Os verdadeiros motivos dos EUA e aliados quererem entrar em Guerra com a Síria

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Aliados com os EUA na Guerra da Síria
Aliados com os EUA na Guerra da Síria

Pretensões imperiais da Síria até ao Irão

A agitação dos EUA em relação à Síria começou muito antes das atrocidades de hoje, há pelo menos sete anos atrás, no contexto de operações de segmentação de influência iraniana no Médio Oriente.

Em 2006, um comité de um Departamento de Estado pouco conhecido – Comité de Política e Operações Iraniano-Síria – reunia-se semanalmente para ”coordenar acções  para impedir o acesso do Irão ao crédito e instituições bancárias, organizando a venda de equipamentos militares aos vizinhos iranianos e apoiando as forças que opõem os dois regimes. ”As autoridades dos EUA afirmaram que ”a dissolução do grupo era simplesmente uma reorganização burocrática”, por causa de uma ”percepção pública generalizada que foi projectada para decretar a mudança de regime.”

Apesar da dissolução do grupo, a acção encoberta continuou. Em Maio de 2007, uma descoberta presidencial revelou que Bush tinha autorizado operações ”não letais” da CIA contra o Irão. Algumas operações anti-Síria também estavam em pleno andamento, desta vez como parte de um programa secreto, de acordo com Seymour Hersh, escrevendo para o New Yorker. Parte do governo dos EUA e fontes dos serviços secretos contaram-lhe que a administração Bush tinha ”cooperado com o governo da Arábia Saudita, que é sunita, em operações clandestinas” com a intenção de enfraquecer o Hezbollah xiita no Líbano. ”Os EUA também têm participado em operações clandestinas que visam o Irão e a sua aliada Síria”, escreveu Hersh, ”subproduto” do que é ”o fortalecimento dos grupos extremistas sunitas” hostis aos EUA e ”simpatizantes da Al-Qaeda.” Ele observou que ”o governo saudita, com a aprovação de Washington providenciaria fundos e ajuda logística para enfraquecer o governo do presidente Bashar Al-Assad, da Síria”, com o objectivo de o pressionar a ser ”mais conciliador e aberto a negociações” com Israel. Uma facção a receber ”apoio político e financeiro” secreto dos EUA através dos sauditas foi a exilada Irmandade Muçulmana da Síria.

Um ano depois, Alexander Cockburn revelou que numa nova descoberta que foi autorizada uma acção encoberta para prejudicar o Irão “numa enorme área geográfica – desde o Líbano ao Afeganistão” , e que incluía suporte para uma ampla gama de grupos terroristas e militares, como os Mujahedin-e-Khalq e os Jundullah no Baluchistão, incluindo grupos ligados à Al-Qaeda:

“Outros elementos que irão beneficiar da generosidade e aconselhamento dos EUA incluem os kurdos iranianos nacionalistas, assim como os árabes Ahwazi do sudoeste iraniano. Mais adiante, as operações contra os aliados do Hezbollah do Irão no Líbano serão intensificadas, juntamente com outros esforços para desestabilizar o regime sírio”.

Talvez não seja totalmente surpreendente neste contexto que, de acordo com o antigo ministro para os negócios estrangeiros francês Roland Dumas, a Grã-Bretanha tenha planeado uma acção secreta na Síria já em 2009: “Eu estava na Inglaterra 2 anos antes da violência na Síria ter começado, a tratar de outros assuntos”, afirmou a uma televisão francesa:

“Encontrei-me com altos funcionários britânicos, que me confessaram que estavam a preparar-se para algo na Síria. Isto foi na Grã-Bretanha, não nos EUA. A Grã-Bretanha estava a preparar homens para invadir a Síria. Até me perguntaram se gostaria de participar, apesar de já não ser ministro dos negócios estrangeiros”.

