até Outubro de 1980. E, para Mário Soares, eu seria, pelo menos durante os anos de 1980 e 1981, insubstituível, como facilmente se compreenderá. Depois de Outubro, quando Mário Soares abandona o cargo de secretário-geral, o «ex-secretariado» terá várias oportunidades de alterar a composição do secretariado nacional e até de mudar os pelouros atribuídos aos seus membros. Não teriam, contudo, coragem para me substituir contra a vontade de Soares. Nem mesmo aproveitando a demissão de Maldonado Gonelha que, a partir de um certo ponto, não aguentaria a pressão de estar confrontado diariamente com uma esmagadora e hostil maioria «antisoarista». Mas da perspectiva do secretário-geral do PS e vice-presidente da Internacional Socialista, nem tudo seriam rosas e Soares estava consciente de que, se então perdesse o controlo das relações internacionais perderia definitivamente o partido.
Reunida em Oslo, a Internacional Socialista [46] ver-se-ia subitamente confrontada com duas teses no que respeita a política relativa à América Latina. A da maioria, que defendia o apoio incondicional inicialmente proposto ao governo da Nicarágua pelo próprio Mário Soares e a do PS que, com a radical viragem à esquerda efectuada naquele país, acharia que o apoio incondicional aos sandinistas se não poderia manter nos termos propostos em Lisboa, devendo a Internacional Socialista exercer toda a sua influência para pressionar os sandinistas a respeitarem a via do pluralismo. Na Nicarágua os sandinistas tinham tomado o poder num processo muito semelhante ao que se passara em Portugal durante o «gonçalvismo» e os elementos moderados, como Violeta Chamorro, Rafael Cordova Rivas, Arturo Cruz, Alfonso Robelo e até Eden Pastora tinham sido afastados. O próprio bastião da imprensa democrática e da resistência contra a ditadura de Somoza, o jornal La Prensa tinha sido proibido. Tudo se assemelhava ao processo português se bem que os métodos dos sandinistas fossem bastante mais violentos. No seguimento de uma sugestão que Carlucci lhe mandara transmitir, Mário Soares proporia em Oslo que, além dos sandinistas, fossem também convidadas para o congresso a realizar em Madrid, nesse ano, outras forças democráticas da Nicarágua. Além do pequeno Partido Social-Democrata dos Estados Unidos só Pietro Longo do Partido Social-Democrata italiano, Betino Craxi, o presidente Carlos Andrés Perez da Venezuela e o Partido de Liberacion Nacional da Costa Rica apoiariam aquela proposta. A responsabilidade pela condução da orientação da política da IS em relação à América Latina deixaria também de estar a cargo de missões chefiadas por vice-presidentes, como fora o caso das missões que Mário Soares chefiara, para passar para um comité para a América Latina, presidido pelo dirigente dominicano Pena Gomez.
Sentir-se-ia desde logo que o clima de simpatia em relação a Soares tinha mudado, especialmente quando Willy Brandt ao abrir a conferência elogiou os esforços do primeiro-ministro finlandês Kalevi Sorsa em relação à comissão para o desarmamento, as tentativas de Bruno Kreisky, Olof Palme e Felipe González no que respeita tentativas de moderação da revolução iraniana, visando a libertação dos reféns americanos, Pena Gomez pelas iniciativas do Comité para a América Latina e o holandês Joop den Uyl pelo seu trabalho à frente da União de Partidos Socialistas da Comunidade Europeia. Não diria uma única palavra sobre o trabalho de Mário Soares e do PS português em relação à América Latina. Far-lhe-ia, contudo, uma referência indirecta ao «apelar aos líderes responsáveis em Washington no sentido de usarem de forma apropriada a sua considerável influência pois seria mal interpretada as nossas intenções, sugerindo que somos anti-americanos».
A CIA e o próprio departamento de estado, irritados com as posições de radicalismo da IS em relação à Nicarágua, fizera saber que o governo dos Estados Unidos, considerava as posições da maior parte dos líderes socialistas europeus — com excepção de Mário Soares e alguns outros — anti-americanas. Assim Brandt, para além daquelas referências sarcásticas, afirmaria que «de facto, os nossos esforços dirigem-se à obtenção de uma relação construtiva com os responsáveis da política externa dos Estados Unidos», acrescentando ser sua «esperança podermos dar-lhes toda a ajuda possível com a colaboração do nosso Comité para a América Latina» [47]. Era um recado que pretendia evidenciar que o interlocutor da IS para a América Latina era o recém-criado comité e não Mário Soares.
Mas a nossa solidariedade com a democratização dos países latino-americanos era séria e não sofrera as inversões que os principais dirigentes da Internacional começavam a demonstrar. Embora as nossas possibilidades de ajudar economicamente partidos latino-americanos fosse inexistente, quer os dominicanos, quer os brasileiros sabiam que tínhamos boas intenções e que tínhamos um bom diálogo com os Estados Unidos. Jaime Paz Zamora, socialista boloviano e candidato à presidência da República que tinha estado em 1978 na reunião do Estoril, sofrera um grave acidente de aviação de que saíra gravemente ferido. Foi o PS, por intermédio do departamento de relações internacionais, que organizou, em Junho de 1980, uma campanha de solidariedade internacional para custear a intervenção cirúrgica nos EUA que incluía a recuperação de gravíssimas queimaduras nas mãos e na cara e que, naquela altura, custaria cerca de dez mil dólares. O PS seria também praticamente o único partido da IS que apoiaria os democratas na sua difícil luta na Nicarágua, mesmo quando tal atitude era fortemente criticada pelos seus parceiros internacionais. E também, como já acontecera com Lionel Brizola e o PDT, no Equador intercederíamos junto dos americanos no sentido de não hostilizarem a candidatura presidencial de Rodrigo Borja [48], que a CIA classificara como «comunista», mas que acabaria por ser eleito presidente da República em 1986 e se provou ser um democrata e um defensor dos valores ocidentais.
