É a partir dos escritos de Diodoro, o Siciliano, bem como dos de Platão, que podemos retirar o pouco que sabemos em relação à linhagem real da Atlântida. Platão, de facto, garante-nos que essa linha de sucessão existiu, mas deixa-nos às escuras no que diz respeito aos nomes dos seus membros, com a excepção dos filhos de Poseidon: Atlas, Gadiro ou Eumelo, Anferes, Evaimão, Mneseu, Autóctene, Elasipo, Mestor, Azaes e Diaprepes. Examinemos primeiro estes e vejamos o que podemos concluir a partir deles.
Noutros mitos alude-se a Atlas como o filho de Jápeto e Climene, e irmão de Prometeu e Epimeteu, os titãs, juntamente com quem entrou em Guerra contra Zeus. Derrotado pelo Deus Pai helénico, viu-se forçado a carregar os céus sobre a cabeça e os ombros. Segundo Homero, ele é, de facto, quem suporta as longas colunas que mantêm separados os céus e a terra. Na verdade, é aquilo a que os estudantes de mitologia mexicana, seguidores do falecido Professor Eduard Seler, chamariam hoje um “suporte do céu”, um daqueles génios que sustenta o tecto do mundo. A ideia surgiu provavelmente da crença de que o Monte Atlas, em África, tal como outras montanhas grandiosas, sustenta efectivamente o céu. Outros mitógrafos, como já vimos, representam Atlas como um sábio astrólogo, um monarca que foi o primeiro a ensinar aos homens a Ciência de ler as estrelas. Havia, é claro, mais do que um Monte Atlas, e encontramos montanhas com nomes semelhantes na Mauritânia, Arcádia e Cáucaso. As Plêiades, Híades e Hespérides eram suas filhas.
Eumeio, ou Eumolpus, também conhecido como Gadiro, cujo nome está associado a Cádiz e ao estreito de Gibraltar, o antigo Fretum Gaditanum, era considerado o fundador dos Mistérios Eleusianos, dos quais falaremos mais à frente. De Anferes, Evaimão e Mneseu, não encontramos qualquer menção na mitologia clássica. O nome Autóctene implica simplesmente “aborígene”, mas é preciso notar que os gregos o aplicavam geralmente a pessoas da antiga estirpe dos pelasgos, cuja História, diz Mr. Walters no seu «Classical Dictionary», “pode ser comparada com a dos bascos em Espanha e dos celtas em Gales“. Foram eles, na verdade, que introduziram toda a cultura na Grécia. Elasipo, Mestor e Azaes são igualmente desconhecidos na tradição clássica, e o mesmo se passa em relação a Diaprepes. Temos no entanto de recordar que Platão afirma expressamente que estes nomes foram adaptados ao egípcio pelo sacerdote de Saís, a partir da língua atlante, e posteriormente helenizados por Crítias, pelo que há poucas esperanças de terem sido transmitidos numa forma semelhante à original.
Quanto a Platão, é tudo. Diodoro diz-nos que Urano foi o primeiro rei dos atlantes. Urano era o deus grego do Céu, e pai de Jápeto o Titã, o Japhet bíblico, de Oceano, dos Ciclopes, e de muitas outras figuras míticas, incluindo os Gigantes. Os seus filhos atlantes mais conhecidos eram Basileia (que significa simplesmente “rainha”) e Reia ou Pandora. Atlas, Saturno e Hésper são também mencionados como fazendo parte da sua descendência. As Atlântidas tornaram-se a constelação das Plêiades. Um certo Júpiter — não o deus com o mesmo nome — tornou-se mais tarde rei dos atlantes, afastando o seu pai, Saturno, com a ajuda dos titãs.
Torna-se claro que a história mítica da Atlântida está, em certa medida, associada aos incidentes da Guerra entre deuses e titãs, que figura de modo tão proeminente na mito-história e na arte gregas. A História da titanomaquia, ou Guerra divina com os titãs, conta que Urano, o primeiro governante do mundo, expulsou os seus filhos, Briareu, Coto e Gies, os hecatonquiros, ou centímanos, para Tártaro, juntamente com os ciclopes, “as criaturas com olhos redondos ou circulares”, pastores gigantescos da Sicília. Géia, a sua mulher, indignada com isto, incitou os titãs a erguerem-se contra o seu pai. Estes depuseram-no e colocaram Cronos no trono. Mas Cronos, por sua vez, expulsou os Ciclopes de novo para Tártaro e casou com a irmã, Reia. Urano e Géia tinham previsto que ele próprio seria deposto pelos seus filhos e, quando estes nasceram, Cronos engoliu-os a todos, excepto a Zeus, que a mãe escondeu numa gruta em Creta. Quando Zeus atingiu a idade adulta, deu ao pai uma poção que o fez vomitar os filhos que tinha engolido, e estes viraram-se contra Cronos e os titãs. Géia prometeu a vitória a Zeus se este libertasse os ciclopes e os hecatonquiros de Tártaro. Ele assim fez, e os titãs foram dominados e eles próprios exilados para Tártaro.