E-mails vazados da empresa de serviços secretos Stratfor, incluem notas de um encontro com agentes do Pentágono que confirmam operações secretas conjuntas entre o Reino Unido e os EUA na Síria, desde 2011:

“Após algumas horas de conversa, eles afirmaram, sem o dizer directamente, que equipas (presumivelmente dos EUA, Reino Unido, França, Jordânia e Turquia) SOF (Special Operations Forces), já estariam no terreno focadas em missões de reconhecimento e a treinar forças de oposição (…) Continuei a pressionar na questão do objectivo pelo qual estariam essas equipas SOF a trabalhar, e se tal poderia conduzir a uma eventual campanha aérea para dar cobertura aos rebeldes sírios. Eles distanciaram-se rapidamente dessa ideia, afirmando que o objectivo seria cometer “hipoteticamente” ataques de guerrilha, campanhas de assassinato, tentar quebrar a estrutura das forças alauítas, em suma, provocar o colapso a partir de dentro (…) Não acreditavam numa intervenção aérea a não ser que houvesse suficiente atenção por parte da imprensa e da opinião pública em relação ao massacre, tal como aconteceu com Kadafhi em relação a Benghazi. Eles pensavam que os EUA teriam uma elevada tolerância à matança, enquanto os acontecimentos não chegassem a esse estágio de divulgação.”

“Provocar o desmoronamento” do regime de Assad é, portanto, o objectivo final, que a intervenção militar só seria politicamente viável – leia-se, internamente agradável para populações ocidentais – no contexto de um “massacre” tão odioso que levaria a um clamor público.

Num e-mail para o executivo Fred Burton da Stratfor, de proveniência de James F. Smith, antigo director da Blackwater e actual CEO de outra empresa de segurança, a SCG International, Smith confirmou ser parte de “uma missão de averiguação para o Congresso“, a ser lançada para “envolver a oposição Síria na Turquia“. A “verdadeira missão” para a equipa de “averiguação” foi como:

“… eles poderiam ajudar a uma mudança de regime.”

O e-mail acrescentava que Smith tencionava oferecer “os seus serviços para ajudar a proteger os membros da oposição, tal como fez na Líbia“. Também afirmou que a Booz Allen Hamilton – a mesma empresa de segurança que contratou Edward Snowden para executar os programas de vigilância da NSA – “também estava a trabalhar com a Agência num pedido semelhante.”

Estratégia principal: escoar o petróleo das autocracias do Golfo, “jihadismo salafista” e violência sectária

Então, que estratégia é essa para prejudicar a Síria, Irão e por aí adiante? De acordo com o ex-Secretário Geral da NATO, o General Wesley Clarck, um memorando do Gabinete do Secretário de Defesa dos EUA, apenas algumas semanas após o 11 de Setembro, revelou planos para “atacar e destruir os governos de sete países em cinco anos.” Um oficial do Pentágono familiarizado com o memorando disse-lhe: “vamos começar com o Iraque, e em seguida, vamos passar para a Síria, Líbano, Líbia, Somália, Sudão e Irão“. Numa entrevista posterior, Clark argumenta que essa estratégia é, fundamentalmente, acerca de controlo: de vastos recursos de gás e petróleo na região.

Como Greenwald apontou:

“… na sequência da mudança causada pelo regime militar no Iraque e na Líbia (…) com os esforços da mudança de regime concertadas em andamento que visam a Síria e o Irão, com a escalada dos conflitos na Somália, com um destacamento militar modesto a Sul do Sudão, e o uso activo de drones em seis diferentes países muçulmanos, vale a pena perguntar se o sonho neo-conservador como estabelecido por Clark está morto ou a ser activamente perseguido e cumprido, embora com meios mais subtis e multilaterais do que invasões militares totais.

