Um aspecto intrigante da história da profecia é a forma como elementos comuns se sucedem por culturas e tradições diferentes. O oráculo de Pachacamac, actualmente no Peru, em tempos o centro profético mais célebre das Américas, não poderia estar geograficamente o mais distante do santuário de Delfos e, mesmo assim, os dois tinham muito em comum.
Para começar, ambos eram locais sagrados cuja fama se espalhou por uma vasta região. Tal como pessoas de todas as partes da Grécia visitavam Delfos, também Pachacamac, próximo de onde hoje está situada Lima, atraía no seu apogeu, consulentes de todo o Peru e Sul do Equador. Os dois santuários gozaram de uma vida excepcionalmente longa: Delfos funcionou pelo menos do Século VIII A.C. até ao Século IV D.C. ao que passo que Pachacamac, certamente já utilizado em meados do primeiro milénio da Era Cristã, recebeu consulentes até 1530.
Existem ainda semelhanças nos procedimentos envolvidos na abordagem aos oráculos. Em ambos, os consulentes tinham de se purificar antes de poderem entrar no santuário. Dir-se-ia até que os procedimentos eram mais rigorosos no Peru do que na Grécia: para visitar a praça no nível mais inferior do templo, os consulentes tinham de jejuar durante 20 dias, enquanto, para serem admitidos no último patamar tinham de passar sem grande parte dos alimentos durante um ano. Alguns procedimentos eram igualmente partilhados. tanto em Pachacamac como em Delfos, os consulentes tinham de pagar uma soma avultada, ainda que no Peru fosse cobrada em géneros, como algodão, têxteis, milho, peixe seco ou, para os mais abastados, ouro. Ambos os santuários tornaram-se, assim, lendariamente ricos. Exigiam sacrifícios animais, com lamas e porquinhos da Índia, a tomarem o lugar, em Pachacamac, das cabras abatidas em Delfos.
Mesmo assim, existiam diferenças importantes entre os dois locais. Numa escala muito maior do que Delfos, Pachacamac era o santuário de um único deus. Apolo residia em Delfos, mas tinha muito mais templos pela Grécia. Pachacamac era o oráculo central do deus criador com esse mesmo nome, um dos mais venerados na América do Sul nos tempos da pré-conquista.
A disposição física dos oráculos era significativamente distinta. Delfos era muito ligado à terra; A sua inspiração proveio de uma fenda do solo. Segundo a tradição americana, Pachacamac eleva-se em direcção ao céu. A principal característica do local, situado na foz do Rio Lurín, era um montículo construído por mãos humanas com uma pirâmide de degraus no cume, a 150 metros de altura da planície costeira. O local oracular estava situado no ponto mais alto, num pequeno santuário onde uma estátua de madeira do deus se escondia atrás de uma cortina, podendo apenas ser apreciada pelos olhos dos sacerdotes.
Acima de tudo não havia equivalente da profetisa ou pítia délfica em Pachacamac. As respostas do deus eram transmitidas aos consulentes pelos sacerdotes do templo. Não restou qualquer indicação de como essas respostas eram dadas ao certo, mas a comunicação com o deus era aparentemente privada e oculta. A Pachacamac faltava todo o drama dos delírios sagrados da pítia; ao invés, o seu sucesso contínuo era baseado no prestígio duradouro do corpo dos sacerdotes.
Um oráculo destruído
O destino final de ambos os oráculos também foi bem diferente. Enquanto Delfos foi desaparecendo aos poucos, o fim de Pachacamac foi súbito. Sob o comando do irmão de Francisco Pizarro, Hernando, os conquistadores espanhóis invadiram o templo, em 1533, em busca de ouro para pagar a si mesmos o resgate do capturado inca Atahualpa. Afastando os sacerdotes que tentavam impedi-los, forçaram a entrada no santuário, já quase vazio. Avisados da chegada do inimigo, os guardiões tinham retirado as peças valiosas. Injuriando o oráculo como obra do Demo, os espanhóis capturaram e torturaram alguns dos sacerdotes e expulsaram os demais do templo. O santuário foi profanado e a voz do deus Pachacamac nunca mais foi ouvida.
A queixa de Atahualpa
Depois de Atahualpa, o chefe dos incas, ter sido feito prisioneiro pelos conquistadores espanhóis em 1532, recebeu, em cativeiro, a visita do sumo sacerdote do templo de Pachacamac. Os captores espanhóis ficaram surpresos ao ver que Atahualpa tratou o visitante com desprezo. Quando interrogado sobre a razão de tal fúria, o prisioneiro respondeu que o oráculo fizera, nos últimos tempos, três previsões erradas: afirmara que o seu pai recuperaria da doença caso fosse exposto ao Sol, porém morrera; dissera a Huascar, rival de Atahualpa na guerra civil que dividia o país aquando da chegada dos espanhóis, que seria vitorioso; e, para cúmulo, aconselhara Atahualpa a atacar os homens de Pizarro, garantindo-lhe que os mataria a todos. O imperador estava de tal forma amargurado com os maus conselhos do oráculo que chegou mesmo a sugerir aos espanhóis que acorrentassem o sacerdote para ver se Pachacamac conseguiria libertá-lo.
O templo de Pachacamac descrito por William H. Prescott [1]:
«Os oráculos, realizados no seu santuário sombrio
e misterioso, gozavam de uma reputação entre
os nativos de Tawantinsuyu (ou “os quatro cantos
do mundo”, como Peru era apelidado pelos Incas) em
nada nferior aos oráculos de Delfos entre os gregos.»
NOTA:
[1] History of the Conquest of Peru de William H. Prescott
Fonte: Livro «As Profecias que Abalaram o Mundo» de Tony Allan