Encontramos então as mesmas personagens ligadas à Guerra dos deuses contra titãs e à Atlântida. Na verdade, é evidente que Diodoro aplica efectivamente a História e as figuras da Guerra entre deuses e titãs à história da Atlântida. Com que base o faz? Só podia tê-lo feito com base numa tradição já existente. Certamente que não inventou a história da Guerra titânica, que já circulava séculos antes do seu tempo. Parece razoável supor, então, que existia de facto a tradição de uma grande Guerra no oceano Atlântico. Os deuses, acreditavam os gregos, eram originários do Ocidente. Era daí que vinham os mistérios e todas as culturas. Os ciclopes e os titãs estavam igualmente relacionados com o Ocidente, os primeiros com a Sicília e as ilhas do Mediterrâneo, os últimos com outras ilhas. Pompónio Mela afirma que Albion, o titã, filho de Poseidon, e deus protector original da Grã-Bretanha, era irmão de Atlas, e o ajudou juntamente com Iberius, deus da Irlanda, a contestar a passagem ocidental de Hércules. Albion é o Alba onde a Escócia foi buscar o seu antigo nome, Albany. Havia portanto uma raça distinta de titãs ligada ao Atlântico, e, se Albion e Iberius podem ser identificados com as Ilhas Britânicas, é razoável presumir que Atlas foi também em tempos a divindade protectora de um território ocidental no oceano ao qual os mitos associam persistentemente o seu nome.
As histórias de todos os povos começam com uma dinastia de deuses-reis, que se fundem mais tarde com a História “real” à medida que o tempo avança. As dinastias gregas e romanas, os anais egípcios, babilónios, mexicanos e centro-americanos, todos começam com histórias tradicionais das vidas e feitos de monarcas de descendência divina. A Grã-Bretanha não é menos pia nas suas genealogias reais. Vi, numa estalagem à beira da estrada, uma genealogia ilustrada moderna que traça a linhagem do rei Jorge V desde Adão e dos primeiros reis escoceses “míticos”, e não possuem também os Lears e os Artures? O que é o mito na sua forma histórica? Não será meramente a história tradicional passada de boca em boca antes da idade da escrita? Menes, o primeiro rei da Primeira Dinastia do Egipto, era considerado mítico até ser descoberta referência a ele num túmulo contemporâneo. Tróia era considerada um sonho de Homero antes de Schliemann a descobrir. Quedorlaomer também era considerado lendário antes de serem descobertas inscrições ostentando o seu nome. Podíamos mencionar centenas de exemplos de grandes nomes recuperados dos mitos. Haverá então alguma boa razão para negar a probabilidade de os nomes dos reis da Atlântida, dados por Platão e Diodoro, poderem em tempos ter pertencido a pessoas históricas verdadeiras?
Tal como já disse, trabalhamos com a desvantagem de ter os nomes dos reis da Atlântida apenas em forma grega. Nem possuímos a mínima pista cronológica quanto ao seu período. Parece pouco provável que tenham governado a Atlântida na sua Idade da Pedra, tal como é improvável que Lear ou Artur representem o Neolítico na Grã-Bretanha. São chamados “os primeiros reis” da Atlântida, e não lhes é reclamada nenhuma antiguidade extraordinária anterior ao Cataclismo.
Tudo aponta para a possibilidade de a Atlântida, tal como passou por várias provações cataclísmicas, ter vivido também mais do que uma revolução de mudança cultural e Política. A arte aurignacense que parece ser proveniente da ilha exibe certos sinais de cultura durante muitos séculos, muito antes de ter alcançado o seu centro europeu, e a decadência da arte azilense, aliada a um progresso nas coisas materiais, indica outra revolução na roda das questões humanas na Atlântida. Os vestígios aurignacenses como já dissemos, parecem apontar para a existência prévia de uma grandiosa civilização na Atlântida em alguma altura antes de final do Pleistoceno.
Se examinarmos esta hipótese sem paixão ou preconceito, temos de reconhecer que não é, de modo algum, tão improvável como parece à primeira vista.
A colonização da Europa pelos aurignacenses ocorreu no final da Grande Idade do Gelo, ou seja, há cerca de vinte e cinco mil anos. Na Europa, a principal calota polar estendia-se desde o cabo Norte, na Noruega, até ao norte de França, cobrindo um espaço que coincide com a Prússia dos dias de hoje. Aqui e ali, nos territórios mais a Sul, manifestava-se nos locais onde se erguiam as cadeias montanhosas, maiores ou menores, mas o fenómeno era menos imponente nestas regiões, devido ao menor tamanho das montanhas e à sua localização, numa linha isotérmica mais quente. O norte de África revela pouca ou nenhuma glaciação e, portanto, é muito improvável que a Atlântida, que ficava aproximadamente na mesma latitude e era um território marítimo, tenha passado por uma glaciação em grande escala, ou que possuísse, na verdade, durante a Idade do Gelo, um clima mais rigoroso do que, por exemplo, o norte da Escócia dos nossos dias.