EUA vs. Syria
EUA vs. Syria

Na verdade, grande parte da estratégia actualmente em jogo na região foi candidamente descrita num relatório de 2008 do Exército dos EUA, financiado pela RAND, revelando o futuro da Guerra de Longa Duração. O relatório observou que “as economias dos países industrializados continuarão a depender fortemente do petróleo, tornando-se num recurso estratégico. “Como a maior parte do petróleo está a ser produzido no Médio Oriente, os EUA têm assim uma “forte motivação para manter a estabilidade e boas relações com os estados do Médio Oriente.” O relatório reconhece ainda:

“A área geográfica das reservas de petróleo que já foram reconhecidas coincide com a base de grande parte da rede salafista-jihadista. Tal cria uma ligação entre o fornecimento de petróleo e a guerra de longa duração que não é facilmente quebrada ou simplesmente caracterizada (…) Para o futuro próximo, o crescimento da produção de petróleo mundial e a produção total irão ser dominadas pelos recursos do Golfo Pérsico (…) A região continuará, portanto, a constituir uma prioridade estratégica, que irá interagir com a continuidade da Guerra a longo prazo.”

Neste contexto, o relatório identificou muitas trajectórias possíveis para políticas regionais focadas em manter o acesso ao fornecimento de petróleo do Golfo, entre os quais, as seguintes são os mais salientes:

“Dividir para reinar, concentrando-se nos pequenos atritos entre os vários grupos salfistas-jihadistas para voltá-los uns contra os outros e dissipar a sua energia em conflitos internos. Esta estratégia confia fortemente na acção encoberta, operações de informação, guerra não-convencional, e suporte às forças indígenas (…) Os Estados Unidos e os seus aliados locais poderiam usar os jihadistas nacionalistas para lançar campanhas de informação nas proximidades, para desacreditar os jihadistas transnacionais aos olhos das populações locais (…) os líderes dos EUA também podiam optar por aproveitar o conflito entre os xiitas e os sunitas para capitalizar a sua trajectória no sentido de ficar do lado dos sunitas mais conservadores contra os movimentos de conquista de poder dos xiitas no mundo muçulmano (…) possivelmente apoiando a autoridade dos governos sunitas contra um Irão hostil.”

Explorando cenários diferentes para essa trajectória, o relatório especula que os EUA podem concentrar-se “em escorar os regimes sunitas tradicionais na Arábia Saudita, Egipto e Paquistão como forma de conter o poder e influência iraniana no Médio Oriente e Golfo Pérsico“. Notando que isso poderia realmente capacitar os jihadistas da Al-Qaeda, o relatório concluiu que tal poderia trabalhar em favor dos interesses ocidentais, concentrando as actividades jihadistas na rivalidade sectária interna, ao invés de tomarem como alvo os EUA, e assim, empurrando ambos os grupos patrocinados pelo Irão, como as redes afiliadas ao Hezbollah e à Al-Qaeda em conflito mútuo:

“Uma das curiosidades acerca da trajectória da Guerra a longo-prazo é que pode realmente reduzir a ameaça da Al-Qaeda para os interesses dos EUA a curto prazo. O recrudescimento da identidade e confiança xiita iria certamente causar sérias preocupações na comunidade salafista-jihadista no mundo muçulmano, incluindo a liderança da Al-Qaeda. Como resultado, é muito provável que a Al-Qaeda pudesse concentrar os seus esforços em atacar os interesses iranianos por todo o Médio Oriente e Golfo Pérsico enquanto que simultaneamente fosse cortando com as operações anti-americanas e anti-ocidentais”.

O documento da RAND contextualizou esta estratégia com um presciente e surpreendente reconhecimento da vulnerabilidade crescente dos aliados e inimigos chave dos EUAArábia Saudita, Estados do Golfo, Egipto, Síria, Irão – ao convergir crises de populações revoltosas, sobretudo jovens, desigualdades económicas internas, frustrações políticas, tensões sectárias e escassez de água, o que poderia desestabilizar esses países a partir de dentro ou exacerbar os conflitos inter-estatais.

O relatório observou especialmente que a Síria é um dos vários “países que estão a ficar cada vez mais escassos em recursos hídricos, com as suas populações a crescer”, aumentando o risco de um conflito. A seca na Síria devido às alterações climáticas, causando um impacto nos preços dos alimentos, podem, de facto, desempenhar um papel importante nas revoltas que tiveram início em 2011. Embora o documento RAND tenha ficado muito aquém de reconhecer a perspectiva de uma “Primavera Árabe“, ilustra que, três anos antes das revoltas de 2011, as autoridades de defesa dos EUA estavam atentas às instabilidades crescentes na região, e preocupadas com as potenciais consequências na estabilidade do petróleo do Golfo.

