Rui Mateus – O mal amado

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O mal amado
O mal amado

A justiça em Portugal é uma espécie de roleta russa onde tudo pode acontecer. E demasiado palavrosa e pouco eficaz. No caso Emaudio, que teria esse nome embora o projecto Emaudio nunca tivesse sido devidamente investigado, eu seria a principal vítima. Começaria a pensar, depois de tudo o que tinha acontecido, se não teriam existido motivos de “interesse nacional” para a minha condenação. Mas, para além da protecção das instituições, não conseguiria encontrar nenhuma razão que pudesse ter motivado parcialidade. Eventualmente, poderia ter havido ou incompetência ou mera simpatia por certas causas. Entretanto, ao ler o projecto de código penal, já indicativo da vontade popular que estava por detrás desta iniciativa [1], ficaria surpreendido com a rigidez de pensamento do investigador. Todo o raciocínio por detrás da sua acusação estava previsto no novo código e, curiosamente, no “velho”. O procurador-geral-adjunto, Rodrigues Maximiano conhecia o meu primeiro depoimento [2] e as conversas aparte que dele não constavam e que ele próprio provocara. Sabia que, depois de ameaças que estava a ser alvo, conforme declarado para os autos logo no início, regressaria — após súbita indisposição de Menano do Amaral a 24 de Maio — para rectificar pequenos pormenores do meu “depoimento antes do interrogatório do engenheiro Menano do Amaral” [3] alterando declarações prévias de que não haveria necessidade de qualquer dossier da Weildelplan, por não haver “qualquer assunto relevante com aquela empresa”, para a chamada “prestação de serviços”. Conhecia o que eu dissera e nunca negaria sobre o presidente da República, Almeida Santos e a Interfina [4]. Sabia do fax enviado a 30 de Agosto pela Weildleplan ao então governador [5], anterior ao chamado fax de Outubro que viria a ser publicado pelo O Independente. E, mau grado as notórias deficiências da investigação pré-acusatória, a lógica do acusador seria a de que a divulgação do referido fax de Outubro “inviabilizou definitivamente a adjudicação à “Weidleplan de tal projecto” [6]. E, a ser assim, porque é que os responsáveis por tal divulgação não seriam contemplados por Rodrigues Maximiano nas disposições do código penal sobre “actos preparatórios”, “tentativa” e “desistência” Imagine-se, só para efeitos de análise, que o procurador-geral-adjunto tinha tido razão em querer acusar os administradores da Emaudio e o governador de Macau sem pretender, eventualmente, beliscar o “establishment”. Teria existido, segundo o art.° 190 da acusação, um pacto de suborno que, segundo o art.° 201 dessa acusação, acabaria por não ser executado por causa da divulgação do fax. Nesse caso, essa não execução dever-se-ia a quem? O código penal recomenda a não acusação de quem tivesse contribuído para a não execução, uma vez que, “se vários agentes comparticiparem no facto, não é punível a tentativa daquele que voluntariamente impedir a consumação ou verificação do resultado…”. Parece evidente que Rodrigues Maximiano quereria a minha condenação em primeiro lugar! Como, aliás, viria a acontecer.

Rodrigues Maximiano
Rodrigues Maximiano

Segundo afirmariam os acusados e a inspecção geral de finanças em grande parte confirmaria, os cinquenta mil contos da Weidleplan seriam um donativo político igual a milhares de outros. Entrariam nos cofres da Emaudio e nenhum dos acusados dele beneficiaria directamente. Porquê então a minha acusação? E, nesse caso, porque não semelhante procedimento quando Stanley Ho, que tem vindo a ganhar todas as grandes adjudicações em Macau, admite ter financiado a fundação Mário Soares [7]?