Se admitirmos isto, e se admitirmos também a presença na Atlântida de uma raça de homens — o Cro-Magnon — de indubitável superioridade em termos de cultura e de capacidade cerebral (uma conclusão a que podemos chegar justificadamente em virtude do tamanho da caixa craniana do Cro-Magnon, bem como dos vestígios da arte aurignacense), não há nada de muito chocante na suposição de que, num período em que a Europa estava enterrada sob o gelo pleistocénico, ou fortemente afectada nas suas regiões sul por glaciações locais, a Atlântida, comparativamente livre destas condições, e gozando um clima de carácter relativamente temperado, tenha desenvolvido uma civilização que, numa época posterior, foi destruída por uma série de cataclismos de natureza vulcânica ou sísmica.
A raça divina de Platão, os filhos de Poseidon, descendia pois do lado feminino de uma estirpe autóctone ou aborígene. Estes podem ser considerados os azilenses, pois certas considerações parecem tornar provável que o grande civilizador Poseidon (se o considerarmos uma figura humana) colonizou a Atlântida alguns séculos antes da chegada dos azilenses à Europa, ou, aproximadamente, cerca de mil anos antes do afundamento da Atlântida. Nessa altura a antiga cultura aurignacense na ilha-continente devia estar quase completamente extinta. O facto de a raça em si mesma não o estar parece estar implicado na descrição do mito da Guerra com os titãs, nomeadamente em relação aos ciclopes. Estes ciclopes eram uma raça alta, de olhos redondos, vestida de peles e que habitava em grutas. A sua descrição, na verdade, corresponde quase exactamente à do homem Cro-Magnon, que deve ser uma degeneração dos aborígenes da Atlântida. O crânio do Cro-Magnon era grande, os seus malares altos, as órbitas imensas e todo o seu físico poderoso. E sabemos que os Cro-Magnon, tal como os ciclopes, se vestiam de peles e habitavam em grutas.
Temos então Poseidon, o portador de cultura, a chegar à Atlântida alguns séculos antes do seu afundamento final, onde se aliou aos últimos restos dos aborígenes Cro-Magnon, dando à sua cultura moribunda uma tendência mais moderna, precisamente como Quetzalcoatl fez no México. Na verdade, os mitos de Poseidon e de Quetzalcoatl são praticamente idênticos. Em «Atlantis in America» apresentei provas de que as personalidades de Atlas e Quetzalcoatl são as mesmas (pp. 199 e segs.) e isto aplica-se de igual modo a Poseidon, o pai de Atlas, que possui os mesmos atributos do herói. Sabemos que Quetzalcoatl chegou ao México proveniente de alguma localização no Atlântico. Mas de onde veio Poseidon?
Poseidon, segundo creio, era o líder do grupo de invasores azilenses ou proto-azilenses que conquistou a Atlântida e a colonizou, alguns séculos antes do grande assalto à Europa. É geralmente descrito como um deus de origem “pelasgiana”. Ora esta designação, pelasgiana, é geralmente utilizada para indicar uma raça que colonizou a Grécia numa época remota, e que construiu estruturas enormes de pedra maciça. Eram, na verdade, a raça micénica, que trouxe os mistérios do culto Cabiri para a Grécia, um povo de estirpe ibérica. Os aziienses, como já vimos, eram proto-iberos. Temos pois boas bases para poder afirmar que Poseidon era o líder, ou sacerdote-rei, dos aziienses invasores da Atlântida. Restam poucas dúvidas de que toda a raça ibérica tem origens remotas no Norte de África, e parece provável que Poseidon, “deus” do mar Mediterrâneo, tenha conduzido o seu povo desde a região do Atlas, no norte de África, até à Atlântida, de onde, alguns séculos mais tarde, viriam a invadir tanto a Europa como o seu lar original[1].
Se considerarmos razoáveis estas conclusões, certamente não demasiado dúbias, temos material para um esboço, embora talvez vago e com muitas lacunas, dos eventos históricos na Atlântida, desde o período que antecede a invasão Cro-Magnon da Europa até ao afundamento final da ilha-continente.
Temos, em primeiro lugar, de imaginar a Atlântida, uma ilha quase do tamanho da Austrália, como assento de uma grande civilização pré-histórica de aspirações muito consideráveis. É habitada por uma raça de belo físico — um físico, na verdade, como o mundo não voltou a ver. Com a ajuda de ferramentas de sílex, bem como do seu génio nativo, esta raça foi bem sucedida, nas condições afortunadas de um Ambiente livre do gelo do Pleistoceno, desenvolvendo um tipo de esforço artístico decididamente elevado, num período cerca de vinte e três mil anos, ou mais, antes da era cristã. Celebram cerimónias religiosas em grandes grutas decoradas com pinturas elaboradas dos seus deuses animais e semi-humanos e embelezadas ainda com baixos-relevos e estatuetas de ídolos. A sua vida pública circula e floresce em torno destas grutas-templos, no exterior das quais provavelmente erguem casebres e pequenas casas de pedra ou argila. Desenvolvem, como já vimos, classes sociais, os protótipos das que existem nos dias de hoje.