O congresso que se realizou em Madrid, em Novembro, abriria novas brechas no seio da Internacional, não obstante ter sido precedido pela reunião conjunta das direcções do PS e do PSOE em Viana do Castelo, em Agosto, e da reunião dos líderes de partidos socialistas do sul da Europa que no mês de Setembro traria a Sintra, a vários comícios eleitorais, François Mitterrand, Felipe González, Andreas Papandreu e Betino Craxi. Os Estados Unidos recusavam-se a ratificar o Tratado de Redução de Armas Nucleares, conhecido por «SALT II», e pareciam determinados a prosseguir o seu programa de mísseis Pershing na Europa enquanto a União Soviética continuasse a desenvolver o seu programa de mísseis balísticos SS20. Os socialistas, com destaque para o primeiro-ministro finlandês, Kalevi Sorsa, presidente da Comissão de Desarmamento da IS, Olof Palme e Willy Brandt, consideravam que os EUA deveriam ratificar o Segundo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (SALT II) sem colocar quaisquer condições prévias para iniciar as discussões no quadro da negociação sobre armas estratégicas no «teatro europeu», conhecido por «SALT III». As tendências nos partidos socialistas europeus, com relevo para o britânico, alemão, holandês e escandinavos eram fortemente contra a instalação dos Pershing II na Europa, preferindo, cada vez mais, a ideia de um desarmamento nuclear unilateral europeu ocidental. As reuniões com o PSOE e com os líderes do sul da Europa seriam assim da maior importância na medida em que nesta importante questão do desarmamento se verificaria, contrariamente ao que se passava em matéria de Nicarágua, alguma unidade de pontos de vista. Só Andreas Papandreu e o PASOK da Grécia [49] não mudariam nas suas posições anti-americanas. Muito se deve às posições de coerência do nosso partido em matéria de política externa. De algum modo, como os americanos viriam a reconhecer, a partir de 1981, durante a presidência de Ronald Reagan, os socialistas do sul da Europa inverteriam a tradição dos do norte da Europa, passando a ser os mais moderados e mais dialogantes com os Estados Unidos!
Em matéria de América Latina mantinha-se a crise em relação às várias opções para a Nicarágua e grupos de extrema-esquerda pró-cubana e de extrema-direita fascista abriam nova frente de crise em El Salvador. O partido da Internacional, o Movimento Nacional Revolucionário, liderado por Guillermo Ungo e por Hector Oqueli — dois homens de bem que acreditaram na irreversibilidade do processo iniciado na Nicarágua pelos sandinistas e que iriam juntar os esforços políticos do seu partido à luta contra a extrema-direita através de uma frente moldada segundo o modelo sandinista, a Frente Democrática Revolucionária — criaria um problema adicional à Internacional, semelhante ao já existente com a Nicarágua. Ambos, Guillermo Ungo e Hector Oqueli acabariam assassinados no inútil e frustrante banho de sangue que foi a revolução de esquerda de El Salvador.
A situação de radicalismo verbal a que a Internacional chegara era um pouco surpreendente. Acessores e alguns líderes reuniam nos intervalos do congresso com “lobbies” cubanos e de países de leste e com eles discutiam as moções a propor e as posições que cada partido deveria assumir dentro das reuniões. O próprio Willy Brandt (quando eu o conheci nos anos 70 era um homem extremamente moderado e disse-me que o êxito do seu próprio partido e o progresso do seu país deviam muito às boas relações que mantinham com os Estados Unidos, recomendando-me mesmo que era da maior importância para o PS ter boas relações com aquele grande país), se modificaria radicalmente a partir do congresso de Madrid. Foi aliás um fenómeno que verifiquei ser frequente entre grandes homens de esquerda e sobre o qual escreverei no próximo capítulo.
Em Madrid eu teria um intervenção crítica em relação à onda de romantismo revolucionário que estava a invadir a família socialista europeia. Diria então que o fim das ditaduras em Portugal e na Espanha «representaram uma nova esperança para muitos povos oprimidos noutros continentes. Do mesmo modo que os ideais da Internacional Socialista sob a liderança de Willy Brandt representariam uma nova alternativa democrática a modelos totalitários». Mas, «o recente golpe militar na Turquia [50], um país da Europa do sul, foi um perigoso precedente que é duplamente agravado pelo facto de a Turquia ser um país da NATO». Referindo-me à necessidade de um posição clara da IS, diria que «os militares do sul da Europa e de outros países onde nascem jovens e frágeis democracias não podem ter ilusões a respeito da nossa posição. Não podemos aceitar militares providenciais e temos obrigação de muito seriamente debater em profundidade a questão das transformações revolucionárias de regimes ditatoriais. O nosso entusiasmo sobre os processos de democratização e a nossa rejeição de ditaduras onde quer que existam legitimam o uso de meios revolucionários contra a opressão. Mas tal não pode ser confundido nem colocado no mesmo nível da nossa solidariedade e envolvimento político com movimentos genuinamente democráticos. Estaremos sempre ao lado dos oprimidos mas só deveremos identificar-nos com os que acreditam na democracia pluralista. Não podemos permitir que pensem que sobre este assunto poderemos passar cheques em branco. O nosso caminho para o socialismo é inseparável da democracia pluralista e da submissão dos militares ao poder civil» [51]. Uma vez mais, a 27 de Agosto, seria eu a propor, via telex, a candidatura de Mário Soares a uma das (a partir de então, vinte uma) vice-presidências daquela organização. Era minha intenção propor igualmente Manuel Tito de Morais para uma das presidências honorárias daquela organização mas, embora tal eleição não levantasse problemas, seria impedido de o fazer pelo secretário-geral, que considerou que o co-fundador do PS não tinha «estatura» para ser proposto para um lugar ao lado de Trygve Bratteli da Noruega, Tage Erlander da Suécia, Jos van Eynde da Bélgica, Sicco Mansholt da Holanda, Daniel Mayer da França, Alfred Nau da Alemanha, Bruno Pitterman da Áustria e Giuseppe Saragat da Itália.
