Para umas pessoas, o corpo não-material é um aspecto da psique ou alma. Anima normalmente o corpo físico mas é capaz de se separar dele. Os Membros Fantasma são aspectos da alma ou psique. Têm uma realidade psíquica, e não material. Este é talvez o ponto de vista tradicional que tem mais aceitação. Lord Nelson, o famoso almirante britânico, perdeu um braço numa batalha naval, em 1797. Fazia questão de dizer que, para ele, o braço fantasma era a prova da existência da alma.
Esta interpretação dos fantasmas merece ainda hoje o favor de muitos espiritualistas, alguns dos quais afirmam ver as “auras” dos membros amputados. Em círculos esotéricos, os Membros Fantasma são considerados aspectos do corpo “subtil”, “astral” ou “etéreo”.
Do ponto de vista da mente contraída, pelo contrário, os Membros Fantasma e o corpo não-material são ilusões geradas no sistema nervoso. Os fantasmas não estão onde parecem estar: estão no cérebro. Para um materialista ou mecanicista convicto, a teoria do cérebro não é tanto uma hipótese como um artigo de fé: tem de ser verdadeira. A medicina institucionalizada continua sob o jugo da teoria mecanicista, e daí a versão oficial, ensinada aos amputados pelos médicos e nos hospitais, de que o fenómeno dos fantasmas está localizado dentro do cérebro.

A verdade é que se tem revelado extraordinariamente difícil localizar os fantasmas com exactidão. A hipótese predominante começou por ser a de que os Membros e as Dores Fantasma eram provocados por impulsos gerados pelos nervos no coto que fica, nomeadamente em nódulos de nervos que crescem nas terminações de corte, os chamados neuromas. Pensava-se que estes impulsos percorriam a espinal medula até ao córtex cerebral, produzindo nas regiões sensoriomotoras sensações que eram “atribuídas” ao membro amputado. Esta teoria foi exaustivamente testada, em tentativas de aliviar a dor fantasma, isolando cirurgicamente os nervos dos neuromas, imediatamente acima do neuroma ou a nível das raízes nervosas, perto da espinal medula. Embora se registe ocasionalmente algum alívio temporário, os fantasmas persistem e normalmente a dor volta. Além do mais, a hipótese do coto não explica por que razão há pessoas que, tendo nascido sem membros, também registam a experiência de fantasmas, não existindo qualquer lesão dos nervos.
A hipótese que se seguiu transferiu a localização dos fantasmas do neuroma para a espinal medula, sugerindo que os fantasmas resultariam de uma actividade espontânea e excessiva de nervos da espinal medula que teriam perdido a informação normal vinda do corpo. Cortaram-se vários percursos nervosos dentro da espinal medula na tentativa de pôr cobro aos referidos efeitos, mas os fantasmas continuavam, e as dores também. Esta hipótese é ainda refutada pela experiência de paraplégicos vítimas de fractura alta da espinal medula, por exemplo a nível do pescoço. Alguns sentem fortes dores a nível das pernas e das virilhas, apesar de as células nervosas medulares que enviam impulsos daquelas zonas para o cérebro começarem muito abaixo do nível da fractura, o que significa que quaisquer impulsos nervosos com origem nelas se veria impossibilitado de atravessar a fractura.
Foi necessário então fazer recuar ainda mais a hipotética fonte dos fantasmas, desta vez para o interior do cérebro. Procedeu-se à remoção de zonas do tálamo e do córtex cerebral que recebiam impulsos nervosos vindos do membro atingido, mas também esta tentativa extrema de fazer parar a dor falhou. Mesmo quando se removem as zonas certas do córtex sensorio-motor, a dor geralmente volta, e o fantasma continua presente!

As mais recentes versões da teoria do cérebro empurram ainda mais para trás a suposta localização dos fantasmas, para zonas mais profundas dos tecidos cerebrais. Uma das hipóteses propõe que os fantasmas resultam da forma como se agregam no cérebro as novas conexões nervosas, “refazendo o mapa” das áreas que anteriormente teriam recebido impulsos nervosos vindos do órgão amputado. Mas o aparecimento de novas conexões nervosas levaria semanas ou meses, e os fantasmas podem surgir imediatamente, como acontece, por exemplo, quando se anestesiam os nervos que servem um determinado membro. Para fugir à necessidade de invocar o aparecimento de novos nervos, uma outra hipótese propõe um rápido “desmascaramento de circuitos latentes” em vastas regiões cerebrais. Uma terceira propõe que a imagem do corpo é gerada por uma complexa rede de nervos em diversas partes do cérebro, chamada neuromatriz. A neuromatriz “gera modelos e processa informação que corre por ela, acabando por produzir o modelo que é sentido como todo o corpo”. Esta neuromatriz está amplamente “implantada”. Embora a experiência a modifique, supõe-se que seja inata, já que as pessoas que nascem sem membros podem ter fantasmas de estruturas em falta. Envolve a participação do cérebro em tal medida que destruir a neuromatriz “equivaleria a destruir praticamente o cérebro inteiro”.
Chegada a este ponto, a teoria cerebral dos fantasmas torna-se praticamente irrefutável. Se a remoção de uma determinada região do cérebro não basta para abolir o fantasma, então é porque ele é gerado por outras partes do cérebro. Podem defender-se indefinidamente sistemas “paralelos”, “de retaguarda” ou “latentes”, tal como na Astronomia antes de Copérnico se podiam sempre acrescentar epiciclos às supostas órbitas dos planetas, como forma de explicar qualquer fenómeno embaraçoso. A irrefutabilidade é uma virtude para os crentes fervorosos, mas é um vício científico.
Quando pensam em termos de fantasmas, os investigadores médicos são frequentemente levados a propor conceitos como o “esquema postural”, “esquema corporal” ou “imagem corporal”. Os termos foram introduzidos por volta do princípio do Século XX como base teórica da explicação de observações clínicas, mas o seu uso continuou sempre extremamente vago. Numa análise crítica da doutrina do esquema corporal, dois eminentes neurologistas alemães concluíram:

Não existe uma teoria bem definida e unitária do esquema corporal. Pelo contrário, vários autores desenvolveram ideias substancialmente diferentes com base em premissas substancialmente diferentes, com as quais se propõem explicar fenómenos clínicos substancialmente diferentes. Por outro lado, as poucas contribuições realmente originais surgidas neste campo são frequentemente objecto de mal-entendidos e distorções… Uma vez estabelecida a teoria, muitas perturbações receberam a designação de “perturbações do esquema corporal”. Depois serviram-se destas para provar a validade do conceito teórico. Trata-se de um caso clássico de petitio principii, na medida em que se recorre a uma hipótese para explicar outra hipótese, e vice-versa. Muito raramente se têm feito investigações experimentais com vista a testar sem ideias preconcebidas as hipóteses teóricas e a sua validade geral.
Os freudianos têm interpretações muito suas do esquema corporal. Este existe no “espaço-tempo sensoriocerebral” e envolve uma “projecção mental do ego”. Os fantasmas são produzidos pelo inconsciente em resultado de um “desejo narcisista de manter a integridade do corpo face a uma perda realista ou a de uma rejeição da castração simbólica de um órgão do corpo”. São teorias que dão um grande contributo para o enriquecimento da terminologia mas não dizem praticamente nada sobre a natureza da imagem do mundo ou sobre a mente inconsciente.
Fonte: LIVRO: «7 Experiências que podem mudar o Mundo» de Rupert Sheldrake