Então, há cerca de vinte e dois mil anos, a sua ilha-continente é visitada por um severo cataclismo sísmico, sob cuja fúria são arremessadas ao mar porções de terra. Aterrorizados, grandes números dos seus habitantes fogem para o continente europeu através da ponte terrestre. Anteriormente, sempre tinham sido avessos a instalar-se na área continental devido às condições notoriamente frias e hostis que aí vigoravam, mas com o gradual desaparecimento do gelo esta situação estava algo mitigada, e encontravam agora pouca diferença entre estas condições e as do seu território natal. Os que ficaram prosseguiram com a sua antiga cultura, que os colonos europeus permitiram que degenerasse em certa medida.
Por volta de 14.000 a. C. ocorre um segundo Cataclismo, e este forçou grande número de atlantes (magdalenenses) a fugir para a área europeia. Levam consigo uma arte que, por ter permanecido no seu antigo lar, ultrapassa consideravelmente em técnica e detalhe a arte Cro-Magnon degenerada, mas têm mais tarde de enfrentar o regresso das condições glaciares à Europa.
Então, aparentemente por volta de 10.500 a. C., “Poseidon” e os seus proto-iberos azilenses invadem a Atlântida, provenientes da região norte-africana.
É a partir deste ponto que temos uma base sobre as realidades da História atlante. Poseidon deve ter sido um antigo herói cultural, semelhante àqueles que encontramos ligados aos mitos de migração polinésios e mexicanos. Na verdade, ele age na Atlântida precisamente como estes agiram nas suas próprias esferas. Ora, é altamente improvável que Platão pudesse ter fabricado pessoalmente uma História que encaixa de modo tão preciso com as circunstâncias de outras lendas, posteriores, de heróis culturais. É nestes casos que o folclore presta assistência à História.
Poseidon apodera-se da liderança da ilha da Atlântida. Casa com uma mulher nativa. Escava grandes canais e constrói um templo sobre uma colina. Cria uma prole de gémeos, que posteriormente governarão a ilha e as ilhas circundantes, e funda uma casta especial e um sistema religioso próprio, baseado na veneração dos antepassados.
Estas circunstâncias são quase paralelas à lenda de Hotu Matua, o herói cultural da Ilha da Páscoa, no Pacífico, uma localidade que, tal como as Canárias, é obviamente um fragmento de um grande continente oceânico submerso. Isolado na Ilha da Páscoa com um grupo de seguidores, Hotu Matua impôs a si próprio a tarefa de reconstruir a Sociedade. Ergueu estruturas imensas em pedra, muralhas, santuários primitivos e estátuas. Através de um sistema engenhoso de tabus, assegurou e perpetuou a Religião dos seus pais polinésios[2].
Outros mitos exibem circunstâncias semelhantes. Os índios Creek dizem que Esaugetuh Emissee, “o Mestre da Respiração“, chegou à ilha Nunne Chaha, localizada no Deserto de Água primevo, e aí construiu uma casa. Erigiu também uma grande muralha à volta dela e orientou as águas em canais[3]. O que é isto senão a história de Poseidon na Atlântida?
Diz-se que Manibozho, o grande deus dos índios Algonquinos, “esculpiu a terra e o mar ao seu gosto”, tal como a divindade dos Huron, Tawiscara, “guiou as águas em canais tranquilos”. O deus peruano Pariacaca chegou, tal como Poseidon, a um território montanhoso. Mas o povo insultou-o e ele lançou sobre eies uma grande inundação que destruiu a aldeia. Ao conhecer uma bela donzela, Choque Suso, que chorava copiosamente, perguntou-lhe qual era a causa da sua dor e ela informou-o de que a colheita de milho estava a morrer por falta de água. Ele garantiu-lhe que reviveria o milho se ela lhe concedesse a sua afeição e, quando a donzela consentiu à sua corte, irrigou a terra através de canais. Eventualmente, transformou a sua esposa numa estátua.
Outro mito peruano conta que o deus Thonapa, irado com o povo de Yamquisapa, na província de Alla-Suyu, por ser demasiado dedicado ao prazer, submergiu a cidade sob um grande lago. O povo desta região venerava uma estátua em forma de mulher, que se erguia no cimo da colina Cachapucara. Thonapa destruiu a colina e a imagem e desapareceu no mar.
Encontramos nestes mitos a maioria dos elementos que formam a história de Poseidon na Atlântida: a colina sagrada, a criação de zonas de terra e água, o deus que desposa a donzela nativa, a inundação desastrosa. Isto é aquilo que é conhecido entre os mitólogos como “o teste da recorrência”. Se uma parte de um mito se encontra numa parte do mundo, e uma secção sobreposta noutra parte, isso demonstra claramente que se trata de fragmentos circulantes de um mito que foi em tempos homogéneo, e que as partes que não correspondem são suplementares umas das outras, unidas pelas que correspondem.
Ora, tanto quanto eu saiba, não havia nenhum mito como estes, relativo às ilhas mediterrânicas, que pudesse estar ao dispor de Platão.