A percepção de que o Partido Socialista poderia fazer muito mais em matéria de América Latina e de política internacional, se tivéssemos mais meios materiais, estaria na base da fundação de Relações Internacionais. Seria lançada como refúgio seguro e poderoso para a reemerção de Mário Soares e da sua moção antieanista «Um Novo Rumo para o Partido Socialista» e, se na pior das hipóteses ele saísse de novo derrotado, seria a base natural para prosseguir as suas actividades políticas. Uma plataforma de combate para o congresso e uma espécie de fundação Ebert portuguesa para o futuro. Não tínhamos contudo o principal: os meios financeiros que também não podíamos pedir nem aos alemães nem aos suecos que começavam a discordar das nossas opções em política externa e a associar-nos, cada vez mais, aos americanos. E foi a eles mesmos que fomos pedi-los. Quando Jimmy Carter visitou Portugal em fins de Junho, a convite do general Ramalho Eanes, seria concedida a Mário Soares uma precisosa meia hora para um encontro que teve lugar no Palácio da Ajuda e a que eu estaria presente [52]. Carter estava apreensivo com o crescente radicalismo da Internacional Socialista que considerava estar a perder o sentido das responsabilidades. Mário Soares explicaria que o essencial das posições sobre a América Latina eram influenciadas pelo SPD. que detinha na América Latina uma poderosa máquina, a fundação Friedrich Ebert. Carter diria que, lamentavelmente, os EUA não tinham condições políticas para constituírem no seu país instrumentos semelhantes às fundações alemãs e que seria mais fácil apoiarem a constituição de tais fundações no estrangeiro, do que constituí-las na América. Estas palavras ficariam registadas embora o seu significado não tivesse sido muito claro. Quereria Carter dizer que a fundação Ebert tinha sido lançada pelos americanos ou que os americanos estariam dispostos a ajudar a criar uma tal fundação? Mário Soares não perderia tempo a decifrar o enigma e enviar-me-ia a mim e a Bernardino Gomes a Washington, no início de Agosto, para apresentar a ideia da fundação de Relações Internacionais a Frank Carlucci. Este recebeu-nos no seu escritório de Langley, que eu visitava pela primeira vez, e ouviu atentamente a descrição do projecto de Mário Soares, prometendo ajudar, embora dizendo que teríamos também que falar com colaboradores seus.
Estávamos hospedados no pequeno mas simpático hotel Guest Quarters na Pennsilvania Avenue, mesmo ao lado de Georgetown. Ali Mário Soares se hospedara sempre nas suas visitas particulares àquele país, após o 25 de Abril. Subitamente, esbaforido como se tivesse corrido dois quilómetros, Bernardino Gomes entraria pelo meu quarto dentro a barafustar que estávamos ali «secretamente», que o «Frank» não tinha sentido da seriedade da nossa visita e que mandara uns «gajos» ao hotel para falar connosco, que estavam na recepção à nossa espera. Estava com medo que a vinda deles ao hotel nos pudesse comprometer. Eu dise-lhe que dificilmente alguém saberia quem nós éramos, mas que também não estávamos ali exactamente em missão secreta. Além disso não acreditava que os colaboradores de Carlucci trouxessem consigo o Woodward do Washington Post. Eu só conhecia o residente em Lisboa, de quem sou aliás ainda hoje muito amigo e que, Mário Soares, recentemente, condecorou com a Ordem do Infante. O outro, aparentemente compreendendo o embaraço de Bernardino Gomes, dirigiu-se-lhe com ironia comentando «Bernardino, you see too many spy movies»! Percebi então que o Bernardino Gomes e ele já se conheciam e soube, depois, que era o «célebre» KC que com ele montara, em 1975 o esquema de apoio à editora Perspectivas & Realidades. No fundo tratava-se de uma reunião para repetir a conversa com Carlucci que, como é óbvio, tinha seguramente mais que fazer do que se ocupar com os pormenores técnicos de uma operação que merecia o seu apoio. E assim nasceu a fundação de Relações Internacionais.
O resultado das eleições legislativas de 5 de Outubro seria mau para a Frente Republicana e Socialista e ainda pior para o Partido Socialista. Um aumento de 0,6 % em relação às intercalares do ano anterior, em que o PS se apresentara sozinho. Em número de deputados, devido à entrada dos «ASDI’s e UEDS’s», baixaria contudo de 74 para 66. «Um mau negócio» para o PS, como alguém lhe chamaria. A estratégia frentista da maioria do secretariado tinha falhado redondamente e nem mesmo o general Ramalho Eanes ajudaria. A Aliança Democrática aumentaria mesmo a sua votação em relação às eleições do ano anterior e, agora, com a maioria absoluta reforçada, Sá Carneiro iria governar o país até 1984. O fenómeno mais relevante que resultaria destas eleições foi, contudo, o discurso do candidato apoiado pelo PS, general Ramalho Eanes, no dia 14 de Outubro. Nove dias após as eleições. O presidente da República, em candidatura de reeleição, tinha sido profundamente hostilizado pela Aliança Democrática e por Sá Carneiro, que o considerariam detentor de um projecto pessoal anti-democrático. Mas, apesar da visível hostilidade que Sá Carneiro lhe demonstrara e apesar de em nada ter ajudado o PS, Ramalho Eanes demarcar-se-ia da «sua» Frente Republicana e Socialista, que acabava de ser derrotada, e consideraria que os seus objectivos políticos se identificavam com os da aliança vencedora!
