Petra: a misteriosa cidade de pedra

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Petra (do grego πέτρα, petra; árabe: البتراء, Al-Bitrā/Al-Batrā) é um importante enclave arqueológico na Jordânia
Petra (do grego πέτρα, petra; árabe: البتراء, Al-Bitrā/Al-Batrā) é um importante enclave arqueológico na Jordânia

Talhada a partir de rocha sólida, a antiga cidade arruinada de Petra (a palavra petra significa pedra ou rocha em grego) encontra-se no interior de um anel de intransponíveis montanhas de grés no deserto que fica a sudoeste da moderna Amã, a oitenta quilómetros do mar Morto na Jordânia. 0 local encontra-se numa posição tão protegida que, ainda hoje, este espectacular complexo de templos, túmulos e casas só pode ser alcançado a pé ou a cavalo. Para se entrar em Petra é necessário passar por uma fenda escura que serpenteia através da rocha, conhecida como siq (fenda em árabe), e que em alguns pontos tem apenas alguns centímetros de largura. Este grande mistério do deserto contém quase mil monumentos e outrora possuía fontes, jardins e um abastecimento permanente de água. Mas porque terá sido escavada na pedra num local tão remoto e árido? Quem construiu esta majestosa cidade e o que aconteceu aos seus habitantes?

A população mais antiga que se conhece em Petra era uma tribo que falava semita conhecida como Edomitas, mencionados na Bíblia como descendentes de Esaú. Mas foram os Nabateus quem construiu a maior parte da incrível arquitectura de Petra. Os Nabateus eram nómadas de origem árabe, mas no Século IV a. C. começaram a instalar-se em várias partes da Palestina e no Sul da Jordânia; foi aproximadamente por esta época que fizeram de Petra a sua capital. A fortificação natural à volta do local, situado numa rota comercial entre Árabes, Assírios, Egípcios, Gregos e Romanos, permitiu que os Nabateus crescessem em força. Após tomarem o controlo da rota comercial entre a Arábia e a Síria, os Nabateus em breve desenvolveriam um império comercial que se estendia até à Síria, tornando-se a cidade de Petra no centro do comércio das especiarias.

A riqueza acumulada pelos Nabateus em Petra (através do seu empreendimento comercial) permitiu-lhes construir e escavar num estilo que combinava as tradições nativas com uma influência helénica (grega). Um dos maiores feitos dos Nabateus em Petra adveio das suas necessidades. A cidade localizava-se nos confins de um deserto e como tal a água era uma preocupação primordial. Em consequência desenvolveram sofisticadas barragens, bem como sistemas de irrigação e de conservação de água. Contudo, a riqueza dos Nabateus despertou a inveja dos seus vizinhos e durante o final do Século IV a. C. tiveram de repelir vários ataques contra a sua capital por parte de Antígono, rei dos Selêucidas. O Império Selêucida foi fundado em 312 a. C. por Seleuco I, um dos generais de Alexandre, o Grande, e incluía grande parte da zona oriental do império de Alexandre. Em 6463 a. C., os Nabateus foram conquistados pelo general romano Pompeu e no ano 107 d. C., com o imperador Trajano, a área tornou-se parte da província romana Arabia Petraea. Apesar da sua conquista, Petra continuou a florescer durante o período romano e várias estruturas foram adicionadas à cidade, entre as quais um vasto anfiteatro, uma rua ladeada por colunas e um arco triunfal sobre a siq. Calculou-se que a população de Petra pode ter chegado aos vinte ou trinta mil habitantes no seu apogeu. Contudo, à medida que crescia a importância da cidade de Palmira, na Síria central, sobre a rota comercial que ligava a Pérsia, a Índia e a China ao Império Romano, a actividade comercial em Petra começou a diminuir.

