1 – Apareceram como cogumelos neste Outono (do nosso descontentamento) comentadores a fazerem críticas à UE e (veja-se lá!) até mesmo à Alemanha. Ainda há pouco lacrimejavam pelos contribuintes alemães que se “sacrificavam” pelos despesistas países periféricos. São os mesmos que incensavam os tratados da UE como portadores de futuros radiosos e apostrofavam como sacrílegos os que se atreviam a criticar sua eminência Trichet ou punham em dúvida a “bondade” dos mercados.
E no entanto, houve quem avisasse que a entrada na UE traria problemas insolúveis ao país e que a adesão ao euro seria um desastre. Era fácil ver que em todas as actividades básicas e estratégicas para o desenvolvimento nacional (na indústria, na agricultura, nas pescas) já então os países da UE eram excedentários. Para silenciar as críticas proclamava-se que teríamos 500 milhões de consumidores, à nossa disposição! Omitiam que havia centenas de milhões de produtores com produtividades muito superiores à nossa.
Pelos habituais “30 dinheiros”, fecharam-se empresas, desmantelou-se a produção agrícola, abateram-se embarcações. Os responsáveis por esta situação – para mostrarem preocupação – agora vão falando das potencialidades do país naquelas áreas.
Críticas Inócuas
2 – Tais críticas são inócuas e circunstanciais. As pseudo soluções desses comentadores passam sempre pelo que lá de fora façam por nós, isto é, por eles. Dizem que o BCE deve garantir as dívidas soberanas ameaçadas pela desconfiança dos mercados, que deve ser reforçada a coordenação fiscal, que devem ser lançados eurobonds. Além disto, a Alemanha deve congelar a sua ortodoxia em relação ao controlo da inflação e funcionar como motor da economia europeia.
Não passam de votos piedosos sobre a reforma da UE que não saem dos critérios neoliberais, nem atacam os problemas de fundo: tenta-se “mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma”.
Vejamos, o BCE não está em condições de garantir nada quanto ao descrédito do euro. Foi graças às suas políticas que a economia europeia entrou em estagnação, sob ataque do dólar e de agências de notificação, os países com elevadíssimos défices, os bancos em crise de financiamento vivendo de capital fictício e continuando inconscientemente na senda da especulação, tolerada e incentivada pelo BCE/UE.
Os eurobonds seriam pouco mais que lixo, mesmo que a Alemanha não os tivesse já recusado vezes sem conta. Os BRIC já demonstraram que ignoram os problemas do euro. A Europa não tem aliados. Os EUA transformaram-na num satélite: ao mesmo tempo que se servem dela para a sua política imperial, movem-lhe guerra pelo dólar contra o euro.
A China e a Rússia não têm qualquer interesse estratégico em fortalecer à sua custa os que estão incondicionalmente do lado dos seus adversários reais (os EUA).
Os Ilusionistas Autóctones
3 – A Alemanha não pode, por muito que custe aos ilusionistas da política nacional, ajudar ninguém. Aliás a condição que apresenta para alterar o funcionamento do BCE é passar a ter controlo sobre os orçamentos dos demais países. Ou seja: sem qualquer garantia sobre coisa alguma, concretizar o velho sonho imperial alemão de tornar os demais países suas colónias. Nem o Governo Federal dos EUA tem este poder sobre os Estados. Claro que para os que apoiam o governo – tal como os que se abstêm…– e que pretendem acabar com o feriado do 1º de Dezembro, a questão da independência nacional pouco ou nada deve dizer. O seu reaccionarismo pseudo nacionalista resume-se a atacar os imigrantes pobres – ao mesmo tempo que aconselham os jovens a irem-se embora do país…
A Alemanha não pode ajudar ninguém e dificilmente a ela própria, sob pena de perder a sua posição competitiva na primeira linha das tecnologias avançadas – as key enabling tecnologies: biotecnologia industrial, micro e nanoelectrónica, novos materiais, fotónica, tecnologias avançadas de fabrico. A Alemanha faz parte do reduzidíssimo grupo de países líderes nestas áreas com os EUA e Japão. Além destes com participação bastante inferior vêm a França, o Reino Unido, a Coreia do Sul, a Holanda, a que se junta, procurando recuperar atrasos, a China.
