A Argentina declarou a sua moratória em 2001. Entre 2005 e 2010 iniciou as negociações para reestruturar a sua dívida. No dia 16 de Junho de 2014, o supremo tribunal norte americano rejeitou a apelação argentina contra a decisão do tribunal de Nova Iorque, que determinou que a Argentina teria que pagar o montante reclamado pelos fundos abutres – que não participaram das renegociações, recusando o diálogo com os argentinos.
Desta forma, os fundos abutres esperavam obter pela via judicial o equivalente a 1600% do que investiram. Os abutres compraram títulos argentinos por 48 milhões de dólares, e a sentença ordenou que o pagamento agora deve ser de 832 milhões.
Irónico, o economista Joseph Stiglitz, vencedor do prémio Nobel da Economia em 2001, observou que “esta é a primeira vez na História que um país pode e quer pagar os seus credores, mas é impedido pela justiça”.
Embora o caso tenha dado notoriedade aos fundos abutre, as suas práticas predatórias não começaram com a Argentina.
O termo “fundo abutre” serve para descrever uma entidade comercial privada que, segundo o especialista Cephas Lumina, compra ou adquire, via outras formas de transacção, um título de dívida não pago ou em quebra, com o objectivo de obter lucros exorbitantes a médio ou longo prazo.
Os fundos abutres são “hedgefunds” (fundos de cobertura) cujo “modus operandi” se caracteriza por:
1.) Comprar títulos de dívida desvalorizados no mercado secundário, a um preço muito mais baixo do que o do seu valor real;
2.) Negar-se a participar em acordos de reestruturação com o Estado endividado;
3.) Exigir pela via judicial, incluindo embargos e outras penalidades, o pagamento total da dívida, o que pode implicar na soma do valor nominal mais juros e eventuais multas.
Muitos países em desenvolvimento do hemisfério sul já foram vítimas desse tipo de procedimento “abutre”, especialmente os da África e da América Latina. Segundo o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), pelo menos 20 países pobres do continente, imensamente endividados, já foram ameaçados com acções legais por credores comerciais e fundos abutres.
No ano 2000, a empresa MNL Capital processou o Peru, e quatro anos depois o país andino foi obrigado a pagar quase 56 milhões de dólares pelos títulos da sua dívida, que os abutres compraram por 11,8 milhões.
Os documentos do BAD mostram que até o ano de 2007, os fundos abutres conseguiram 25 sentenças favoráveis e quase 1000 milhões de dólares nas suas operações no continente.
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) informam que entre 1998 e 2008 foram iniciados 54 processos contra 12 países pobres e fortemente endividados. O FMI estima que, em alguns casos, os pedidos feitos pelos fundos abutres à Justiça equivalem a cifras próximas a 12% do produto interno bruto dos países em causa.
A preocupação pela extensão dessas práticas predatórias que afectam países emergentes, além das suas implicações sistémicas, inspirou um pedido de intervenção por parte de autoridades internacionais e de instituições multilaterais.
O BAD denunciou que, mediante obstáculos para reestruturações que aliviem o pagamento da dívida e o gasto multimilionário em custos fiscais, os fundos abutres estão a soterrar o desenvolvimento dos países africanos mais vulneráveis.
Em Junho de 2014, os chefes de estado e de governo do grupo dos 77 mais a China, estiveram reunidos na cidade de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, reiteraram a importância de “não permitir que os fundos abutres neutralizem os esforços dos países em desenvolvimento para reestruturar as suas dívidas” e afirmaram que “esses fundos não devem sobrepor-se ao direito dos estados de proteger a sua população como princípio garantido pela lei internacional”.
O FMI vem reiterando que manter a sentença contra a Argentina debilitará as tentativas futuras de reestruturação de dívidas soberanas.
Em 2007, os ministros de economia dos maiores países industrializados, reunidos no Grupo dos 8, definiram uma tarefa conjunta para identificar medidas que possam resolver esses problemas.
Em Setembro de 2014, a Argentina apresentou uma resolução sobre as actividades dos fundos abutres relacionadas com a dívida externa e outras obrigações financeiras do ponto de vista dos direitos humanos, e que foi aprovada na 27ª sessão do conselho de direitos humanos das Nações Unidas, com sede em Genebra.
Antes disso, em Junho do mesmo ano, durante o 26º período de sessões do conselho, foi aprovada a resolução intitulada «Elaboração de um instrumento internacional juridicamente vinculante sobre as empresas transnacionais e outras empresas, sob a óptica dos direitos humanos». Esta última coloca em marcha um processo de negociação visando criar um instrumento legal que actue sobre as corporações transnacionais e zele pelas suas obrigações no âmbito dos direitos humanos.
Fonte: Esquerda.net