Petra
Fachada da entrada em Petra

No Século IV, Petra tornou-se parte do Império Bizantino, mas em 363 d. C. as estruturas independentes da cidade foram destruídas por um devastador terramoto e é também por volta desta época que os Nabateus parecem ter abandonado a cidade. Ninguém pode afirmar com toda a certeza por que abandonaram o local, mas parece pouco provável que tivessem saído da sua capital devido ao terramoto, pois foram encontrados muito poucos objectos de valor no local, indicando que a sua saída não foi repentina. Um outro terramoto catastrófico em 551 d. C. arruinou praticamente a cidade e, na época da conquista muçulmana, no Século VII d. C., Petra começara a cair no esquecimento. Houve ainda outro terramoto em 747 d. C. enfraquecendo ainda mais a cidade, que ficou silenciada até à chegada dos cruzados, que construíram um pequeno forte no seu interior. Depois da saída dos cruzados, no Século XIII, Petra foi deixada às tempestades de areia e às inundações, que enterraram uma grande parte da outrora grande cidade de tal forma que até as suas ruínas foram esquecidas.

Só em 1812 é que um explorador anglo-suíço chamado Johann Ludwig Burckhardt redescobriu a cidade perdida de Petra e a desvendou à atenção do mundo ocidental. Burckhardt tinha viajado pelo Médio Oriente disfarçado de comerciante muçulmano (com o nome Sheik Ibrahim Ibn Abdallah) com o objectivo de adquirir conhecimento e experimentar a vida oriental. Enquanto permaneceu em Elji, um pequeno colonato muito perto de Petra, Burckhardt ouviu falar de uma cidade perdida escondida nas montanhas de Wadi Mousa. Disfarçando-se como um peregrino que desejava fazer um sacrifício naquele local antigo, convenceu dois beduínos locais a guiá-lo através da estreita siq. Burckhardt parece só ter conseguido fazer um breve reconhecimento das ruínas de Petra antes de sacrificar uma cabra no santuário do profeta Aaron e regressar a Elji. No entanto, o explorador conseguiu desenhar um mapa das ruínas e escreveu no seu diário que havia redescoberto Petra.

Desde a época de Burckhardt, o propósito da cidade escavada na pedra, escondida num local tão secreto, intrigou muitos viajantes, estudiosos e arqueólogos. A atmosfera antiga e romântica do local foi evocada no famoso verso que descrevia Petra como «uma cidade rosada e vermelha, quase tão velha como o tempo», do poema Petra, escrito em 1845 por John William Burgon. Mas qual era exactamente a função deste lugar – era uma fortaleza, um posto comercial ou uma cidade sagrada? Há muitos túmulos reais, bem como túmulos públicos e túmulos em poço (estes eram lugares onde aparentemente se enterravam vivos os criminosos). Mas as provas da investigação arqueológica levada a cabo durante a última década sugere que Petra pode ter tido muitas funções diferentes ao longo dos séculos em que foi habitada. A magnífica entrada para o local é a siq com mais de um quilómetro e meio, uma garganta estreita que serpenteia pelas escarpas de grés. Há muitos pequenos túmulos Nabateus escavados nas paredes da siq, bem como indícios da capacidade deste povo como engenheiros hidráulicos, sob a forma de canais – que outrora continham canalizações de barro – que originalmente transportavam água potável para a cidade. Outro exemplo das capacidades da engenharia nabateana pode ser visto à direita da entrada da siq. Hoje, tal como há dois mil anos, sempre que ocorrem fortes chuvadas, a água escorre pelo Wadi Mousa (ou Vale de Moisés), entra na siq e ameaça inundar o local onde se encontra a cidade. Houve uma cheia catastrófica em Petra no ano de 1963, depois da qual o governo decidiu construir uma barragem para desviar a água das cheias. Durante a sua construção, os engenheiros ficaram perplexos ao descobrirem que os Nabateus já haviam construído uma barragem, provavelmente por volta do Século II a. C., para desviar a água da entrada e levá-la para norte através de um engenhoso sistema de túneis, que acabava por levar a água para o interior da cidade, onde era utilizada pela população.

Petra
Interior de Petra

A siq acaba por abrir, revelando de forma dramática o mais bem conhecido e impressionante monumento de Petra, a Câmara do Tesouro (El-Khazneh em árabe). O nome Câmara do Tesouro vem de uma lenda beduína que reza que o tesouro de um faraó estava escondido no interior de uma enorme urna de pedra que se encontra no topo da estrutura. Os Beduínos, acreditando na história, disparavam periodicamente as suas espingardas sobre a urna, na esperança de a quebrarem e recuperarem o seu tesouro. Os muitos buracos de bala visíveis na urna são a prova desta prática. A fachada bem preservada da Câmara do Tesouro, escavada na rocha sólida, está decorada com belas colunas e esculturas elaboradas, que mostram divindades nabateias e personagens mitológicas e tem quarenta metros de altura por vinte e sete de largura. A estrutura pode ter servido como um túmulo real, com a sepultura do rei ocupando talvez a pequena câmara da parte posterior, e também parece ter sido utilizada como um templo, apesar de não se saber a que deus era dedicado. Não se conhece a data exacta do Khazneh apesar de ser provável que tenha sido construído no Século I a. C.