São tecnologias que necessitam de elevadíssimo nível de capitais para investigação e investimentos, com taxas de retorno muito reduzidas por ora. A Alemanha atrasar-se neste domínio seria perder o seu estatuto tecnológico. O que a Alemanha precisa é que os seus bancos transformem em capital real o capital fictício de que estão atulhados e de mão-de-obra barata de países seus satélites na UE.
A Alemanha precisa do euro suficientemente alto para a sua finança e suficientemente baixo em relação à sua produtividade para a sua indústria. Por isto, a Alemanha precisa do euro, e precisa de países europeus que mantenham a sua Balança de Transacções altamente excedente (131 mil milhões de euros, previstos para este ano).
Trata-se no entanto de uma contradição maior – uma antinomia, em termos da filosofia: para salvar a economia destrói a finança; para salvar a finança destrói a economia. Em qualquer dos casos, destrói os demais países europeus. O que é de salientar é que todos aqueles comentadores a que nos referimos consideram que se a UE não se empenhar em resolver os problemas de Portugal, estaremos condenados a seguir o caminho da Grécia! Mas é o que já está a acontecer. De forma que são totalmente ridículas – em termos da matemática ou da física dir-se-ia, desprezáveis – aquelas criticas à D. Merkel.
O Caminho da Servidão
4 – A questão permanece: ficar ou sair da zona euro. Recentemente uma sondagem dava conta que mais de 73,8% dos inquiridos não queria que Portugal saísse do euro. O que é curioso é que com a desinformação e propaganda a favor do euro mais de 26% não o aprovem. Ora ninguém disse que saindo do euro acabavam as dificuldades: o problema é que ficando no euro o caminho é a servidão, a redução de Portugal a país colonizado pelos tais “países amigos”.
Dizia o gen. De Gaulle – ao que parece repetindo Richelieu – que em política externa não há ideologias, só interesses. Desenganem-se, pois, os que vão nos cantos de sereia de “mais Europa“. Aliás quanto “mais Europa“, pior os seus países têm ficado. A Alemanha e os mais fortes hão de defender os seus interesses à custa dos mais fracos. Todos os tratados da UE mostram isto mesmo. D. Merkel diz que salva o euro tendo controlo sobre os OE dos outros países. É espantoso que isto seja dito e tolerado, mas além do mais é uma mentira: a Alemanha não tem capacidade para salvar o euro. O que pretende é colocar os outros países na sua órbita, reduzi-los à condição de mão de obra barata e sem direitos.
Nenhum problema do país vai ser resolvido, por este caminho. Vamos ficar com mais dívida, mais desemprego, mais falências, mais recessão, mais exploração interna e externa. Só em 2010 foram transferidos para fora do país, 17 700 milhões de euros de rendimentos. Um país pobre?!
Conforme dissemos anteriormente: “Com o euro estão anunciados 10 anos de sacrifícios, isto é, “ad aeterno ceteris paribus” (até à eternidade em iguais circunstâncias…). Sair do euro: 6 meses de sacrifícios e esforços, recompensados”. [1] Isto é, os custos da nossa saída da zona euro seriam temporários ao passo que os custos de permanecermos serão inultrapassáveis, pois apenas aprofundaremos a situação a que chegamos, de meros servos da dívida, a versão actual dos servos da gleba medievais, submetidos ao capital financeiro do “eixo franco-alemão” [2]
Falsas Alegações
Referimos também em como eram falsas as alegações catastrofistas de, abandonando o euro, aumentar a dívida e não haver dinheiro para pagar salários e pensões, além de outros aspectos. Vejamos agora outras alegações que parecem pertinentes: desvalorização, inflação, perda de valor dos depósitos, perda de poder de compra.
Desvalorização – claro que o “novo escudo” seria desvalorizado, o que seria benéfico para a economia nacional, reduzindo o défice externo, aumentando exportações, reduzindo importações, fomentando a produção nacional e o emprego.
Uma das regras da economia clássica mais comummente aceite é que o valor da moeda de um país deve reflectir o equilíbrio das suas contas externas. Temos uma moeda sobrevalorizada em relação à produtividade e estrutura produtiva nacionais – situação de desastre, cuja bancarrota da Argentina no início do século serve de exemplo. A actual cotação do euro apenas serve a Balança Comercial da Alemanha e países próximos a ela intimamente associados como a Holanda e a Áustria.