Depois de, sem apelo nem agravo, ter sido “proscrito” do grupo parlamentar do PS, em 1987, sem direito sequer à reforma que Constâncio já tinha adquirido, enquanto funcionário público, aquele secretário-geral, sucessor de Mário Soares, tudo iria fazer para me afastar de vez do movimento socialista. Um pouco como Nicolae Ceaucescu teria feito na Roménia aos seus opositores dentro do partido único. Em Fevereiro de 1987, o ex-primeiro-ministro da Holanda e meu velho amigo, Joop den Uyl, então presidente da união dos PS da Comunidade Europeia escrever-me-ia para me comunicar que Constâncio pedira àquela organização o meu afastamento do cargo de vice-presidente para que tinha sido eleito em 3 de Fevereiro de 1983. Tinha sido eu que, em 1979, com a oposição de António Guterres, tinha conduzido o PS a membro de pleno direito daquela organização, no seu congresso de Bruxelas. Fora, depois, eleito por unanimidade em 1983 e reeleito, também por unanimidade, em 1985. O meu mandato terminaria na reunião que iria ter lugar em Lisboa, em Maio de 1987. A qualidade de vice-presidente só poderia ser invalidada ou por abandono da filiação partidária ou por não reeleição. Nunca por capricho ou desejo individual de Vítor Constâncio. Porquê então pedir a minha “demissão”, já que não poderia sequer ser substituído? Constâncio alegaria que eu não tinha sido eleito vice-presidente “por ser um militante de base” mas sim por ser, na altura da minha eleição, secretário internacional do partido. Ora, segundo ele, não teria sido “confirmado como vice-presidente da UPSCE [8] nem tendo solicitado essa confirmação, a minha continuidade no “bureau” só poderia ser entendida na qualidade de si próprio” [9]. Constâncio alegaria todo o tipo de mecanismos estatutários, que a união não possuía, de ligação entre os vice-presidentes e os representantes do partido no “bureau” mas furtar-se-ia a responder àquilo que era essencial: porquê pedir a minha demissão daquele cargo dois meses antes de ele terminar em Lisboa e, somente, após oito meses da sua própria eleição para secretário-geral? Se a minha presença naquele cargo, para onde fora eleito por unanimidade quatro anos antes, por proposta de outros partidos da IS, era tão incomodativa, porque não ter pedido logo a minha saída antes ou, então, porquê o comportamento à “Ceacescu” dois meses antes do fim do meu mandato? Para o congresso que teria lugar em Lisboa de 3 a 5 de Maio nem sequer seria convidado enquanto observador. Teria, contudo, a alegria de poder ser convidado para jantar no restaurante Sr. Vinho por todos os meus colegas secretários internacionais e vice-presidentes dos outros partidos europeus que participavam no congresso em Lisboa, onde o novo secretário-geral do PS, seria “eleito” o “Idi Amin português”. Seria a primeira vez que vira o “meu” partido ser motivo da humilhante galhofa dos meus colegas europeus.