Como é então possível que ele utilizasse material que existia indubitavelmente noutros locais, mas do qual não podia ter conhecimento, se não tivesse sobrevivido uma tradição geral das circunstâncias da história da Atlântida, disseminada por um lado para a Europa e Egipto e por outro para a América? As tradições, conforme sabemos, sobrevivem ao longo de séculos incontáveis, e não há nada de extravagante na suposição de que a tradição referente à Atlântida se tenha tornado, lenta mas seguramente, conhecida dos povos em ambos os continentes.
No relato de Diodoro é evidente que Urano é equivalente a Poseidon no relato de Platão. Ambos são descritos como pai de Atlas, que, para efeitos práticos, podemos considerar a figura central ou fulcral da história atlante. Platão não nos dá mais detalhes em relação aos reis da Atlântida, depois de nos dizer que aí reinaram “durante gerações”. Não se passa o mesmo com Diodoro, que, segundo parece, tinha acesso a uma tradição ou tradições de alcance mais vasto, no que diz respeito a esta parte em particular da história atlante. De facto, ele narra a história dos reis atlantes até ao tempo de Júpiter, que, garante-nos, era uma personagem totalmente diferente da divindade com o mesmo nome.
Primeiro, temos Basileia, “a grande mãe”, “a rainha” par excellence, que não é outra, claro, senão aquela a quem todo o Mediterrâneo, de Cartago a Canaã, viria posteriormente a venerar como a Deusa Mãe, ou Astaroth, Astarte, Diana, Vénus, Afrodite, Ísis — essa grandiosa figura maternal que tinha cem nomes e cem seios, e contudo uma única personalidade, e que é possível encontrar também na Grã-Bretanha, na Irlanda na Gália, e na América, embora não na Alemanha ou entre os povos eslavos. A sua “distribuição” segue precisamente as mesmas linhas e correntes da colonização e emigração atlante. Onde quer que o seu nome chegou, chegou também algo da Atlântida. Os invasores atlantes, Cro-Magnon e azilenses, foram os primeiros a trazer o culto desta divindade para a Europa, como provam as suas estatuetas ou ídolos. Estas retratam uma mulher com os símbolos da maternidade exagerados, como observa Macalister. Ela era a deusa e, ao seu lado, tal como na Atlântida de Platão, vinha o touro, como veremos quando tratarmos a religião atlante, no capítulo próprio. O mito relatado por Diodoro, que fala da loucura da deusa após a morte dos filhos, é, naturalmente, a loucura que é descrita em muitos locais da História clássica como fazendo parte do seu culto — a fúria da Natureza selvagem e feroz, tal como é retratada na história de Ísis e na da Deusa Mãe da Escócia, a Cailleach Mheur. A loucura de Agave após a morte de Penteu é também uma sua distorção, o desespero de Core após o desaparecimento de Perséfone uma recordação do mesmo.
Atlas, o seu irmão, que a seguiu, era, diz-nos Diodoro, um sábio astrólogo, o primeiro a descobrir o conhecimento da esfera. Até hoje o seu nome está relacionado com a ciência da Geografia. É significativo que existam, ainda hoje, um oceano inteiro e uma cadeia montanhosa com o seu nome. São sempre as figuras epónimas a partir das quais que são baptizadas localidades e raças dos homens que, com o decorrer do tempo, são elevados à divindade. Hélade era o pai de todos os gregos, os ingleses têm como seu progenitor Ingwe, os escoceses veneravam Scota ou Skatha, cujo nome ainda sobrevive no nome da ilha de Skye, os romanos foram buscar o seu nome a Rómulo, e centenas de outras raças consideram-se ou consideravam-se filhos de antepassados epónimos. Não há, portanto, nada de irrazoável na suposição de que o nome do povo da Atlântida derivava do de Atlas, o titã que fora em tempos um homem, e que deu o seu nome à nação.
Atlas, diz Diodoro, casou com a sua irmã Hesperis, e juntos tiveram sete filhas, cujos nomes, diz-se, foram dados aos planetas. Não temos forma de saber durante quanto tempo Atlas reinou, mas terá sido provavelmente durante a sua posse do trono que a cidade da Atlântida foi fundada. Dificilmente poderia ser local de muita importância no reinado de Poseidon, o primeiro rei, e parece muito mais provável que o templo que continha a sua imagem, e a de Clito, sua mulher, tenha sido erigido após a sua morte. No entanto, contra esta posição, podemos mencionar o facto de as estátuas dos seus dez filhos também se encontrarem no edifício sagrado, e de estas serem evidentemente as imagens dos “antepassados”, homens mortos e deificados. Pode portanto ser seguro concluir que, apesar de o templo e as estátuas de Poseidon e Clito datarem do reino de Atlas, as estátuas dos gémeos deificados terão sido colocadas num período posterior.