Inflação dispara – num primeiro momento sim, mas este é justamente o critério que Keynes assumiu – e durante décadas posto em prática – para ultrapassar as crises capitalistas. Para Keynes, o problema económico não era a inflação, era o desemprego, Entre uma coisa e outra mais valia prejudicar a finança, mas salvar a economia e dar solução às pessoas. É evidente que a inflação se reduziria à medida que a produção nacional aumentasse e o desemprego diminuísse.
Os depósitos perderiam o seu valor – independentemente de com o euro estarem e continuarem a perde-lo, é certo que com nova moeda perderiam – pelo menos transitoriamente – em relação a moedas estrangeiras, o que importaria fundamentalmente a quem exporta capital, mas isto do ponto de vista do país seria benéfico. Internamente o seu valor seria o do poder de compra da nova moeda. Aliás o poder de compra do euro – já não falando do dos portugueses – é cada vez menor. A nova moeda permitiria também nestas condições um aumento da poupança nacional que bem necessária é, em vez de se escoar para o estrangeiro como areia entre os dedos.
O poder de compra seria drasticamente reduzido – não parece fazer muito sentido esta alegação, atendendo ao que acontece e às perspectivas futuras, quando já nem os ministros nem os seus propagandistas conseguem garantir como e quando a descida do poder de compra parará. A única forma do poder de compra subir é abandonar o euro, promover a produção nacional, reduzir o desemprego, ter um sistema fiscal não determinado pelos interesses da finança.
Dizer que passaríamos a viver com 25 ou 40% menos é errado. É confundir o valor dos bens com a sua expressão monetária. Os bens transaccionáveis manteriam o seu valor expresso em euros ou noutra moeda. Põe-se o problema, sim, de como pagar as importações, que se reduziriam. Mas como paga-las estando na zona euro? Endividando-nos sem fim.
A questão é, pois, produzir bens transaccionáveis. Ora, como o euro não o conseguimos, como está mais que provado, a única forma de o fazer é de facto negociar a saída da zona euro. [3]
É evidente que problemas de ordem prática e técnica se colocam numa substituição da moeda. São questões técnicas, umas menores – como a alteração das caixas registadoras – outras maiores cuja solução reside na alteração do estatuto e funcionamento do Banco de Portugal – hoje uma espécie de barco encalhado ao sabor das marés da finança internacional.
Sem dúvida que uma das medidas para defesa da riqueza nacional seria o controlo e a temporária proibição de exportação de rendimentos acima de determinados valores. [4] Se a UE tivesse soluções há muito que as teria tomado. Dominada pela superstição neoliberal chegou a este impasse. A Alemanha já perdeu mais esta guerra pelo domínio da Europa, mas como dantes quer arrastar todos consigo. Não há que ter ilusões, Srs. do “federalismo” europeu, para Portugal e outros países o plano nem sequer passa por “região autónoma”: apenas a servidão neocolonial.
Portugal necessita recuperar urgentemente um desígnio de independência nacional. A solução para a crise está no projecto constitucional que traduziu os anseios do povo no tão almejado 25 de Abril.
O caminho que este governo pretende seguir foi recentemente definido pela personagem digna de figurar numa história do Tim Tim – uma espécie de Dupond, mas do lado do Rastapopoulos – que é hoje o sr. ministro das Finanças: Diz que a sujeição à chantagem e à usura é “ganhar a confiança dos mercados”. Pelos vistos a confiança dos portugueses pouco lhe importa. Quanto aos mercados, riram-se-lhe na cara, aplaudindo as medidas do OE e aumentando os juros no mesmo dia. Entretanto o primeiro-ministro com inusitado alheamento das consequências, promete mais austeridade…
NOTAS:
[1] Ver artigo «O Euro e as Escolhas»
[2] O termo “eixo” foi aplicado à aliança das potências fascistas na II Guerra Mundial.
[3] Desde a entrada no euro o crescimento médio anual do PIB entre 2001 e 2010 foi de apenas 0,7%. Em resultado desta “década perdida” agora teremos como média entre 2001 e 2012 (conforme previsões) uns 0,15% de média anual. Um total descalabro para a economia nacional.
[4] Medidas deste tipo foram comuns mesmo em países desenvolvidos. Por exemplo, a Inglaterra assim procedeu nos anos 60 do século passado, no governo do trabalhista MacMillan.