Mário Soares e Rui Mateus
Mário Soares e Rui Mateus

Em finais de 1986 iria substituir Mário Soares na presidência da fundação de Relações Internacionais, após a sua eleição como presidente da República. Fora ele próprio que insistira para que eu o substituísse dados os seus planos para aquele instituto. Era fácil de compreender a ligação da FRI e da CEIG à Emaudio numa perspectiva de inversão do curso no PS após a eleição de Constâncio e, também, numa perspectiva da sua reeleição em 1991. Para além dos seus projectos na Comunicação Social, e do poder que se pensava isso iria arrastar, seria a partir da Emaudio que as outras instituições seriam financiadas, conforme as suas necessidades. Assim, grande parte do pessoal e dos colaboradores da FRI passariam a trabalhar no quadro da Emaudio e, a CEIG, seria esvaziada segundo a modificação estatutária elaborada por Almeida Santos em 1988. De qualquer modo e na previsão da sua retirada da Política activa, em 1991, no caso de uma derrota eleitoral ou, no caso de uma reforma natural, em 1996, a FRI deveria continuar a desenvolver actividades político-culturais de prestígio, semelhantes às que tivera no passado, como a conferência conjunta com a Universidade Internacional Menedez Pelayo de Espanha em 1982 [10] ou com o Herald Tribune em 1983, que dado terem “secado” as fontes de financiamento originais, seriam financiadas pela Emaudio. Assim, seriam organizadas no quadro da FRI o International Leadership Fórum em colaboração com o Centro de Estudos Estratégicos Internacionais de Washington em 1988 e a Wheatland Conference on Literature que teria lugar no Palácio de Queluz no mesmo ano em colaboração com a Wheatland Foundation da proeminente família Getty dos EUA, que traria a Portugal alguns dos maiores nomes da literatura mundial [11]. Entre outras iniciativas totalmente financiadas pela FRI contar-se-iam igualmente as conferências inseridas no “Balanço do Século” que o próprio presidente da República também patrocinaria, com o seu nome, em 1987 e 1988 [12]. E, na sequência das conferências para o “Balanço do Século” estava também previsto o lançamento das “Conferências de Sintra”. Para esse efeito tinham tido lugar várias reuniões em Lisboa, na FRI e no Palácio de Belém, entre Mário Soares e o embrião do que se previa vir a ser o futuro secretariado desta importante iniciativa: Peter Courterier, ex-secretário de estado dos negócios estrangeiros da Alemanha no governo de Helmut Schmidt; Michael Ledeen, ex-conselheiro de Alexander Haig e do conselho de segurança nacional da Casa Branca; John Loiello, ex-responsável das relações internacionais do Partido Democrático dos EUA; Hans Janitscheck, ex-secretário-geral da Internacional Socialista; Paul Manafort, advogado especialista em relações públicas e com grande influência no Partido Republicano e, finalmente, eu próprio. Só esta iniciativa iria custar umas largas dezenas de milhar de contos para criar um secretariado permanente e organizar as primeiras conferências com participantes de grande relevo mundial. Mas uma vez estabelecida, à semelhança do que acontece com as “Conferências de Bilderberg e a “Trilateral, o prestígio internacional adquirido acabaria por a tornar auto-suficiente. A FRI financiara o MASP em 1986 e a CEIG, com mais de oitenta mil contos e era credor de milhares de contos do PS, segundo constava da contabilidade daquele partido.

Mário Soares
Mário Soares

Mas, a partir do momento em que Mário Soares lançara as bases da nova fundação Mário Soares e exigira o meu afastamento do projecto Emaudio, em 1989, a fundação de Relações Internacionais deixaria de poder contar com financiamentos oriundos da Emaudio, que esta empresa aliás também acabaria por não mais conseguir. Eram financiamentos políticos das mais variadas naturezas e proveniências que mantinham quer a Emaudio, quer a FRI ou a CEIG com vida. Que tinham igualmente mantido o MASP e que, enquanto Mário Soares fora secretário-geral, também o PS.

Eu pedira então para ser substituído na FRI e, à semelhança do que acontecera com a transferência de parte do património da Emaudio para o PS [13], que esta fundação passasse a controlar ou directamente ou por intermédio de quem os seus sócios entendessem, as sessenta mil acções que, aparentemente, tinham iniciado o meu afastamento da família “soarista”. Mário Soares tinha-me informado na sua casa do Algarve, em Julho de 1990, que o então secretário-geral do PS, Jorge Sampaio, estaria na disposição de fazer entrar novos elementos naquela fundação e, à semelhança do que acontecera em todas as outras, assumir a sua direcção. Aliás, logo após a eleição de Vítor Constâncio, em 1986, a nova direcção do PS vinha reclamando que as fundações se submetessem à sua orientação. O que não conseguiria. As fundações e a CEIG seguiam as orientações de Mário Soares que, então, lembrara que também em 1980 ele pretendera que o IED [14], principal reduto do “ex-secretariado” se submetesse à sua vontade, sem nunca o conseguir. Eventualmente, por desinteresse económico e estratégico, viria a aceitar que as fundações José Fontana e Antero de Quental passassem para o domínio da nova direcção partidária, mas nunca aceitaria o mesmo desígnio para a CEIG nem para a FRI onde fundadores como Gustavo Soromenho, Raul Rego e Almeida Santos se opunham terminantemente à invasão “constancista”. Acontece que, apesar dos meus apelos, não seria dado um único passo para que a fundação de Relações Internacionais “mudasse de mãos”. A partir do momento em que a Emaudio se vira sem meios eu tentaria, sem êxito, que os fundadores assumissem a responsabilidade pelas despesas correntes. Uma recepcionista que era funcionária deficiente motora e ganhava 57 contos, uma mulher de limpeza, telefones, água e luz, renda de aluguer da sede de 141 contos, despesas com previdência social e, acima de tudo, despesas com o carro de marca Citroën ao serviço pessoal de Mário Soares desde 1985 e, cujas despesas anuais com seguro e manutenção, rondavam os setecentos contos. Entretanto, rebentara o caso Emaudio e, com a sua liquidação, éramos eu e Menano do Amaral que, do nosso bolso, pagaríamos as despesas de aluguer e funcionárias. Os meus apelos aos fundadores não resultariam e a Mário Soares tão pouco.