Perante o espanto e incredulidade dos seus amigos da Frente Republicana e Socialista, a profunda revolta de muitos socialistas e as críticas da Aliança Democrática, o general Ramalho Eanes tentaria corrigir o seu óbvio acto de oportunismo político, numa entrevista ao semanário O Jornal, conhecido pela forma entusiástica e subserviente com que difundia as posições do general. Mas nenhuma correcção poderia dissipar, junto dos que nunca acreditaram na sua protecção, o sentimento de repúdio perante tal cobardia. Curiosamente, contudo, essa conferência de imprensa, do dia 14 de Outubro, era a melhor prenda que Mário Soares poderia ter recebido. Após dois desastrosos governos e quatro anos de apatia política, que primaram pela ausência de uma estratégia coerente, permitir-lhe-ia reagir. E «Mário Soares reagiu. As explicações que o presidente lhe deu não as considerou suficientes. Após um período de reflexão, o secretário-geral do PS… propôs ao seu partido o estudo de uma candidatura alternativa» [53]. A maioria da comissão nacional reunida em Lisboa no dia 18 de Outubro decidiria, contudo, por grande maioria, manter o apoio ao general Ramalho Eanes, convencida que estava de que a carreira política do secretário-geral tinha chegado ao fim e que o futuro do partido se iria encontrar, algures, entre Ramalho Eanes e Vítor Constâncio. Anunciaria que retirava o seu apoio à candidatura de Ramalho Eanes e sugeriria que o PS ainda estava a tempo de eleger outro candidato que, mesmo que saísse derrotado, salvaria a honra ferida do partido. Mais tarde, perante a persistência do partido em manter o seu apoio a Ramalho Eanes, auto-suspender-se-ia das funções de secretário-geral do Partido Socialista.
Durante a sua reflexão estaria sempre bem vivo o exemplo que Felipe González dera um ano antes em Madrid. Segundo Mário Soares a conferência de imprensa de Ramalho Eanes visava «subalternizar e anular o papel do PS» e as pessoas que o animaram nesse sentido viam a sua candidatura «não já como uma candidatura apoiada por partidos, mas por pessoas, cada uma flutuando dentro de um movimento mais amplo». Para Soares estava claro que Ramalho Eanes «nunca compreendeu o papel dos partidos políticos em democracia» o que lhe permitia duvidar da «sua concepção de democracia» [54]. O secretário-geral do PS admitiria à RTP ter reagido «no último momento possível» depois de verificar «uma profunda desagregação política e ideológica e uma grande desorientação em muitos espíritos» [55]. Evidentemente que o principal responsável pela desagregação a que o partido chegara era ele. Em 1976, a deformação herdada da sua militância no PCP induzira-o a pensar que, ganho o 25 de Novembro de 1975, tinha Eanes e o país «na mão» e o mundo a seus pés. Recusaria, dentro de uma estratégia absurda de um PS sozinho, que abandonaria poucos meses depois, o diálogo com o PSD. Aceitou e impôs ao partido, em 1978, a pior das coligações duma perspectiva socialista e, num acto de duvidosa lealdade política, tentaria diluir a influência histórica de alguns dirigentes do PS com a entrada dos «ex-MES» e o reforço da então chamada «ala tecnocrática» ou os «ministeriáveis» como ele lhes viria a chamar. Agora, graças à conferência de imprensa de Ramalho Eanes, «no último momento político possível» compreendia que tinha sido traído pelo general e pelos que «vieram para o PS porque o PS estava na área do poder… todos obviamente depois do 25 de Abril» e que, nem um nem os outros, acrescentariam eleitoralmente coisa alguma ao partido. Não sei se foi no «último momento político possível» que reagiu mas sei que, apesar de ter perdido definitivamente o seu grande amigo Salgado Zenha, ainda contava com apoios importantes dentro do Partido Socialista, sem os quais estaria condenado ao total isolamento político.
Mário Soares é quase unanimemente considerado um homem de grande coragem política. Pode ser essa a ideia que ele faz de si próprio, mas eu considero que uma mistura de «ousadia calculada» com um apurado sentido da contra-informação seria uma descrição mais adequada. Em Janeiro de 1975, o primeiro socialista a romper com o PCP seria Salgado Zenha. Entretanto e apesar de Soares só ter seguido o seu exemplo quatro meses depois seria ele que viria a ser conotado com esse rompimento curricular. O enfrentamento de Mário Soares com os comunistas é relativamente serôdio e teve lugar quando o país já se apercebera de que o PCP era minoritário. Em Novembro, Soares seria a face visível da «resistência», mas a partir do norte do país e com a garantia de que os serviços secretos anglo-americanos não ficariam parados. Em 1975 e 1976 Salgado Zenha abriria o caminho ao apoio económico ocidental a Portugal, mas não seria «convidado» para integrar o primeiro governo constitucional. Os louros dessa tarefa viriam todos cair na mão de Mário Soares. Em 1978, enquanto primeiro-ministro, enfrentaria militares indispostos na sua visita à República Dominicana mas, além de ser primeiro-ministro, tinha o apoio do presidente Carter e chegara num avião da presidência da República do México e sairia noutro da presidência da República da Venezuela. Fizera também nesse ano um arriscado acordo político com o CDS, mas após obtida a cobertura de esquerda dos «ex-MES». Decidiu finalmente enfrentar Eanes em 1980, mas tinha apoios financeiros e apoiantes suficientes para arriscar e sabia de antemão que não fazê-lo representaria o fim da sua carreira política. Foi um acto de ousadia calculada, em que teria sempre a garantia de apoio dos chamados «históricos» do PS.
Mas é evidente que a sua «auto-suspensão» criava também alguns problemas sérios a alguns dos seus apoiantes. O seu cunhado e tesoureiro do PS seria imediatamente «congelado» pela nova maioria em 1980, embora o partido se encontrasse descapitalizado. Os recursos encontravam-se então nas fundações. Maldonado Gonelha, secretario-geral da então poderosa fundação José Fontana e, além de mim, o único «soarista» no secretariado nacional, percebeu perfeitamente a situação em que estava e demitir-se-ia do secretariado nacional sem pestanejar. Aliás, após «renúncia» temporária do secretário-geral era isso mesmo que se impunha a todo o secretariado nacional que tinha sido eleito por proposta do secretário-geral. Só que à maioria do secretariado nacional também faltaria coragem para o fazer. Não porque não pudessem remodelar este órgão partidário à sua vontade, mas porque tinham medo das consequências de tal acto a poucos meses das eleições presidenciais e do congresso do partido.