Atlas, o astrónomo, deve ter usado o palácio que se erguia na colina sobre a cidade como observatório. Mas, quando falamos de “templos”, “palácios” e “observatórios”, o crítico pode dizer: “Não esqueçamos que estamos a falar de uma época de há mais de dez mil anos, e que os imigrantes azilenses em Espanha não construíram esse tipo de estruturas.” É verdade. Mas é um facto que Mrs. Elena Whishaw, da Escola Anglo-Hispânica de Arqueologia existente em Huelva, no sudoeste de Espanha, aí descobriu obras extensas do período azilense. Mrs. Whishaw conseguiu trazer à luz do dia inúmeras evidências dessa civilização tartéssica que floresceu no sul de Espanha em tempos pré-romanos e mesmo pré-cartagineses. Depois de muitos desencorajamentos, ela conseguiu fundar a Escola Anglo-Hispânica de Arqueologia em 1914, primeiro em Sevilha e, mais tarde, em Niebla, sob o patrocínio do rei Afonso. O museu que ela ergueu no exterior da pequena cidade murada é um modelo dentro do seu género, e está repleto dos resultados das suas escavações, em todas as fases, do Paleolítico à época árabe.
A grande maioria dos objectos da Idade da Pedra que se encontra neste museu foi classificada, de acordo com as posições das autoridades modernas, como pertencentes ao Paleolítico ou Antiga Idade da Pedra. São de tipo aparentemente único, pois não são, como os objectos paleolíticos de outras regiões, de sílex, mas sim de vários tipos de pedra, incluindo quartzo, pórfiro e ardósia, na sua maioria recuperados de minas da última Idade do Gelo. As exposições incluem também muitos objectos do Neolítico e inúmeros fragmentos de cerâmica delicadamente polida, alguns dos quais ostentam desenhos em relevo. Foram também encontrados perto de Sevilha mosaicos fúnebres em cerâmica, relacionados com restos mortais que foram classificados como Cro-Magnon, pelo que podemos pelo menos suspeitar do fabrico de objectos de barro pelo homem do Paleolítico nesta região.
Naturalmente, é bem conhecido que floresceu na Andaluzia um elevado grau de civilização, durante muitas eras antes da ocupação da província pelos romanos. O antigo reino dos tartessos já existia há muito quando os cartagineses entraram no sul de Espanha. A fundação desta cultura tartéssica pode, talvez, ser remetida à fusão dos líbios da região do Atlas, no norte de África, com o povo da Idade da Pedra em Espanha, mas esta teoria não explica completamente o elevado grau de capacidades técnicas demonstrado na construção de grandes portos e de muralhas e fortalezas ciclópicas, cujos restos constituem as bases arqueológicas mais notáveis da província, e mostram muitos sinais de trabalho manual pré-tartéssico. Em Niebla foram efectuadas sondagens, a uma profundidade de nove metros, em solo repleto de vestígios do Paleolítico, sem qualquer sinal de se atingir o fim do depósito. Estes vestígios variam, desde dardos de quartzo em miniatura, alguns apenas com cerca de um centímetro, até anzóis belamente talhados e pequenas pontas de lança de pórfiro, e muitos outros pequenos objectos do tipo geralmente classificado como azilense, cuja utilização exacta está ainda por decidir. Foram também desenterradas enormes mós de cereais, feitas de algo que é localmente conhecido como quartzo negro. Nenhum destes objectos poderia ter sido trazido para Niebla pelo rio.
Durante algum tempo, Mrs. Whishaw teve dificuldade em explicar a ausência de habitações Cro-Magnon numa zona tão rica em vestígios aurignacenses. Existe toda uma série de grutas nas margens do rio Tinto, em frente de Niebla, mas era óbvio que estas só tinham sido habitadas muito depois de o homem de Cro-Magnon ter dado lugar a uma raça posterior. Mas, nas imediações do local onde tinham sido desenterrados muitos dos seus vestígios, e sob as fundações de Niebla foi encontrada a parte inferior de uma parede talhada na pedra calcária nativa. A associação desta parede com os utensílios paleolíticos de carácter aurignacense pareceria remeter a sua manufactura para a raça Cro-Magnon, e, se recordarmos a excelência da escultura, pintura e trabalho do osso aurignacenses, a teoria parece não ser completamente improvável.
Mais tarde foram também escavadas fundações que foram remetidas à Idade do Bronze. Estas estão localizadas no exterior das muralhas de Niebla, voltadas para o rio no lado sul, e ocupam um espaço de aproximadamente trinta metros de comprimento. São compostas por aquilo que é localmente conhecido como hormazo, uma variedade primitiva e mais grosseira da argamassa do período posterior, conhecida como hormigon e peculiar da região andaluza. O emprego de um ou outro destes materiais proporciona um critério através do qual se pode chegar ao período aproximado da construção de edifícios nesta região, e isto determina o carácter mais antigo de uma muralha imensa, feita de pedras enormes e grosseiramente talhadas, construída ao longo das margens do rio Tinto, a leste da cidade, unidas por argamassa hormazo.