Raul Rego
Raul Rego

Enviar-lhe-ia então um “outro fax” na forma de uma carta datada de 30 de Outubro que o enfureceria ao lembrar que desde a última conversa em Julho nada mais me fora “adiantado sobre o assunto sendo informado das despesas a efectuar com o seguro do veículo que se encontra ao seu serviço bem como o salário da única funcionária da fundação e a renda da casa”. Afinal a fundação tinha estado ao seu serviço anos a fio. Eu nunca fora remunerado no quadro da mesma. E agora, para além do castigo no quadro da Emaudio, tinha sido acusado pelo procurador-geral-adjunto de “subornar” Carlos Melancia — imaginem — e ainda tinha que aguentar a FRI. A carta resultaria, embora reconheça que, a partir dessa data, a raiva de Soares contra mim tivesse passado a ser um verdadeiro ódio. Em 19 de Dezembro, Mário Soares escreveria uma carta afirmando que “não obstante estar efectivamente desligado das actividades” da FRI desde que tomara “posse do cargo de presidente da República” vinha pedir para “ser excluído da qualidade de membro dessa fundação”. Evidentemente que o choque de me ver acusado de alegadamente “subornar” Carlos Melancia e o desejo de que ninguém pudesse vir a dizer que eu teria actuado sempre de acordo com as suas instruções seriam tão grandes que Mário Soares se esquecera que todas as actividades da FRI de 1986 a 1990 tinham sido executadas à sua medida e que apesar de, então, se vir declarar convenientemente “desligado” da FRI se esqueceria de devolver o veículo pertencente à FRI, que tinha estado ao seu serviço aqueles anos todos. Tinha sido um magnífico e luxuoso Citroën que resultara, também ele, de um donativo de um empresário português com negócios em África. Pouco depois, vários dirigentes do PS, que incluiriam António Guterres, Galvão Teles, João Cravinho, Vítor Constâncio e Marques da Costa entrariam para a FRI. O dirigente socialista que Sampaio designara para verificar as contas concluiria pela “não existência de dívidas ou contenciosos” e a existência, mesmo assim, de valores patrimoniais que, segundo ele, incluíam “parte das acções da Emaudio, que a médio prazo poderão ser uma fonte de financiamento da fundação” [15]. Esta empresa estava entretanto já em liquidação, tendo-me eu comprometido a “doar” para a fundação “o valor que viesse a ser apurado na liquidação daquela empresa correspondente a 60 mil das minhas acções”. O então secretário das relações internacionais de Jorge Sampaio, Fernando Marques da Costa, assumiria a presidência da fundação.