Eu pretendi contudo seguir o exemplo de Maldonado Gonelha, porque era isso o que se impunha e porque a minha vida dentro do secretariado nacional seria a partir daí um autêntico inferno. Mas quando dei a conhecer a Mário Soares a minha intenção, ele teve um ataque de nervos. Disse-me que não poderia fazer tal coisa, pois o «nosso» maior erro seria entregar «àqueles malandros» os contactos internacionais. Berrou comigo, em pânico que «se eu lhes queria entregar o partido de mão beijada então o melhor era fazer como o Gonelha». Considerou que se eu fizesse tal coisa seria uma traição igual à «daqueles gajos». Fiquei metido numa camisa de onze varas recebendo, do outro lado, da maioria do secretariado nacional, impropérios e humilhações diários. O próprio Salgado Zenha de quem eu era amigo e que sabia que a minha lealdade política para com Mário Soares estava acima de qualquer suspeita e em nada interferia no respeito que eu tinha por ele não resistiria a, por vezes, fazer alguns comentários menos sérios. Algumas vezes, irritado pelo facto normal de eu me pronunciar contra a grande maioria das decisões do secretariado nacional, ao passar a palavra aos respectivos membros diria, ao chegar a minha vez, «que não valia a pena ouvir a minha opinião porque já sabiam o que tinha para dizer».
É difícil descrever a falta de grandeza de alguns daqueles «ministeriáveis» que se não fosse terem entrado para o PS, quase todos pela mão de Mário Soares, provavelmente nunca teriam ido muito longe enquanto funcionários públicos ou bancários. Quando em Abril de 1981 compreenderam que iriam, provavelmente, perder o congresso decidiriam à laia de despedida fazer a sua última partida, atribuindo ao departamento internacional a ridícula quantia de 50 contos para despesas com convidados estrangeiros ao quarto congresso! Como eu afirmaria então, no meu relatório de actividades do pelouro das relações internacionais — que tive que apresentar a título individual, uma vez que o secretariado nacional decidira não o incluir no «seu relatório» — «as actividades do departamento internacional, pela sua importância a todos os níveis de actividades do PS, pela sua variedade e extensão — no quadro da IS e, bilateralmente, com movimentos e partidos de todo o mundo — não poderão obviamente ser consideradas exclusivamente como uma simples referência às actividades do actual secretariado nacional… e, sobretudo, não deverão ser de maneira alguma enquadradas nas actividades do secretariado nacional a partir da reunião da comissão nacional do Porto, de 19 de Janeiro de 1980. Pelo facto de o secretário nacional para as relações internacionais ser o mesmo — e no mesmo partido — desde o segundo congresso realizado em 1976». Terminaria lamentando a insignificante verba atribuída que nos impediria «de contribuir minimamente para a dignificação do PS… em contradição com o que era tradicional entre partidos da Internacional Sociaslista» [56].
Salgado Zenha dirigiria as reuniões daquele órgão máximo do partido mas não é verdade que «a segunda figura do partido, juntava-se a eles e manifestava-se disponível para liderá-los no confronto inevitável com o líder do Partido Socialista, pelo poder dentro do PS» [57], como afirma a biografia oficiosa do actual presidente da República. Salgado Zenha nunca demonstraria a menor intenção de ser secretário-geral do Partido Socialista ou de se candidatar contra ele dentro do partido embora, como já expliquei, tivesse no passado tido algumas boas oportunidades de o fazer com êxito. Naquele momento também tal candidatura parecia tentadora e teria seguramente o apoio de Constâncio, Guterres, Sampaio e amigos. Dado o perfil tecnocrático de alguns destes seus opositores, Mário Soares compararia a sua situação no PS, em 1980, com a oposição que Michel Rocard fizera a François Miterrand um ano antes. A existirem potenciais «Rocards» no partido, eles que se afirmassem como tal com clareza, desafiava então o secretário-geral do PS. Mas os «Rocards» em potência não eram Zenha, cuja actuação se não podia comparar com a dos que «vieram para o PS porque o PS estava na área do poder». A sua dissidência era sim o corolário lógico de profundas divergências políticas sobre a orientação do PS, desde a formação do primeiro governo constitucional. A posição de Zenha, embora oposta à de Soares, continha tantas virtualidades políticas para o património político do partido, como teve a reacção de Soares à conferência de imprensa de Eanes. A injustiça cabe aqui ao facto de Mário Soares conceber o poder em termos de absolutismo, descartando sempre aqueles que lhe poderiam fazer sombra, como foi o caso de Zenha nos governos constitucionais do PS, ou tirando o tapete sem hesitações a tantos outros que depois de lhe aguentarem muitos fardos e algumas neuras, deixavam de estar inseridos na sua táctica. Ele próprio admitiria à entrevista que Daniel Proença de Carvalho lhe proporcionaria na RTP para difundir a sua posição — com visível desvantagem para a maioria do secretariado, que desse meio não poderia, então, dispor — que «aqueles que me têm acusado de ser um político táctico, sem estratégia, compreenderão, neste momento, que, justamente, eu privilegio, na minha posição, a estratégia sobre a táctica» [58]. De facto, não obstante algumas reincidências pontuais, a partir daquele «momento» a estratégia passaria a prevalecer sobre a táctica.