Política de oleodutos

Estas preocupações estratégicas, motivadas pelo medo da expansão da influência iraniana, causaram impacto na Síria, sobretudo em relação à geopolítica de gasodutos. Em 2009 – o mesmo ano que o ex- ministro dos negócios estrangeiros francês, Dumas, alegou que os britânicos teriam começado a planear operações na SíriaAssad recusou assinar um acordo com o Qatar que iria permitir a ligação através de um gasoduto, desde o seu último campo petrolífero a Norte, contíguo ao campo Pars no Sul do Irão, através da Arábia Saudita, Jordânia, Síria, e até à Turquia, tendo em vista abastecer os mercados europeus – embora crucialmente contornando a Rússia. A lógica de Assad foi “proteger os interesses da aliada Rússia, que é a principal fornecedora de gás natural da Europa.

Em vez disso, no ano seguinte, Assad encetou negociações para um plano de um gasoduto alternativo de 10 biliões de doláres com o Irão, através do Iraque, até à Síria, que também permitiria potencialmente ao Irão fornecer a Europa com gás natural, dos seus campos de Pars no Sul, partilhados com o Qatar. O Memorando de Entendimento para o projecto foi assinado em Julho de 2012 – ao mesmo tempo que a guerra civil síria se estava a espalhar para Damasco e Allepo – e no início deste ano, o Iraque assinou um quadro de entendimento para a construção dos gasodutos. O gasoduto pode permitir potencialmente ao Irão fornecer os mercados europeus.

O plano do gasoduto entre o Irão, o Iraque e a Síria foi uma “chapada na cara” directa em relação aos planos do Qatar. Não admira que o príncipe saudita Bandar bin Sultan, numa tentativa fracassada de subornar a Rússia, para que esta trocasse de lado, disse ao presidente Vladimir Putin que “qualquer regime que venha depois” de Assad, estará “completamente” nas mãos da Arábia Saudita e que “não assinaria qualquer acordo que permitisse que qualquer país do Golfo Pérsico transportasse gás através da Síria, para a Europa, competindo com as exportações de gás russas”, de acordo com fontes diplomáticas. Quando Putin recusou, o príncipe prometeu acções militares.

Israel também tem interesse directo na luta contra o gasoduto iraniano. Em 2003, apenas um mês antes do início da Guerra do Iraque, fontes do governo dos EUA e de Israel, confessaram ao jornal The Guardian os seus planos de “construir um oleoduto de petróleo de sifão do recém conquistado Iraque, até Israel” passando pela Síria. As bases para o plano, conhecido por projecto Haifa, remontam a um Memorando de Entendimento de 1975 assinado pelo então Secretário de Estado Henrry Kissinger, “no qual os EUA iriam garantir as reservas de petróleo e fornecimento de energia em tempos de crise.” Tão tarde quanto 2007, funcionários dos governos dos EUA e de Israel discutiam sobre os custos e contingências para o projecto do oleoduto IraqueIsrael.

Todos os intervenientes na escalada do conflito da SíriaEstados Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Turquia e Israel de um lado, dando um apoio limitado às forças de oposição, com a Rússia, China e Irão do outro lado, apoiando o regime de Assad – estão a fazê-lo segundo os seus próprios e estreitos interesses geopolíticos.

Escrito por:

Dr. Nafeez Ahmed. É um autor de bestsellers, jornalista investigador e estudioso sobre segurança internacional. É director executivo do Instituto para Pesquisa Política e Desenvolvimento, e autor do «Guia do utilizador para a Crise da Civilização: e como Salvá-la», entre outros livros. Também escreve para o jornal The Guardian em geopolítica, ambiente, energia e crises económicas através do seu blog.

Artigo Original: http://www.nafeezahmed.com/2013/08/special-report-syria-intervention-plans.html

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