Poucos meses depois da minha há muito desejada substituição na fundação de Relações Internacionais, Jorge Sampaio sairia, também ele, derrotado nas eleições legislativas de 1991, o que conduziria a breve trecho a novas mudanças no PS. Os velhos conflitos do PS “soarista” que permitiriam a união de forças entre grupos do chamado “ex-secretariado” tinham-se instalado também no interior do grupo. Durante este período teria, contudo, uma interessante revelação: o meu acusador, Rodrigues Maximiano, procurador-geral-adjunto, que a comunicação social conotava com o PCP, era afinal um “sampaista” ferrenho. Em entrevista a O Independente afirmaria que a diferença entre Cavaco e Sampaio era total porque “Jorge Sampaio é o futuro”. Terá mesmo então aderido ao Partido Socialista. Não ao PS que Mário Soares e eu tínhamos fundado nos anos difíceis mas “sim, com Jorge Sampaio” [16] ao novo PS.

Mário Soares e Guetrres
Mário Soares e Guetrres

Mas não seria preciso muito tempo para assistir à sua queda e à ascensão de António Guterres, que substituiria Fernando Marques da Costa por José Lamego. Na FRI e nas relações internacionais do PS. Este novo responsável pela Política externa do PS, evidenciando um surpreendente entente cordial nas relações com Mário Soares e o “soarismo”, compreenderia com mais realismo que como sem ovos se não fazem omeletes, também sem donativos o PS não teria futuro. A 3 de Novembro de 1992 convidar-me-ia para um almoço a que se juntaria também o então responsável pelas finanças do PS, Luís Patrão. Queriam saber com o que é que poderiam contar dos despojos da Emaudio. Interessante seria sobretudo o magnífico prédio e o seu recheio. Eu explicaria então o que todos já conheciam: a Emaudio estava a ser liquidada e eu tinha sido particularmente maltratado em todo o processo que se iniciara com a insólita decisão de Mário Soares de transferir o controlo da empresa em 1989. Responder-lhe-ia depois por carta que “caso o PS mantenha o interesse então demonstrado, e paralelamente ao que já aconteceu com a Imprinter em 1989, não levanto qualquer objecção a fazer reverter a totalidade das acções em meu nome para o Partido Socialista ou para quem por seu intermédio a FRI indique, desde que:

– Receba instruções da FRI nesse sentido. Me seja entregue o valor correspondente aos meus suprimentos na Emaudio… ou aquilo que eu considerar oferta realista da V/parte e que esta transferência seja acompanhada de documento relativo à mesma e acordado por ambas as partes”. Como então imaginara, esta carta nunca teria resposta. O PS, os seus institutos e fundações afins, como sempre acontecera e eu compreendia perfeitamente, estavam interessados em receber donativos sem condições. Como viria também a acontecer com a Emaudio.

Só que, no meu caso, gato escaldado…

Rui Mateus
Rui Mateus

Em 1993 o PS celebrava 20 anos de vida. Falava-se numa comemoração no local onde o congresso constitutivo tivera lugar. Na Alemanha, em Bad Mundstereifel. Poucos dias antes do evento eu seria surpreendido por uma notícia no Expresso comentando que “por sugestão de Mário Soares, não apenas os 28 signatários da acta do congresso mas também aqueles que participaram nas reuniões preparatórias, o que perfaz um total de 109 pessoas. Até Rui Mateus, caído em desgraça pelo seu envolvimento no escândalo de Macau, que provocou a “queda” de Carlos Melancia, foi convidado. Residente nos Estados Unidos, onde se dedica à actividade docente, Mateus fez no entanto já saber que não estará presente” [17]. Atónito, responderia com uma carta ao artigo do Expresso. Afirmava não compreender o “até” uma vez que não tinha cedido a ninguém os meu direitos de fundador — numa clara alusão à inflação de socialistas “pós 25 de Abril” presentes à cerimónia e negava ter sido convidado. Afirmava ainda ter ficado a saber ter caído “em desgraça pelo meu envolvimento no escândalo de Macau” embora não soubesse em relação a quem e porquê eu teria caído em desgraça. Mas, afirmaria ainda, que se se tratava de uma alusão a Mário Soares ou à direcção do PS, então me sentia tranquilo pois, “nem em relação a um nem à outra me sentia particularmente diminuído com tal “penalização””. Acrescentava também então que “embora seja ainda a lógica do compadrio reinante na vida Política portuguesa que determina quem é o herói e quem cai em desgraça, estava convencido de que atempadamente se conheceriam os motivos que me teriam levado a cair em desgraça” [18]! No seguimento da minha carta àquele semanário, mesmo antes de ser publicada, já Almeida Santos se preparava para me responder que lamentava “que uma deselegância do Expresso me tivesse determinado a “punir a actual direcção do PS”, numa clara alusão à responsabilidade de Mário Soares no processo. Guterres, por seu lado, enviar-me-ia um dos seus típicos cartões de visita a lamentar “profundamente a intriga do Expresso a que era inteiramente alheio”.