Com todos os apoios que conseguisse angariar e com base na tardia defesa da «camisola» do PS, a estratégia consistia em ganhar o quarto congresso, preparar o partido para as eleições legislativas previstas para 1984 e fazer eleger um presidente da República civil em 1985. A estratégia que associaria Mário Soares ao termo «corredor de fundo» nasceu do “task force” que inicialmente reunia na antiga sede da «Intervenção Socialista» e, depois, na fundação de Relações Internacionais na avenida António Augusto de Aguiar. Graças à trágica ocorrência que vitimaria Sá Carneiro a 4 de Dezembro, as probabilidades dessa estratégia prever uma vitória eleitoral em 1984, aumentariam substancialmente. Mas qualquer estratégia teria que forçosamente estar sempre dependente da vitória no quarto congresso que, em Janeiro de 1981, estava longe de ser um dado adquirido. Os pontos essenciais eram contudo perfeitamente claros: ganhar o congresso previsto para Maio de 1981, alterar o funcionamento do secretariado nacional, transformando-o numa «comissão permanente» homogénea em sintonia com o secretário-geral, preparar o partido para as eleições autárquicas de 1982 e legislativas previstas para 1984, retirar poderes ao presidente da República e por fim ao Conselho da Revolução em 1982, não excluir coligações governamentais com o PSD, apoiar a candidatura de Mário Soares à presidência da República e lançar Almeida Santos para o cargo de primeiro-ministro. Mário Soares reconhecera, já em 1979, que tinha dúvidas sobre se deveria ter sido ele o primeiro-ministro do primeiro governo constitucional e parecia adquirido que não viria a ter funções governativas num próximo governo, pois não via no seu «horizonte esse facto» uma vez que ter sido primeiro-ministro tinha sido para ele «uma penosíssima tarefa que cumprira com grande desgaste físico e intelectual» [59].
Mas o congresso não estava ganho à partida. O grupo «soarista» à volta da moção «Novo Rumo para o PS» estava em minoria nos órgãos do partido, sendo eu o único deste grupo com funções no secretariado nacional. António Guterres tinha fama de bom «controleiro» da organização em virtude da sua vocação para tudo o que se relacionasse com o aparelho e Salgado Zenha tinha imenso prestígio no país e no partido. Durante o seu contacto com as bases Mário Soares «entrava nas sedes locais do PS e não havia uma única fotografia sua mas imensas de Eanes» e «houve sedes onde nem o queriam deixar entrar, onde andou quase à pancada» [60]. A vitória de Ramalho Eanes, no dia 7 de Dezembro, viria, por outro lado, a tornar muito nublosa a vitória dos «soaristas» sobretudo porque a trágica morte de Sá Carneiro, três dias antes das eleições presidenciais, deixaria o país numa situação de enorme insegurança. E dentro do PS muita gentre estava indecisa mesmo entre os seus mais conhecidos dirigentes. Especulava-se que Jaime Gama poderia mesmo apresentar uma moção própria e candidatar-se a secretário-geral, tendo inclusivamente aparecido grafito nas paredes da sede do PS no largo do rato com slogans como «Gama a secretário-geral do PS». Em 1981, a chegada de Ronald Reagan à presidência dos Estados Unidos faz tremer a esquerda na Europa. Frank Carlucci seria substituído na CIA por um homem cinzento, o almirante Ray Imman, passando o novo chefe a ser um dos homens de grande confiança do presidente, William Casey, um nacionalista conservador muito interessado em política externa. Casey tinha sido um dos chefes da campanha eleitoral de Reagan e «embora inteligente, era estreito e convencional em relação ao juízo que fazia das pessoas. Pretendeu transformar a CIA numa agência operacional, como a OSS da sua juventude e deu todos os recursos ao departamento de operações da casa» [61]. O seu secretário de estado seria o antigo número dois de Henry Kissinger no conselho nacional de segurança da Casa Branca, sob a presidência de Richard Nixon, o general Alexander Haig que nos últimos anos tinha desempenhado o importante cargo de comandante supremo da NATO, em Bruxelas. Conhecia o general Ramalho Eanes por quem, aparentemente, tinha apreço, contrariamente ao que pensava da esquerda na Europa que achava sofrer de «um grande dilema político» uma vez que «anteriormente estes partidos tinham conseguido reconciliar a retórica do socialismo com uma defesa forte, enquanto as economias europeias prosperaram. De repente, a crescente concorrência pelos recursos agravou o declínio económico e a ameaça soviética conduziu os sociais-democratas europeus para opções negativas» [62].
Em termos europeus também a posição de Mário Soares não era, então, a mais confortável porque a crise no Partido Socialista estalara no momento em que, como confirma Alexander Haig no seu livro Caveat, a esquerda se radicalizava à volta do desarmamento na Europa e em relação à Nicarágua. Dois temas caros a Reagan e à CIA. Exceptuando Salgado Zenha, que era conhecido e respeitado internacionalmente, a restante maioria do secretariado nacional permanecia demasiado periférica em relação à Europa e ninguém conhecia fora de Portugal, os seus nomes. Embora defendessem posições que, em 1981, pareciam importadas da esquerda do Partido Trabalhista Britânico ou do SPD alemão. Mário Soares pedira-me, logo no início do ano, que contactasse o SPD no sentido de lhe conseguir um encontro urgente com Willy Brandt. A última vez que tinha estado com ele fora no congresso da IS que se realizara em Madrid, em Novembro do ano anterior. Explicara-lhe a situação em pormenor e os porquês da sua «auto-suspensão» mas Brandt, como vinha acontecendo desde Oslo, não estaria muito receptivo às alegações de Soares. Sei que a sua posição era essencialmente motivada por divergências em relação aos principais temas — América Latina e desarmamento — mas penso que Brandt também se convencera de que a carreira política de Mário Soares chegara ao fim. Willy Brandt, Olof Palme, Bruno Kreisky — «a trindade socialista» — tinham em comum a língua sueca e uma grande amizade pessoal. Por essas razões era frequente convidarem-me para a sua mesa ou para uma bebida no final das reuniões, sendo costume as pessoas juntarem-se segundo afinidades e amizades em restaurantes, nos quartos deste ou daquele, ou até no bar do hotel. Depois conversavam pela noite dentro. Curiosamente o tema «PS português» praticamente deixara de ser abordado, o que era sintomático de que não pretendiam dar-me a conhecer o seu pensamento. Eu compreenderia que algo tinha mudado em relação a Portugal. Só que a ida à Alemanha era extremamente importante pois representava um sinal para o interior do partido de que Mário Soares continuava a contar com o apoio dos líderes socialistas europeus. Tal sinal tinha muito significado no Partido Socialista de então. E creio que Brandt, consciente da situação, estava propositadamente a tentar deixar o encontro pedido para depois do congresso, a realizar em Maio.