Esta estrutura foi revelada em 1923, graças a uma série de inundações. O rio foi artificialmente aprofundado ao longo da muralha de modo a formar um porto e, se fosse necessária prova de que era essa a intenção dos seus construtores primitivos, esta encontra-se numa escada com mais de nove metros de largura, entalhada na rocha, que leva de uma das cinco grandes torres da cidade até ao rio. A muralha foi sem dúvida construída para impedir a obstrução por aluviões da lagoa artificial e, ao mesmo tempo, para reforçar as defesas da cidade. Mrs. Whishaw recebeu recentemente permissão, sob ordem real, para escavar livremente no interior das muralhas de Niebla e espera descobrir mais sobre a fase inicial da sua história quando estas escavações forem empreendidas, sob a orientação de especialistas.
Assim, não só parece evidente, a partir das escavações de Mrs. Whishaw, que a raça Cro-Magnon construía efectivamente em pedra, uma vez que a muralha em questão foi encontrada associada aos seus artefactos, mas também que a raça azilense ou proto-ibérica construiu o grande porto em Huelva, bem como as muralhas e escadarias aí encontradas, algumas das quais revelam um trabalho semelhante ao da estranha alvenaria poligonal dos incas peruanos. Na verdade, Mrs. Whishaw, uma arqueóloga de grande experiência, atribui ela própria as obras em questão a imigrantes atlantes, e está actualmente a preparar um ensaio alargado sobre o assunto, que pretende intitular Atlântida na Andaluzia.
Não há pois razão para não falarmos de “palácios” e “observatórios” na Atlântida do tempo de Atlas. Provavelmente os últimos pareciam-se com a inti-huatana do Peru, inca e pré-inca, e não parece haver nada muito improvável em imaginar o sábio Atlas sentado num edifício assim, ocupado com o estudo dos corpos celestes.
Podemos inferir, pela circunstância de Atlas estar envolvido nas pesquisas da Astronomia, que o seu reino era um reino pacífico. Muito provavelmente foi um reinado de considerável duração, que testemunhou o crescimento e consolidação do poder atlante.
Diodoro diz-nos que Júpiter foi um rei dos atlantes e, uma vez que ele tem o cuidado de nos garantir que esta personagem não era o deus com o mesmo nome, temos de deduzir que se tratava de um homem baptizado em homenagem ao deus. Mas parece haver alguma dúvida sobre quem terá ocupado primeiro o trono, Saturno, irmão de Atlas, ou Júpiter, o seu filho. “Este Júpiter” diz Diodoro, “ou sucedeu ao seu pai Saturno como rei dos atlantes, ou o destituiu.” Parece assim que Saturno terá reinado primeiro e deixado a sucessão ao seu filho do modo habitual, ou que Júpiter o expulsou do trono. Esta última hipótese parece mais provável, pois Diodoro diz-nos que: “Saturno, diz-se, entrou em Guerra contra o seu filho, com a ajuda dos titãs, mas Júpiter venceu-o em batalha e conquistou todo o mundo.” “Saturno“, observa ele ainda, “era profano e ambicioso.” Podemos pois presumir que um rei ou chefe ímpio e avaro, cuja avareza e profanidade se tinham tornado uma ameaça para o corpo político, foi destituído por um filho mais devoto e ponderado. Saturno, segundo nos é dito, valeu-se do auxílio dos titãs, ou seja, provavelmente da parte aurignacense da população mais antiga, o alto povo Cro-Magnon, na batalha com o filho, e é provável que este uso de um povo até então pacífico tenha tido bastante a ver com a posterior agitação na Atlântida.
Podemos, então, encarar Júpiter como o terceiro rei da Atlântida, ou pelo menos o terceiro de quem temos algum conhecimento concreto. Foi no seu reino que se começaram a manifestar os elementos de agitação que desempenhariam um papel tão desastroso na história atlante. Mas é possível, e na verdade parece muito mais provável, que as quatro figuras de destaque na história atlante, Poseidon, Atlas, Saturno e Júpiter representem os fundadores de quatro dinastias distintas, bem como de quatro reinos individuais. Na verdade, podemos depreendê-lo a partir do relato de Platão, que nos diz que “durante muitos séculos, não perderam de vista as suas origens augustas, obedeceram a todas as leis e foram adoradores religiosos dos deuses seus antepassados”. Quatro reinos não poderiam cobrir um período de tempo tão alargado, e somos levados à conclusão de que as personagens indicadas foram os primeiros monarcas de novas linhas dinásticas. Tal é ainda mais provável pelo facto de terem os nomes de deuses “clássicos”, que lhes foram conferidos pelo informante de Platão, na impossibilidade de poder transmitir os seus nomes atlantes ou egípcios numa forma compreensível para os ouvintes gregos. Os fundadores de novas dinastias passam quase sempre à História como seres de nascimento divino ou semi-divino. Há vários casos deste tipo na história egípcia, na linhagem merovíngia dos francos, cujo primeiro rei, Mérovée, tinha supostamente origem sobrenatural, e existem também exemplos romanos, gregos e babilónicos.