Acho que está quase tudo dito. O tempo que, embora contrariado, provavelmente ainda poderei ter que passar na prisão será mais uma contingência que, quando comparada com tudo o que já tive que suportar nos últimos seis anos, será de somenos importância. Será, à semelhança do que já acontecera com Edmundo Pedro, em 1978, um segundo caso de prisão Política. Estou de consciência tranquila. A acontecer, teria mais que ver com o facto de ser o “mal amado” do regime do que com a minha disposição para ser o “cordeiro que se sacrifica” para justificar os eixos cometidos em nome da democracia. O estado e os seus principais protagonistas que assumam as suas responsabilidades! Neste livro eu assumo as minhas.

“Para além da ausência de regras que permitam, pela via individual, o acesso do cidadão à actividade Política, não existem regras idóneas de financiamento dos partidos nem de transparência para os políticos. Um pouco à semelhança dos “pilares morais” do regime, a Maçonaria e a Opus Dei, tudo se decide às escondidas, como se o direito dos cidadãos à informação completa e rigorosa de como são financiadas as suas instituições e dos rendimentos dos seus governantes e dos seus magistrados se tratasse de algo suspeito, de algo subversivo.”

Rui Mateus

NOTAS:

[1] A revisão do código penal, aprovado pela Assembleia da República, entraria em vigor a 1 de Outubro de 1995

[2] 17 de Maio de 1990

[3] Conclusos do procurador-geral-adjunto, fls.1252 dos Autos

[4] art.º159 da acusação, fls.1282 dos Autos

[5] art.º173 da acusação, fls.1283 e 1284 dos Autos

[6] art.º201 da acusação, fls.1289 dos Autos

[7] Declaração de Stanley Ho ao Expresso, de 12 de Dezembro de 1992

[8] UPSCEUnião dos Partidos Socialistas da Comunidade Europeia, hoje Partido Socialista da Europa

[9] Carta de Vítor Constâncio, de 8 de Abril de 1987

[10] Conferência “O Papel da Cultura nas Sociedades DemocráticasPrimeiras Jornadas Culturais
do Mundo de Expressão Portuguesa e Espanhola”, fundação Gulbenkian, 11 e 12 de Fevereiro de 1982

[11] Susanna Sonntag, Joseph Brodski, Czeslaw Milosz, Martin Amis, Salman Rushdie, Ismail Kadaré, Ian Mc Evan, Malcom Bradbury, John Elliot, John Gross, Angela Carter, Lídia Jorge, Pedro Tamén, Almeida Faria, Virgílio Ferreira e Cardoso Pires, entre outros

[12] Conferências individuais com nomes ilustres como Norberto Bobbio, Mário Vargas Llosa, John Kenneth Galbraith, Karl Popper e René Thom

[13] A Emaudio detinha cerca de 50% do capital da Imprinter, Impressores Internacionais SA e era co-proprietária de dois semanários que seriam entregues em 1989 ao PS e, mais tarde, alienados por este

[14] IEDInstituto de Estudos para o Desenvolvimento

[15] Acta n.º12 da FRI, datada de 4 de Abril de 1991

[16] O Independente, de 27 de Setembro de 1991

[17] Expresso, de 27 de Março de 1993

[18] Carta ao Expresso, de 9 de Abril de 1993

Fonte: Livro «Contos Proibidos – Memórias de um PS Desconhecido» de Rui Mateus

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