Foi então que eu consegui dar a volta a este impasse. Através de um bom amigo, Peter Courterier, secretário de estado dos negócios estrangeiros alemão, da maior confiança pessoal de Helmut Schmidt, conseguiria convencer o chanceler da República Federal Alemã a receber Mário Soares para discutir exactamente a situação na América Central e os problemas que a posição da Internacional Socialista sobre o desarmamento na Europa levantavam aos socialistas nos países da NATO. Não seria difícil dado ser sabido que Helmut Schmidt não compartilhava do radicalismo de esquerda do seu partido e, embora tal não transparecendo publicamente, era bastante crítico das posições que Willy Brandt vinha assumindo sobre estes temas. Por outro lado, embora não existisse nenhuma intimidade entre ele e Mário Soares houve um bom relacionamento durante o primeiro governo constitucional, tendo Schmidt mostrado disposição para ajudar economicamente o nosso país. Mas não havia um relacionamento pessoal no sentido de Mário Soares, na oposição e suspenso das suas funções no partido, poder «pegar em qualquer momento no telefone» e falar com ele. A relação foi sempre numa perspectiva de inferioridade, com Soares sempre a pedir. Também acho que receber Soares sem passar pela máquina do seu partido parecia agradar a Schmidt. A reunião foi marcada para o dia 18 de Fevereiro. Eu avisei então o acessor de Brandt, Klaus Lindenberg, de que uma vez que estava programado um encontro entre Mário Soares e Helmut Schmidt talvez fosse oportuno concretizar o encontro previamente pedido com o presidente do SPD e da Internacional Socialista. O que aconteceu com grande relevo na comunicação social portuguesa. Jaime Gama aderiria então à moção de Mário Soares, «Um Novo Rumo para o PS» fazendo, com muitos dos seus próprios apoiantes, verter a balança a favor de Mário Soares. Entre os membros da direcção do PS falava-se de que Gama era muito influenciado pelos ventos alemães!
Notas:
[1] Mário Soares, PS: Fronteira da Liberdade, ed. cit., pp.375-6
[2] Mário Soares, PS: Fronteira da Liberdade, ed. cit., pp.375-6
[3] Relativo aos habitantes da Beócia, considerados ignorantes por outros habitantes da antiga Grécia. Termo frequentemente utilizado, em privado, por Mário Soares para se referir a alguns dos seus apoiantes, que ele considerava menos letrados
[4] De Nobre da Costa em Agosto de 1978, de Mota Pinto em Dezembro de 1978 e de Maria de Lourdes Pintasilgo, em Julho de 1979
[5] Mário Soares, PS: Fronteira da Liberdade, ed. cit., p.323
[6] Processos de Democratização na Península Ibérica e na América Latina, editado pelo departamento internacional do PS, 1978
[7] Processos de Democratização, ed. cit., p.40
[8] O número de vice-presidentes da IS aumentaria de 14 para 19 neste congresso
[9] Moniz Bandeira, O Governo de João Goulart, p.128, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1977
[10] Knoche seria subdirector da CIA, após Vernon Walters, durante um único ano. A nomeação de Carlucci seria interpretada como uma recomendação do seu amigo Walters, que o presidente Carter lhe atribuiria como compensação pelo seu papel em Portugal e também como símbolo do início de um período de actividades daquela organização a favor da democracia
[11] Esta reunião teria lugar em Lisboa, de 15 a 17 de Junho de 1979
[12] Trata-se de lapso de datas, uma vez que Carlucci seria designado subdirector da CIA em 22 de Dezembro de 1977
[13] João Hall Themido, ob. cit., p.247
[14] No telegrama que o então embaixador enviaria, além de sublinhado o interesse e apoio da administração a Soares, é também indicado o manifesto desinteresse público pela visita. Diria então, há dezasseis anos, que o «almoço no American Pess Club foi cancelado por só haverem 80 inscrições» e refere que a conferência que Soares proferiria na Universidade John Hopkins só tinha tido 30 participantes, onde predominavam elementos de «nível burocrático médio». Destacaria também que a imprensa americana se não referira à visita. Aditamento 162. Telegrama MNE
[15] João Hall Themido, ob. cit., p.253
[16] John Ranelagh, The Agency: The Rise and Decline of the CIA, p.635, Sceptre, 1988
[17] Idem, p.645
[18] Este embaixador, que sucedera a Frank Carlucci em 1977, dirige hoje a World Peace Foundation sediada em Boston
[19] Acção Socialista de 8 de Março de 1979
[20] Relatório da Internacional Socialista, aprovado em Lisboa a 31 de Outubro de 1979
[21] Mário Soares estranharia, em 1978, que Medeiros Ferreira e António Barreto se tivessem constituído em deputados independentes uma vez que tinham sido «eleitos pelo partido e, desde que o deixam, sentem-se na obrigação de renunciarem ao seu mandato de deputados» (O Jornal de 8 de Setembro de 1978) mas acharia, meses depois, legítimo invocar o voto de desespero dos «desertores» do PSD para impedir a dissolução da assembleia
[22] Acção Socialista de 13 de Junho de 1979
[23] Carta confidencial aos principais dirigentes da Internacional Socialista, de 31 de Janeiro de 1980
[24] A AD obteria 45 % dos votos nas eleições legislativas de 2 de Dezembro, o que correspondia, com 128 deputados, a uma maioria absoluta na Assembleia da República
[25] Mário Soares, PS: Fronteira da Liberdade, ed. cit., p.438
[26] Comunicado do PS de 11 de Julho de 1979
[27] Mário Soares, PS: Fronteira da Liberdade, ed. cit., p.439
[28] A nomeação do governo presidido por Maria de Lourdes Pintasilgo, além de uma aberração politíca num regime democrático era, na verdade, um presente envenenado que Mário Soares aceitaria. Seria conotado com o PS e só contribuiria para o reforço da Aliança Democrática!