Um dos poucos edifícios independentes que restam em Petra é o enorme Templo de Dushares, também misteriosamente conhecido como Qasr alBint Firaun (O Castelo da Filha do Faraó). Este grande e extensivamente restaurado templo de grés está sobre uma plataforma elevada e tem enormes paredes com vinte e três metros de altura. O templo, construído algures entre 30 a. C. e 40 d. C., foi dedicado a Dushares, o principal deus dos Nabateus, e tem a maior fachada de qualquer edifício em Petra. O interior está dividido em três salas, sendo a do meio o santuário ou o local mais sagrado do templo.

Em frente a esta estrutura encontramos o Templo dos Leões Alados, cujo nome se deve a dois leões bastante erodidos que foram esculpidos de cada lado da entrada. Esta estrutura, o mais importante templo nabateu alguma vez descoberto, foi sujeito a mais de vinte anos de investigação e escavações por parte da expedição americana a Petra. Aparentemente o templo era dedicado à deusa da fertilidade Allat, uma deusa árabe pré-islâmica e uma das três principais deusas de Meca. 0 Templo dos Leões Alados era um complexo que incluía oficinas e habitações (uma das oficinas dedicava-se ao fabrico de recordações!). Este templo era quase de certeza o que foi descrito nos Pergaminhos do Mar Morto como o templo de Afrodite em Petra. Como o local produziu uma grande quantidade de material escavado, podemos conhecer as datas exactas da sua utilização. O templo foi fundado em Agosto de 28 e destruído em Maio de 363 por um terramoto que fez desabar muitos edifícios da cidade.

Petra
Câmara do Tesouro em Petra

O maior monumento de Petra, e um dos que mais chamam a atenção, é o El-Deir, ou o Mosteiro, por ter sido utilizado como igreja durante o período bizantino (3301453). A estrutura situa-se de forma espectacular no cimo da montanha e tem cinquenta metros de largura por quarenta e cinco de altura, com uma entrada principal de oito metros de altura. A estrutura foi escavada, tal como a Câmara do Tesouro, na face de uma escarpa. De facto, o Mosteiro assemelha-se a uma versão maior, mais desgastada e mais rude, do monumento mais famoso de Petra. Os arqueólogos acreditam que a construção do El-Deir começou durante o reinado do rei nabateu Rabel II (76106), mas nunca foi terminado.

Petra foi de novo trazida ao centro das atenções em 1989 no filme «Indiana jones e a Grande Cruzada», protagonizado por Harrison Ford. No filme servia como um templo secreto escondido durante centenas de anos e era o local onde Harrison Ford finalmente encontra o Santo Graal. Em 2005 voltou a ser notícia quando o Dalai Lama liderou um grupo de vencedores do Prémio Nobel que, juntamente com o actor Richard Gere, organizaram na cidade cor-de-rosa uma conferência de dois dias com o nome «Um Mundo em Perigo». O excelente estado de conservação de grande parte da antiga cidade pode ser explicado pelo facto de a maioria das suas estruturas terem sido esculpidas na rocha sólida. Contudo, tal como muitos monumentos da antiguidade, os edifícios de grés em Petra encontram-se em perigo constante devido a uma exploração turística excessiva; particularmente, os edifícios isolados estão a sofrer a erosão causada pelo sal, pelo vento e pela água. Em 6 de Dezembro de 1985 Petra foi reconhecida como Património da Humanidade pela UNESCO e nos últimos anos tem sido feito um meticuloso trabalho de restauro, preenchendo as fendas e os buracos na pedra com uma mistura especialmente concebida para se assemelhar o mais possível ao grés das estruturas com mais de dois mil anos. Esperemos que uma das mais belas e espectaculares cidades em ruínas do mundo ainda esteja por cá pelo menos durante outros dois mil.

Fonte: Livro «História Oculta» de Brian Haughton

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