Também isto fornece um argumento poderoso a favor da hipótese de os únicos quatro reis da Atlântida, de cujos nomes possuímos algum registo, não serem deuses, mas sim homens humanos, a quem foram mais tarde prestadas homenagens divinas. Parece também que era habitual na Atlântida deificar os reis após a sua morte, precisamente como acontecia no Egipto e em Roma, e, com alguma frequência, entre as tribos da Grã-Bretanha antiga e os índios norte-americanos. Isto, naturalmente, explica também que fossem considerados deuses pelas gerações posteriores. Eles eram, na verdade, “deuses”, precisamente no sentido em que Numa Pompílio ou Marco Aurélio foram considerados “deuses” depois da sua morte.
Com aquela que podemos então considerar ser a dinastia de Júpiter, parece ter-se manifestado um espírito revolucionário no corpo político da Atlântida. “Com o decorrer do tempo”, diz Platão, “as vicissitudes das questões humanas corromperam, pouco a pouco, as suas instituições divinas e começaram a comportar-se como os restantes filhos dos homens. Deram ouvidos ao aguilhão da ambição e procuraram governar pela violência. Nessa altura Zeus, o rei dos deuses, contemplando esta raça em tempos tão nobre que se tornara depravada, resolveu puni-la e, através de uma triste experiência, moderar a sua ambição.”
É aqui que termina o relato de Platão no «Crítias», e creio que foi a sua morte que o deixou por terminar. Creio também que ele nos poderia ter dito muito mais sobre a Atlântida se tivesse sobrevivido o tempo necessário para desenvolver o seu relato. A passagem em questão aplica-se, na minha opinião, não aos eventos anteriores à catástrofe final, mas à parte da história atlante em que o espírito revolucionário surgiu pela primeira vez. Saturno, o ocupante avaro e anti-religioso do trono, despertara evidentemente sentimentos populares contra as suas políticas, ou ausência delas, e alienara não só os seus súbditos como também o seu herdeiro. Este, provavelmente, liderou uma revolta popular contra o velho tirano, que, não conseguindo encontrar ajuda entre os seus súbditos, recorreu à estirpe autóctone mais antiga, os aurignacenses. Houve, diz-nos Diodoro, uma batalha, na qual ele e os seus aliados foram derrotados e após a qual foi expulso do poder.
Mas os atlantes, anteriormente um povo pacífico e cumpridor, estavam agora contaminados com a febre do conflito. Devem ter permanecido maus sentimentos entre as facções opostas, mesmo depois de a paz ter sido nominalmente garantida, e os resultados ter-se-ão provavelmente manifestado num estado geral de agitação Política e desorganização popular. Foi evidentemente nesta fase que Zeus — através dos seus porta-vozes, os sacerdotes, naturalmente — emitiu um aviso geral às partes em conflito. Provavelmente os hierofantes terão dito que o Deus Pai convocara um concílio dos deuses, no qual a conduta dos atlantes fora condenada. Depois disso, no que diz respeito a Platão, não temos mais nada. Mas restam poucas dúvidas de que o seu relato teria narrado os termos das censuras e avisos dos deuses, e prosseguiria informando-nos dos resultados, que, segundo creio, nos teriam posto a par da forma como a revolução interna terá sido sufocada pela determinação Política dos corpos governantes, régios e espirituais, desviando a atenção do público para a conquista no exterior — uma Política que terminou com a grande invasão da Europa registada por Platão no seu «Timeu» e tratada pela Arqueologia como a invasão dos azilenses.
Foi provavelmente no reinado do rei da Atlântida conhecido como “Júpiter” que foi tomada a decisão de invadir a Europa, pela razão acima exposta. Mas o facto de essa invasão não ter sido a primeira é evidente, pela afirmação de Platão de que os reis da Atlântida “governavam a Líbia até ao Egipto, e a Europa até às fronteiras da Etrúria“. Isto, como já mostrei, corresponde de um modo geral à disseminação da raça azilense ou proto-ibérica, mas não à da raça Cro-Magnon, pelo que podemos deduzir que o povo azilense tinha estabelecido uma boa base na Europa e na África algum tempo antes da sua invasão em massa dessas regiões.
Ora é estranho, embora seja verdade, que para corroboração das condições da Atlântida nesta era em particular sejamos forçados a recorrer a uma fonte que pode, em certos aspectos, parecer a mais inverosímil para nos fornecer as provas de que necessitamos. No entanto, se pensarmos nisso cuidadosamente, temos de reconhecer que nos proporciona precisamente a medida de confirmação necessária. Falo da antiga literatura da Grã- Bretanha e da Irlanda, as Tríades galesas e as sagas e romances populares irlandeses. Principalmente nas primeiras, encontramos os mais completos e mais espantosos indícios sobre a história atlante do período em questão. Antes de avançarmos, examinemos estes dados e retiremos deles o testemunho que contêm indubitavelmente sobre os detalhes mais obscuros da crónica atlante.
NOTAS:
[1] «Heródoto, Livro II», capítulo XL, afirma que os gregos receberam o seu conhecimento de Poseidon dos líbios (africanos) “por quem sempre foi honrado, e que eram antigamente o único povo que tinha um deus com esse nome”.
[2] Ver o meu livro «Atlantis in America», pp. 62 e segs.
[3] Idem, p. 65.