[29] De 38% em 1975 e 35% em 1976 o PS baixaria para 27% em 1979, 28% em 1980. Após auto-afastamento dos elementos do «ex-MES», em 1983 o PS subiria de novo para 36% e com o seu regresso, em 1985, voltaria a baixar para, agora, 20%! É evidente que esta conotação é meramente simbólica
[30] Teresa de Sousa, ob. cit., p.105
[31] Soares responde a Artur Portela, p.44, edições António Ramos, Lisboa, 1980
[32] Teresa de Sousa, ob. cit., p.105
[33] A cisão que teria lugar no grupo parlamentar do PSD. em 1979, levaria à constituição deste grupo, liderado por Magalhães Mota. O grupo parlamentar do PSD ficaria, assim, apenas com 37 dos 73 deputados que detinha na Assembleia da República.
[34] O general Ramalho Eanes tinha feito constar que sem o apoio explícito do PS se não recandidataria em 1980
[35] A reunião da comissão nacional do PS leria lugar em Santarém no dia 23 de Fevereiro de 1980
[36] A contribuição financeira de Leopold Senghor seria relativamente pequena mas durante este encontro o presidente do Senegal convidar-me-ia para acompanhar, a partir daí, os trabalhos da «Inter Africana Socialista», uma organização lançada por ele com partidos socialistas de Marrocos e da Tunísia para a finalidade de um diálogo concertado com a Internacional Socialista. Mas que seria, sobretudo, um lobby contra a Frente Polisário. Dir-me-ia também que após o apelo de Mário Soares tinha falado pessoalmente com o rei de Marrocos que lhe prometera ajudar o PS. Não sei se isso alguma vez aconteceu. A minha relação com Senghor passaria, a partir de então, a ser muito próxima tendo eu visitado o Senegal várias vezes a seu convite. O seu então ministro dos negócios estrangeiros, Moustapha Niasse, de quem ficaria igualmente amigo, acompanhar-me-ia a vários pontos do fascinante país que é o Senegal. Política e culturalmente
[37] Em Lima, Alan Garcia, oferecera aos convidados estrangeiros um jantar inesquecível. Realizado no magnífico jardim da casa de um dos dirigentes do seu partido e rodeado de extraordinárias peças de arte pré-colombiana, ser-nos-ia servido caviar do Irão em quantidades incompatíveis com a miséria que se sentia por toda a parte daquele país. Era o charme discreto da alta burguesia socialista
[38] É completamente errada a ideia de que Mário Soares nada fizera para ser o candidato a apoiar pelo PS às eleições presidenciais de 1980
[39] Soares responde a Artur Portela, ed. cit., p.20
[40] Sá Carneiro consideraria o general Ramalho Eanes responsável pela cisão no grupo parlamentar do PSD, que levaria à constituição da ASDI
[41] Fernando Barroso era então tesoureiro do PS e tinha como missão «oficiosa» manter o controlo de todas as fundações
[42] Carta de Henrique de Barros em nome do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento, de 31 de Março de 1981
[43] Portugal Hoje, de 1 de Junho de 1981
[44] Carta do «IED» ao Portugal Hoje de 9 de Junho de 1981
[45] Além da duvidosa legalidade da minha destituição do conselho fiscal do «IED» tratar-se-ia de um acto extremamente deselegante que o «ex-secretariado» repetiria em 1987
[46] Esta cimeira teria lugar a 12 de Junho de 1980, na capital da Noruega
[47] Discurso de abertura de Willy Brandt na reunião da IS, Oslo, 12 de Junho de 1980
[48] Entre os meus melhores amigos contava-se Rodrigo Borja, líder da Esquerda Democrática do Equador, cuja entrada para a Internacional Socialista seria decisivamente apoiada pelo PS. Em 1981 a minha mulher e eu seríamos convidados a passar umas férias com Rodrigo Borja e sua mulher na sua casa de campo em Las Salinas, cidade de férias no deserto equatoriano e, depois, em Quito. Teria então oportunidade de verificar que Rodrigo Borja não só era um líder carismático como um democrata pro-ocidental. Era para mim incompreensível que Carlucci o tivesse em conta de uma espécie de agente comunista infiltrado na Internacional Socialista. Após aquela visita empenhar-me-ia em «pressionar» os EUA a favor de Rodrigo Borja que, após uma primeira derrota eleitoral, em 1981, seria eleito presidente da República. Durante a sua campanha eleitoral faria um apelo ao PS para lhe conceder ajuda financeira o que Mário Soares, então primeiro-ministro, recusaria, alegando falta de meios. A política dos EUA, inicialmente baseada na opinião da sua embaixada, mudaria contudo, como acontecera em Portugal, passando Rodrigo Borja a fazer parte do clube político dos amigos ocidentais
[49] O Partido Socialista grego de Papandreu não fazia então parte da Internacional Socialista
[50] Bulent Ecevit, então primeiro-ministro da Turquia, seria deposto. Bulent Ecevit foi outro dos meus melhores amigos a quem a IS nunca daria muita importância. Dentro da medida do possível eu forçaria a IS a convidá-lo para várias das suas iniciativas. Eu próprio garantiria a sua presença no congresso que teria lugar, em Albufeira, em 1983
[51] Extratos da minha intervenção no congresso da IS em Madrid que teria lugar no dia 13 de Novembro de 1980
[52] Mário Soares e eu seríamos recebidos pelo presidente Carter no dia 27 de Junho de 1980. A sua visita a Portugal duraria apenas seis horas
[53] Soares responde a Artur Portela, ed. cit., p.17
[54] Idem, pp.18-26
[55] Idem, p.32
[56] Relatório de actividades do departamento internacional do PS ao quarto congresso. Lisboa 8 de Maio de 1981
[57] Teresa de Sousa, ob. cit., p.113
[58] Soares responde a Artur Portela, ed. cit., p.37
[59] Diário de Notícias, de 2 de Abril de 1979
[60] Teresa de Sousa, ob. cit., p.113
[61] John Rannelagh, CIA: A History, ed cit., p.221
[62] Alexander Haig, Caveat, p.227, MacMillan Publishing Co., Nova Iorque, 1984
Fonte: Livro «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido» de Rui Mateus